Cresce busca sobre cuidados paliativos em Marília
Diagnosticada com câncer de mama metastático no cérebro e no pulmão, a autônoma Sueli Aparecida do Nascimento Silva, de 54 anos, não tinha certeza se viveria até o Natal de 2022. Rodeada de pessoas queridas, ela passou o Ano Novo feliz, falante e eufórica.
Desde novembro, a autônoma é acompanhada por um médico paliativista, mesmo sem entender muito bem o significado. Para muitos, paliatividade seria o tratamento indicado para quando “não há mais o que fazer”, sendo associada à morte.
“Hoje tenho mais noção da realidade da minha doença. Eu não vou ser curada pela medicina, mas vou viver com qualidade de vida”, afirma Sueli ao Marília Notícia. “[O acompanhamento paliativo] me ajudou a compreender o que eu estou passando. Quando você entende, fica mais fácil de enfrentar”, completa.
O cuidado paliativo, ao contrário do que diz o senso comum, tem seu conceito baseado na vida. É o que defende o doutor Guilherme Munhoz, clínico com atuação em paliatividade de Marília. “A gente cuida do paciente desde o início, quando ele recebe o diagnóstico de uma doença grave que pode levar à morte. Todo mundo acha que esse tipo de tratamento é só no ‘fim’. Mas você pode ofertar muita vida, com qualidade e conforto, durante todo o processo”, declara Munhoz.
Todas as doenças que levam à morte, portanto, podem receber esse tipo de tratamento. “As doenças que mais matam no Brasil e no mundo são as cardiovasculares. Também podemos destacar insuficiências cardíaca, renal, hepática e pulmonar”, explica o médico.
Por este motivo, houve um aumento no número de consultas de um dos poucos médicos com atuação na área em Marília. “Percebi que está acontecendo uma busca pela compreensão do que é esse cuidado, tanto pelo paciente e pela família quanto pelos colegas médicos que indicam. Então, a procura acaba aumentando. Já a demanda é gigantesca e sempre existiu”, garante o paliativista.
De acordo com o especialista, as indicações de fisioterapeutas, psicólogo, médicos e nutricionistas são as principais causas do aumento da procura.
DESDE O INÍCIO
Segundo o médico, é importante começar com o cuidado paliativo desde o diagnóstico. “Tratamos da dor como um todo, que vai além da própria doença. É sobre enxergar o paciente como ele é e proporcionar esse cuidado integral, humanizado e multidisciplinar”, explica Munhoz.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cuidados paliativos são “uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças que ameacem a vida. Previne e alivia o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas, sejam eles físicos, psicossociais ou espirituais”.
Parte importante dos cuidados paliativos é a comunicação, que deve ser clara, empática e assertiva desde o primeiro momento. Não foi dessa forma, porém, que a família de Sueli recebeu a notícia.
“A oncologista nos passou a informação de que minha mãe precisaria entrar com cuidados paliativos de forma informal. A consulta já havia terminado, estávamos indo embora e acabei voltando porque esqueci de perguntar sobre um pedido de exame. Enquanto a médica imprimia o requerimento, ficamos jogando conversa fora e foi aí que ela comentou que minha mãe era ‘paliativa'”, narra Jasmine Regine da Silva, advogada de 28 anos, filha de Sueli.
“Ela só falou porque estávamos comentando que uma outra doutora iria passar a atendê-la. Fiquei sem entender. Questionei: mas ela já é paliativa ou precisa esperar para ver se o tratamento faz efeito? E ela respondeu ‘não, ela já é pelo tipo de câncer dela'”, conta a advogada.
Munhoz defende que a notícia deve ser passada com a sinceridade que precisa ter, mas de uma forma que possa ser menos impactante para todos. “As palavras que usamos como profissionais da saúde às vezes doem mais do que uma medicação errada”, declara.
Ainda segundo o médico, o principal papel do paliativista é dar suporte ao paciente, família e para os cuidadores. “Ouvir pode ser mais importante do que ficar falando sobre a doença, religião, morte ou qualquer outro assunto. A escuta ativa é uma das habilidades da comunicação, pois muitas das vezes o paciente quer mais ser ouvido do que ouvir”, aponta.
Para a família, segundo Jasmine, o que importa não é quanto tempo resta. “Enquanto ela estiver aqui, que ela viva bem, com conforto, e que ela realize sonhos, dentro das condições. Porque esse é o milagre da vida”, afirma a advogada. “Viver”, completa a mãe. “É, viver”, finaliza a filha.
MULTIDISCIPLINAR
A vivência da presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do município, Marília Emiko Touma Matos, de 41 anos, atesta a necessidade de um cuidado médico multidisciplinar. A advogada foi diagnosticada com câncer colorretal em 2019 e, desde então, passa por tratamentos – convencionais ou não.
“O objetivo é mudar o olhar. Quando a gente está diante de um diagnóstico de uma doença crônica que ameaça sua vida, o que você mais quer é viver o tempo que lhe é possível com uma melhor qualidade”, afirma Marília.
A advogada acredita que, em tratamentos mais convencionais, toda a atenção é voltada à doença e não ao paciente.
“Eu tenho câncer, mas eu não sou o câncer. Tenho uma história, uma rotina, família, trabalho. Em um tratamento mais amplo, eu penso em todo esse sistema para buscar alternativas que me proporcionem uma vida melhor”, pontua.
LONGO TRAJETO
Apesar do aumento da busca pela compreensão, o caminho do cuidado paliativo no país ainda é longo.
A primeira norma aprovada pelo Ministério da Saúde do Governo Federal acerca do tema é a Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018.
Em seguida, o Projeto de Lei nº 883, de 2020, foi proposto, porém, permanece em tramitação no Senado Federal.
E foi só no final de 2022 que o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução CNE/CES 3, de 3 de novembro, reconheceu que alunos de graduação em medicina devem receber formação e treinamento em cuidados paliativos.