A visita ao cenáculo na terra de Israel
Desde criança ouço os adultos da minha família se referirem à quinta-feira que antecede ao Domingo de Páscoa, como Quinta-feira Santa.
Recordo que ouvi o termo pela primeira vez quando passava a tarde na casa da minha avó paterna, a dona Carolina Stela Franco (1915-2008) – que morava num casarão verde, bem na esquina da rua Engenheiro Loschi, com a avenida Siqueira Campos, em Paraguaçu Paulista.
Começou a passar na televisão um filme sobre as três crianças de Fátima, em Portugal, que tiveram o encontro com Maria, a mãe de Jesus. Perguntei porque estavam passando aquele tipo de filme, sendo que não era Natal e nem Sexta-Feira Santa. Aí me falaram que era a Quinta-Feira Santa e me explicaram que a data fazia menção à última ceia.
Curioso, perguntei o que era, então, a última ceia. E alguém – não sei se um tio, uma tia ou minha própria mãe – me levou até a cozinha da vó Carolina. Lá havia um quadro com a reprodução da tela da santa ceia de Leonardo Da Vinci (1452-1519) e me explicaram tudo, inclusive mostrando o saco de moedas numa das mãos de Judas Iscariotes.
Voltaria a esta mesma imagem em pelo menos outras duas oportunidades: na faculdade, com o professor de História da Arte, Romildo Sant’anna nos explicando o padrão estético da época da composição e, mais tarde, ao ler “O código da Vinci”, thriller policial do escritor norte-americano Dan Brown.
A última ceia, portanto, teria ocorrido na véspera da prisão, tortura e morte do Cristo. Como Jesus foi capturado na madrugada de sexta-feira da semana da Páscoa judaica, a instituição da eucaristia no jantar de despedida da presença física do Verbo na Terra, portanto, ocorreu numa quinta-feira.
Estive pessoalmente no cenáculo – como é chamado o espaço onde ocorreu a última ceia – em Jerusalém, quando no ano de 2022 visitei a Terra Santa. O cenáculo que abrigou Jesus e seus discípulos teria sido a casa de um dos apoiadores do Cristo no Monte Sião.
O monte fica localizado bem ao lado da muralha da Cidade Velha de Jerusalém. O espaço tem uma acústica muito boa e por isso os visitantes cantam, antes de seguir a visitação que tem como próxima parada de roteiro a sepultura do rei David.
Fiquei observando o teto do cenáculo, sabendo que aquela não era a construção original que sediou um dos mais significativos instantes da fé cristã, mas ciente que estava no mesmo espaço onde houve a constituição da eternidade cristã na transformação do pão em carne e no vinho em sangue.
Antes de sair de lá, no limiar da porta de acesso às escadarias para a sepultura do ruivo israelense que derrubou um gigante com uma pedrada, vivi uma sensação inédita e, confesso, realmente indescritível, inenarrável. Apenas absorvi e deixei a emoção fluir. Esta havia sido a segunda emoção intensa e desta mesma proporção que vivenciei na terra de Israel.
Anteriormente, algo próximo havia me ocorrido em Caná, na Galileia. Porém, a minha passagem por Caná, no local onde o Cristo fez seu primeiro milagre a pedido de sua mãe, Maria, é pauta para outra crônica.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com