A dívida que não prescreve
Desde pequeno sou fã de filmes de faroeste. Pena que Hollywood ficou um tempo sem investir nessas produções profundas. Estava em Dubai e desci para tomar o café no restaurante que levava o nome de uma árvore símbolo do Iêmen, a socotra.
É uma árvore diferente das que observamos no Brasil e, para mim, parece saída de um filme psicodélico dos anos de 1960.
Desde pequeno também tenho mania de ler jornal durante o café da manhã. Meus filhos até corriam para buscar na garagem o exemplar do dia para colocar na mesa. Isso acabou desde quando entrou a Hayra em nossas vidas. Nossa pastora alemã negra como a noite sem lua se divertia com as páginas do noticiário bem antes de mim. Pena que não era lendo, mas fazendo uma verdadeira bagunça.
Enfim, com dor no coração, tive que deixar o jornal físico de lado e migrar para o digital. Mas em Dubai não tinha a Hayra para confundir as minhas páginas jornalísticas e assim vou para a socotra e me deparo com um exemplar em inglês de um jornal cultural.
A capa é do emblemático Kevin Costner, que está de volta aos papéis do Velho Oeste, interpretando um personagem na série “Yellowstone”. Ainda não vi a série, mas está na lista de filmes e séries para ver na volta ao Brasil, que se avizinha.
Os anos de 1990 não foram muito frutíferos para os westerns. Mas o Costner fez um épico que abriu aquela década dando a entender que os caubóis voltariam à tona. Ledo engano, com exceções de “Dança com Lobos”, de Costner, e “Os imperdoáveis”, do mestre Clint Eastwood, os anos noventa não registraram outros longas impactantes sobre a conquista do Oeste.
O terceiro filme daqueles anos digno de nota, na minha modesta opinião de apaixonado pelos bang bang – e aí tenho que lembrar dos quatro ases do gênero: Sérgio Leone, Sam Peckinpah, John Ford e Clint Eastwood – é “Os últimos foras da lei”, de 1993, com Mickey Rourke num papel dúbio: é um vilão que ora você torce por ele, ora você quer que ele morra.
É meio aquele bandidão do “The Walking Dead”, o Negan. Rourke domina o enredo o tempo todo. Outras interpretações deste ator que me chamaram atenção foram em “O lutador”, de 2008, e em “Barfly”, de 1987, onde vive o poeta e escritor Charles Bukowski.
Em determinado momento da trama, Rourke se vê liderando um novo exército e caçando os próprios companheiros originais de bando. Quando pegam um dos seus ex-aliados, Rourke – que no filme é o coronel Graff, um renegado herói da Guerra da Secessão – dá uma demonstração de caráter.
O seu novo grupo quer profanar o corpo, levando um dos dedos para entregar ao xerife. Estão prestes a amputar o dedo do morto, ouve-se o engatilhar de um colt 45. Rourke encosta o cano na têmpora do sujeito que está com a faca e declara: “se cortar o dedo dele, eu te mato. Este homem lutou comigo e darei um enterro digno a ele”.
A fala causa indignação aos novos companheiros, mas não em nós, do público, que compreende a atitude como o respeito ao passado comum. Muitas vezes os caminhos da vida bifurcam pessoas, mas o respeito não precisa necessariamente sumir. Isso, a meu ver, é ser grato. E como diz um ditado que aprendi na política: a gratidão é dívida que não prescreve.