Homicídio e canibalismo: o que se sabe sobre caso de brasileiro
Um caso de homicídio e suspeita de canibalismo envolve dois jovens brasileiros que viviam na Europa e intriga as polícias de Portugal e Holanda. O mineiro Begoleã Mendes Fernandes, de 26 anos, é acusado de assassinar a facadas o açougueiro Alan Lopes, de 21, natural de Brasília, no Distrito Federal, e de tentar fugir para o Brasil levando pedaços de carne humana na mala. A família de Begoleã diz que ele agiu em legítima defesa. Os parentes da vítima querem investigação. O Itamaraty informou que acompanha o caso.
Fernandes foi preso na noite de segunda-feira, 27, no aeroporto de Lisboa, quando tentava embarcar para Belo Horizonte, Minas Gerais. Inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras suspeitaram do seu passaporte e, na checagem, confirmaram que era falsificado, assim como sua permissão de residência na Itália. Ao examinar a bagagem, encontraram roupas sujas de sangue e pedaços de carne suspeita em embalagem plástica. Na pesquisa realizada pela policia, constatou-se que o brasileiro era procurado por homicídio pelas autoridades holandesas.
Análise do Instituto Médico-Legal de Lisboa confirmou que o produto encontrado na bagagem do suspeito se tratava de carne humana. Ao ser interrogado, Begoleã confessou ter matado Alan, na casa da vítima, na região norte de Amsterdã, mas alegou legítima defesa. Segundo informações da polícia portuguesa à imprensa daquele país, o brasileiro alegou que o colega o obrigou a comer carne humana e depois tentou matá-lo. Ele teria conseguido tomar a faca e matar o açougueiro.
De acordo o depoimento do rapaz, ele pegou os pedaços de carne que estavam na casa de Alan para entregar à polícia e confirmar sua versão. As primeiras investigações confirmaram a morte de Alan, mas constataram que a carne na mala do autor do crime não era do corpo dele. Até a manhã desta sexta-feira, 3, a procedência da carne humana era desconhecida. O celular de Begoleã foi apreendido e passará por perícia.
‘Carne de gente’
A mãe do suspeito, Carla Pimentel, que mora no Brasil, disse ao canal de televisão português SIC que ajudou o filho a fugir de Amsterdã após o crime. Segundo ela, o filho tinha se mudado para a Holanda para se aperfeiçoar em clubes de luta, pois queria ser lutador e viver disso. “No domingo, 26, de manhã, meu filho fez uma chamada por WhatsApp e contou que o amigo lá em Amsterdã tinha chamado ele para ir à sua casa e, depois de conversarem, ele serviu um prato de comida com uma carne preta, estranha. Depois que meu filho comeu, ele disse que era carne de gente.”
Segundo o relato, Alan teria mostrado ao amigo vídeos de outras pessoas que ele disse ter matado. “Mostrando os vídeos ele ia dizendo: ‘Matei o fulano, sicrano, olha aqui o marroquino, o haitiano’. Meu filho foi dormir pensando em pegar a carne e denunciar. De manhã, ele acordou com o Alan em cima dele, tentando matá-lo. Ele tomou a faca e deu duas facadas no Alan e, depois que ele caiu, passou a faca no pescoço dele.”
De acordo com a mãe, Begoleã mostrou os ferimentos que recebeu. “Ele tem um ferimento na barriga, está com a mão esquerda quase decepada. Ele disse que estava ligando para a polícia, pois estava com a faca do Alan, o celular do Alan e os pedaços de carne. Eu falei: Saia fora daí. Eu consegui remover ele para Bruxelas (capital da Bélgica), comprei a passagem para Portugal e falei para ele vir para o Brasil. A gente ia pegar um advogado e retornar lá (para Amsterdã) para falar com a polícia.”
Em Matipó, cidade de 19 mil habitantes, na Zona da Mata mineira, onde Fernandes vivia antes de se mudar para a Holanda, a notícia do crime chocou os moradores. O comerciante Paulo Henrique Fernão estudou com o rapaz na Escola Estadual Waldomiro Mendes de Almeida e contou que ele era uma pessoa tranquila. “Estava sempre sorridente, tinha muitos amigos aqui, a família é conhecida. Ele cresceu na roça e tinha o sonho de ser lutador. Não dá para acreditar que tenha feito isso.”
Segundo o comerciante, o rapaz ficou muito abalado com a morte do irmão mais velho, em abril de 2019. Na época, Begoleã usou as redes sociais para lamentar a perda. “Você sabia o quanto eu te amava mesmo com nossas diferenças e nossas brigas, nunca guardamos mágoas um do outro, sempre voltamos a conversar depois”, postou em sua página no Facebook. Em outra postagem, ele se definiu como “2% gênio e 98% louco”.
‘Surto’
A família de Alan, que mora na Holanda há sete anos, disse à imprensa holandesa esperar que a polícia conclua com rapidez as investigações para esclarecer a morte do familiar. No dia do crime, a vítima estava sozinha em casa, já que a mãe e a irmã tinham viajado para a França. Conforme notícias reproduzidas em redes sociais, a irmã de Alan, Kamila Lopes, contou que Begoleã convivia com eles há três anos e pernoitava na casa quando não tinha onde dormir.
Segundo ela, Alan trabalhava como açougueiro e fazia empréstimos para o suspeito, quando ele precisava de dinheiro, mas negou que o crime tivesse motivação financeira. Kamila disse que o irmão foi morto a facadas, mas não teve parte do corpo retirada. Ela negou também que Alan fosse canibal e disse que o autor do crime estava, provavelmente, em surto psicótico, imaginando coisas. Procurada pela reportagem através de sua rede social, Kamila ainda não deu retorno.
Begoleã prestou depoimento ao Tribunal da Relação de Lisboa e está preso, aguardando o desfecho de um processo de extradição para a Holanda, onde deverá responder por homicídio. Se houver confirmação de canibalismo, ele pode ser condenado à prisão perpétua, segundo a legislação daquele país. O brasileiro chegou a ser atendido no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, devido à lesão na mão esquerda.
O Ministério das Relações Exteriores, por meio do Consulado-Geral do Brasil em Lisboa, disse que mantém contato com as autoridades portuguesas, “com vistas a prestar a assistência cabível ao nacional brasileiro, em conformidade com os tratados internacionais vigentes e com a legislação local”. Conforme a pasta, em observância ao direito à privacidade e ao disposto na Lei de Acesso à Informação, informações detalhadas só poderão ser repassadas com autorização dos envolvidos.