O mais incrível – e raro – investimento em praças públicas
Adocicar as horas da vida é da natureza das promessas: investir em praças e parques públicos está na agenda de todos os candidatos a cargos eletivos municipais.
Mas, antecipo: o sucesso do investimento está na frequência e no uso que as pessoas fazem deles.
Vejamos dois casos reais e originariamente semelhantes de nossa cidade: a Praça São Miguel (esquina da avenida Castro Alves com a rua Piracicaba) e a Praça Maria Izabel (avenida Nelson Spielmann com a rua Nove de Julho).
Ambas avizinham e complementam templos religiosos (respectivamente, Paróquia São Miguel Arcanjo e Catedral Basílica Menor de São Bento): ambientes abertos para comemorar e reunir. Construídas na mesma época (entre os anos de 1930 e 1950), ambas eram motivos de muito orgulho e amplamente frequentadas pela vizinhança, além de valorizarem as áreas e os imóveis adjacentes.
Décadas passaram e tais praças transformaram-se em ajuntamentos de sem-teto, de desempregados e de indigentes: em que pese não serem estatisticamente perigosas, ganharam má-fama tornando-se âncoras de desvalorização imobiliária e de instabilidade social.
Após reformas finalizadas no mês de maio último, a Praça Maria Izabel foi reinaugurada: voltou a ser visitada num crescente que ainda se sustenta já passados meses.
Ganhou piso-tátil, fonte luminosa, arquibancada para eventos multiuso, parque infantil, tanque de areia, academia, novo paisagismo com jardins bem cuidados e iluminação de LED, além de equipes de vigilância e ponto de estacionamento para que policiais militares observem e intervenham em eventuais atitudes inadequadas ou ilícitas.
Deram-lhe sapatilhas adequadas para dançar.
Mas, à sua quase-vizinha Praça São Miguel, coturnos de aço: não baila a música dos dias de hoje – continua seu processo de deterioração.
Não só a ela: à maioria delas. Principalmente às suburbanas, dos bairros mais distantes.
Mais do que apontar culpados, os diferentes destinos destas praças ilustram o desempenho inconstante que caracteriza os espaços urbanos e retiram o manto que esconde boa parte dos princípios fundamentais do bom urbanismo atual. Citarei dois bastante concretos.
O senso comum acha que as praças públicas são uma dádiva à população.
Invertamos o “achismo” por fato: as pessoas é que são a máxima dádiva às praças. Quaisquer espaços públicos são carentes de gente e precisam de frequentadores para ganharem vida e se tornarem vibrantes.
Prova disso é o fracasso histórico de alguns parques, praças e áreas livres de boa parte dos conjuntos habitacionais, incapazes de valorizarem a vizinhança e de as estabilizar, garantindo segurança.
Se dúvida, vá e observe alguma destas área mal afamada: rarissimamente encontrará uma que lhe convide, que lhe magnetize a permanecer por ali.
Reforço: espaços públicos precisam de gente as frequentando ao máximo, 24 horas por dia e todos os dias do ano, se possível. Mais que nós deles.
Assim e tal ao ar que nos mantém vivos com sucessivas inspirações e expirações, praças precisam de gente as vivenciando, indo e vindo e atraindo outras gentes.
Daí o segundo fundamento: cuidar do entorno, dos espaços à volta das praças, variando e diversificando seus usos.
Edificações, quarteirões e bairros vizinhos a ambientes abertos públicos precisam de usos variados, de atividades diversas: escolas, clubes de arte ou sociais, restaurante e galerias, escritórios, apartamentos, prédios públicos, comerciais e de serviços de todos os tipos. Tudo junto e misturado.
A variação de horários dos compromissos diários nesses ambientes ressoa numa praça próxima e convida a irmos até ela enquanto, por exemplo, aguardamos uma carona ou um compromisso próximo.
As pessoas, assim, se alternam… conversam… interagem. Interessam-se umas pelas outras e isso é parte do cimento social: alteridade – entender os outros e conhecer seus problemas, suas angústias, seus anseios e suas alegrias.
O ir e vir das pessoas garante fluidez: movimento contínuo – sinônimo de vida.
Portanto, espaços públicos vivos, atraentes e vibrantes possuem diversidade funcional de usos adjacentes e gente.
Muita gente.
Porque gente atrai gente: o mais incrível – e raro – investimento em cidades.
Sucesso. Sempre.
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Marcos Boldrin
Urbanista e arquiteto, é coronel da reserva e ex-gestor público estadual e municipal