Juros abusivos transformam pequenas dívidas em ‘bolas de neve’ em Marília
A costureira Vilma Rodilha, de 69 anos, procurou o mutirão de dívidas do Procon de Marília nesta terça-feira (1º) para pedir ajuda com a renegociação de dois financiamentos, um que ela desconhece e outro com juros abusivos de 18% ao mês. A ação é uma iniciativa da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a oportunidade para limpar o nome segue até o dia 11 de agosto.
Só em Marília, já foram negociados R$ 1.287.371,66 em débitos de marilienses até a última quarta-feira (2). Vilma é uma das moradoras da cidade contempladas pela campanha de um total de 137 atendimentos realizados.
O financiamento reconhecido pela costureira foi pactuado pela necessidade de realizar exames de saúde que, no fim, felizmente não apresentaram doenças graves. No entanto, o empréstimo acabou se transformando em um problema pior, um estressante débito impagável – 462% maior do que valor recebido.
“Eu não tenho plano de saúde e pelo SUS – Sistema Único de Saúde – iria demorar muito. Estava sentindo um desconforto e precisava saber rápido o que é, porque tenho casos de câncer na família, duas irmãs e um filha. Quando descobre cedo é mais fácil de tratar. Como eu não tinha o dinheiro, tive que pegar”, explicou Vilma.
A idosa já tinha um outro empréstimo em um banco que desconta o valor diretamente da aposentadoria assim que o dinheiro na conta. A empresa bancária é mais uma do comércio que realiza a prática comum de refinanciamento da dívida oferecendo um “cashback” e causando um acúmulo de juros sob juros.
Quando a costureira pediu os R$ 2.670,00 para os exames de saúde, em maio, ela já tinha uma dívida no banco. Deste modo, automaticamente os R$ 1.190,00 de saldo devedor entraram na conta do novo empréstimo e a soma dos valores compactuados foi de R$ 3.860,00. Com a condição de pagamento a uma taxa de juros de 18% ao mês e 29 parcelas de R$ 748,50, o montante devido para encerrar o débito chegou a R$ 21.706.
“Com os dois financiamentos, está sobrando só R$ 300,00 da minha aposentadoria. E se eu ficar doente? Não vou conseguir trabalhar e quem vai pagar minhas contas? Eu não posso depender das minhas filhas e graças a Deus o exame deu só um probleminha no intestino”, relatou Vilma. A mulher trabalha de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, e aos fins de semana vai para Vera Cruz ajudar familiares doentes.
A aposentada ainda conta que tentou negociar diretamente com a empresa. “As funcionárias explicam, mas eu não entendo nada. Quando fui pegar o contrato, a gerente disse ‘você não vai entrar no Procon, né? Porque vai prejudicar nós’. Mas, e eu? Quem está sendo prejudicada sou eu”, lamentou.
BOLA DE NEVE
No caso do ex-pedreiro Antônio Batista Filho, de 67 anos, que também negociou seus débitos nesta terça-feira (1º), o valor da parcela atual é maior do que o valor inicial do empréstimo. Ele contratou os financiamentos antes da pandemia da Covid-19 e, se não bastasse a paralisação das atividades, ainda descobriu que era hipertenso e diabético durante o período.
“Eu precisei pegar porque as contas estavam atrasadas. Hoje, me sobra só R$ 300,00 por mês do Benefício de Prestação Continuada – BPC. Como que vai no mercado? Não compra nada, nem uma cesta básica. Minha sorte é que minha esposa trabalha”, contou Batista Filho.
Um dos contratos feitos pelo idoso, também em uma agência bancária, iniciou com a retirada de meros R$ 200,00 e, com juros de 17,64% ao mês, o valor viria a se tornar cinco vezes maior. Para o pagamento, eram exigidas 36 parcelas de R$ 36,70, somando um valor de R$ 1.101,00.
Pouco depois, o beneficiário precisou novamente de dinheiro e pegou mais uma vez uma quantia pequena, de R$ 426,00. O valor saiu da diferença do novo empréstimo de R$ 1.969,00 que contratou, e o pagamento do saldo devedor de R$ 1.542,00 referente ao primeiro contrato, com acréscimo de juros e multas.
No final das contas, Antônio não recebeu nem R$ 700,00 e o montante devido ao credor virou R$ 10 mil, para serem pagos com parcelas de R$ 343,00 ao longo de 30 meses. Apenas um vencimento atual já é quase a mesma quantia de R$ 426,00 que recebeu na última retirada de dinheiro.
“Eles insistiram no empréstimo, entrei no consignado e acabei gastando. Eu sabia que era grande o valor, mas não sabia que era tão grande”, contou o trabalhador.
OUTRAS NEGOCIAÇÕES
Não só empréstimos são negociados no mutirão. A comerciante Neide Rodrigues, de 50 anos, disse que leu no Marília Notícia uma matéria sobre a ação e resolveu comparecer no Procon para participar. “Eu estava procurando negociar, mas não sabia como fazer, quando vi a oportunidade, resolvi vir, pois quero limpar meu nome”, afirmou.
Antes do início da pandemia, Neide estava fazendo a reforma da casa e faltava somente o acabamento, quando as coisas ficaram difíceis.
“Hoje, eu tenho 16 dívidas diferentes, que ficam em torno de R$ 20 mil, mas eu consegui negociar individualmente por R$ 10 mil à vista. Não está difícil de pagar, mas eu espero que caia mais um pouco, porque eu não consumi tudo isto. Foram R$ 5 mil mais ou menos, o resto é juros e multa”, contou Rodrigues.
HISTÓRIA SEM FIM
De acordo com o diretor do Procon do município, o advogado Guilherme Moraes, o principal motivo do endividamento está relacionado aos bancos e financeiras, por meio de cartão de crédito, limite de cheque especial ou empréstimo consignado.
“Quando a pessoa já pagou parte do valor do empréstimo, o banco ou financiadora liga para ela dizendo que existe um valor para receber. Mas esse dinheiro sai da diferença do novo contrato para quitar a dívida antiga. Então, os financiamentos vão rolando e os débitos aumentando. É o que a gente mais vê aqui”, alerta Moraes.
O diretor ainda diz que a prática deveria ser proibida, mas não é. “É uma prática predatória. Isso demonstra a irresponsabilidade de quem está ofertando o crédito. As responsabilidades são atropeladas e o consumidor acaba sendo empurrado para o superendividamento”, ressalta Guilherme.
Para que essas pessoas não voltem às filas de negociação, Moraes informa que o Procon dá orientações, no entanto, as situações muitas vezes fogem do controle. “É muito séria essa situação e muitos consumidores acabam assinando esse tipo de contrato em uma situação de desespero, porque no momento pode parecer uma solução muito eficiente”.
QUEM PODE NEGOCIAR
O mutirão de negociação de dívidas realizado pelo Procon de Marília chegou ao décimo dia de atendimento e já ajudou 137 pessoas na regularização de R$ 1.287.371,66 em débitos. Só nesta quarta-feira (2), foram R$ 66.060,43 em 13 acolhimentos. A ação teve início no último dia 24 de julho e vai até o dia 11 de agosto.
Quase todos tipos de débitos podem ser negociados, com exceção da pensão alimentícia, do crédito imobiliário e do financiamento agropecuário. “O objetivo é principalmente atender moradores mais simples, que não conseguem renegociar suas dívidas por e-mail e telefone”, conta o diretor.
Para participar do mutirão, o titular da conta precisa comparecer no atendimento com algum documento que comprove a relação jurídica com o credor. “Vamos negociar esses débitos, tentar uma redução da taxa de juros e do valor das parcelas, garantindo o mínimo existencial do consumidor, que decorre da Lei do Superendividamento (14.181/2021)”, afirma Moraes.
Na cidade, o atendimento presencial é realizado de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, na sede do Procon, que fica na avenida das Indústrias, número 294. Dúvidas e orientações podem ser encaminhadas pelo telefone (14) 3401-2466, ou pelo WhatsApp (14) 3402-6000, opção 9.