‘Não olhe para cima’ na crônica de novo ano
Dos dois filmes mais comentados em dezembro passado, consegui terminar um. O outro, “Ataque dos cães” (The power of the dog), não consegui avançar além das primeiras cenas, embora seja um apaixonado pelo gênero faroeste. De modo que, confesso, não sei explanar sobre do que se trata e nem qual o enredo que está fazendo “Ataque dos cães” ser tão cultuado nas redes sociais que acompanho.
Já “Não olhe para cima” (Don’t look up) me cativou de pronto e este foi o primeiro filme que assisti neste ano de 2022. Também acompanhei o primeiro episódio da quarta temporada de “Cobra Kai”, a convite e insistência do meu filho caçula, o Gustavo, fã de carteirinha dessa série.
“Não olhe para cima”, aliás, assisti mais por sugestão do meu primogênito, o Guilherme, do que propriamente às críticas e comentários que percorri com os olhos nos tuítes da vida. Até mesmo o ex-deputado federal e ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), engenheiro agrônomo Xico Graziano (que esteve secretário estadual do Estado de São Paulo por duas oportunidades – nos governos Mário Covas e José Serra), comentou sobre o longa-metragem que aborda de modo hilário uma tragédia anunciada.
O filme traz elementos que dialogam com o nosso tempo: uma hecatombe se aproxima, muitos duvidam ou não querem acreditar nos dados científicos, enquanto a classe política se digladia.
A sociedade, então, se divide para os que olham para cima – afinal, só quem realmente não quer ver que uma bola de fogo está se aproximando da Terra – e os que olham para baixo, atendendo ao pedido da presidenta dos Estados Unidos interpretada pela Meryl Streep.
No meio deste cambalache, uma cientista surta ao notar que ninguém dá ouvidos para seus cálculos mortais e o outro doutor em astronomia aproveita seus dias de glórias até quando dá. Um elemento estranho, isento e indiferente ao falar, rouba toda a cena e se ofende ao ser chamado de empresário. É uma espécie de guru da nova era – e se o Maluco Beleza vivo fosse reiteraria o que sustentava ao ser chamado de guru pelos fãs: “Não sou guru de ninguém, você deve ser seu guru”.
Não sei se fiz bem em revelar alguns lances de “Não olhe para cima”, mas independente de crítica cinematográfica, existe uma mensagem maior neste enredo, na minha observação: a perda de noção de comunidade, de senso comunitário.
A política existe para que não se propaguem guerras e conflitos, porém, nos últimos anos, assistimos nações inteiras se dividirem de forma diametral, polarizando tudo, inclusive os conceitos científicos básicos. De repente, de uma hora para outra, imunização não faz sentido, cálculos astronômicos – aliás, a astronomia é uma das mais remotas ciências da humanidade – não são tão exatos assim, e por aí vai.
Muito disso é fruto da poluição de informação que nos inunda cada dia mais. Porém, boa parte deste conteúdo vem manchado de incorreções ou são fake news. Enquanto jornalista, observo que a informação precisa chegar límpida às pessoas, feito um copo d’água filtrada. E o filtro, neste caso, foi puro fruto da ciência que identificou que micro-organismos invisíveis podem nos matar se ingerirmos água “in natura” de determinados lugares.
Enfim, se temos hoje acesso à informática e um teto feito de telha, estrutura de concreto, ferro e madeira, devemos tudo à ciência. Que olhemos sempre para o lado que clareie a nossa mente e não nos traga mais confusão, pois na tática de guerra, quem se divide tem menos chances de vitórias e êxitos.
Não à toa, em determinada cena de “Não olhe para cima”, a sala de reuniões com a chefe maior do Estado Americano é emoldurada por uma cena da Guerra da Secessão (1861-1865), conflito armado que dividiu a nação americana entre Confederados (os sulistas) e União (estados do Norte).