Aumento de crimes sexuais contra menores revela importância de prevenção
Marília registrou, entre janeiro e maio deste ano, um total de 38 estupros. Dentre eles, 31 das vítimas – que representam 81,6% – foram consideradas vulneráveis, ou seja, crianças menores de 14 anos de idade.
Especialistas acreditam que o aumento verificado em todo o Brasil está ligado às campanhas de conscientização sobre o assunto, que pode ter reduzindo a subnotificação de crimes, apesar de ainda ser alta.
O Marília Notícia ouviu diversos profissionais envolvidos no combate ao crime no município.
O INÍCIO
A ex-delegada da Polícia Civil, Rossana Camacho, acompanhou o início do trabalho de criação da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). Ela revela que houve um grande avanço ao longo dos últimos anos, mas confirma ainda ser necessário o envolvimento de toda a sociedade.
“Quando começamos, não tinha nada. Hoje existe uma estrutura muito boa, mas que precisa contar com o apoio da sociedade para que isso não se perca. Antes as leis eram mínimas e hoje temos legislações específicas. Não basta apenas ter delegacias e leis. A sociedade precisa fazer o seu papel. Igrejas, comunidades e famílias. É preciso um amplo trabalho para coibir e enfrentar violência”, analisa Rossana.
Camacho acredita que o aumento de registro constatado na pesquisa, na verdade, é reflexo do conhecimento das pessoas. Esses casos provavelmente já aconteciam, mas não eram identificados ou denunciados. As campanhas de prevenção foram fundamentais, bem como mecanismos de proteção que passaram a existir no Brasil.
“Eu acho que as campanhas que são feitas e o trabalho de prevenção aos crimes sexuais estão dando resultados. Essas ações permitem o aumento de denúncias e as pessoas, hoje, estão tendo mais ferramentas e mecanismos para coibir. Até mesmo nas empresas essa questão está sendo discutida, com prevenção de assédio e violência sexual”, diz a ex-delegada mariliense.
Para Rossana Camacho, é importante falar sobre o assunto nas escolas, nas famílias e comunidades. As pessoas começam a identificar as situações e se sentem seguras com a rede de proteção que foi criada. Apesar disso, ela acredita que os dados subnotificados ainda são maiores que os informados para as autoridades.
“Ainda existe uma grande subnotificação e o número de casos é maior do que aquilo que se chega às delegacias. Por isso, a prevenção é muito importante. Com ela você coíbe os casos e aumenta as denúncias. Casos de adolescentes estupradas dentro de casa pelo pai, padrasto, avô, tio ou amigo da família, mas com vergonha e medo, ainda não comuns”, explica Rossana Camacho.
Ela revela que houve um avanço da sociedade, mas que os crimes ainda acontecem no círculo próximo da vítima, o que dificulta a descoberta dos casos.
“Antigamente, uma vítima de abuso sexual era considerado segredo de família. Ela era marginalizada pela sociedade. Hoje ela é tratada. Temos a DDM, hospitais, equipes multidisciplinares, apoio psicológico e social para família. O agressor é punido. Foram criados mecanismos sociais e jurídicos, mas houve uma mudança social e cultural, possibilitando a punição dos criminosos, que são pessoas próximas e de confiança das vítimas”, diz Rossana.
COMITÊ MUNICIPAL
De acordo com a fonoaudióloga Fabiana Martins, coordenadora do Comitê Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, houve um trabalho nas Unidades de Saúde em novembro, com uma capacitação para médicos e enfermeiros. Ela revelou que a Educação também fez um trabalho especial com professores e diretores.
“É um trabalho que está começando. Não tínhamos um indicador para discutir políticas públicas e daqui para frente estamos focados em pensar em prevenção. A gente já tem visto algum resultado, mas ficamos tristes, pois são muitos casos. É assustador”, revela a coordenadora.
Fabiana contou que os casos acontecem em todas as regiões de Marília e nas mais diversas camadas sociais.
“Quando recebemos os casos, fazemos um mapeamento e não existe uma região mais vulnerável. Os crimes acontecem em todo o território de Marília. Não temos uma diferenciação de nível sociocultural. As pessoas acham que isso só acontece na periferia, em uma comunidade, mas em todas as camadas sociais surgem casos de violência sexual envolvendo menores. Não dá para prever quem é o abusador”, declara Fabiana.
Normalmente, os casos ocorrem dentro da própria família, com parentes ou pessoas mais próximas. Fabiana disse que muitos casos são terríveis e difíceis de acreditar.
“Praticamente todos os casos são dentro da família. Padrasto, pai, avô ou pessoas muito próximas. Temos casos de irmãos mais velhos. É muito triste e as pessoas me perguntam como eu lido com isso. O caminho é a terapia. Se não estiver focado no bem estar e saúde da criança e adolescente, é desesperador”, afirma a coordenadora.
DDM
As denúncias de crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes chegam para a DDM de Marília por meio de diversas portas. Profissionais de Saúde detectam algum sinal durante uma avaliação e comunicam a polícia. Alguns casos são comunicados pelas escolas, pelo próprio Conselho Tutelar, pela Polícia Militar ou via disque denúncia.
Assim que a Polícia Civil recebe uma notícia de crime sexual envolvendo menores de idade, é registrado um Boletim de Ocorrência e se inicia um rápido protocolo de atuação. A vítima é encaminhada para o hospital de referência para as profilaxias necessárias, caso isso ainda não tenha sido feito. Em seguida, é encaminhada para exame de corpo de delito, o qual busca preservar vestígios do fato criminoso.
A criança ou adolescente também passa por uma escuta especializada na própria DDM, com profissional capacitado, sendo que os dados embasarão a investigação policial. A apuração demanda muito conhecimento técnico, pois geralmente são crimes que ocorrem sem testemunhas presenciais e precisam ser colhidos outros tipos de indícios.
CONSELHO TUTELAR
Fundamental na proteção da criança e adolescente, o Conselho Tutelar atua com profissionalismo, fazendo os encaminhamentos necessários nos casos que envolvem todo tipo de violência com menores de idade.
O Marília Notícia conversou com uma profissional do Conselho Tutelar da cidade, que pediu para não ser identificada. Ela explicou que a violência sexual atinge meninas, mas também meninos em Marília, sendo que muitos casos não são denunciados, pela dependência financeira.
“Temos casos em que o homem agressor é o provedor da casa e a companheira não faz a denúncia. Meu trabalho é sempre em cima do que diz a lei. Seguimos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e já estou acostumada. Em Marília, existe o Disque 100, que é um canal de denúncias, completamente sigiloso. Garantimos o anonimato e fazemos o encaminhamento necessário”, conta a conselheira.
Ela ainda revelou que, apesar de alguns casos mais graves, faz o seu melhor para atuar na proteção de crianças e adolescentes em Marília, seja em crimes sexuais ou qualquer outro tipo de violência que estejam sofrendo.
“Neste ano soube de uma garota que sofreu abuso do padrasto e fiquei muito triste, pois alertei a mãe sobre essa possibilidade quando a criança foi morar com ela. Não foi por falta de orientação, mas pelo menos, essa mãe teve coragem de denunciar o companheiro, que está preso por este crime”, conta.
O Conselho Tutelar funciona na avenida Pedro de Toledo, 221, no bairro Cascata, das 8h às 17h, mas com plantão de conselheiros 24 horas por dia.