Quedas matam mais idosos que o trânsito, agressões e violência
As quedas foram a principal causa externa de morte de idosos em Marília, entre os anos de 2010 e 2019. É o que revelam números registrados pelo Ministério da Saúde. Foram 279 óbitos na cidade, média próxima a 28 vítimas fatais por ano.
Os tombos matam mais que a soma de acidentes de trânsito, suicídios, agressões, intoxicações e outras ocorrências súbitas.
Os dados fazem parte do DataSUS e foram tabulados pelo Marília Notícia. O site também ouviu profissional médico com experiência no atendimento a idosos e familiares que buscam prevenção aos acidentes dentro e fora de casa.
Na década, Marília perdeu 479 idosos por causas externas, ou seja, situações abruptas não relacionadas a doenças e nem diretamente decorrentes de agravos de saúde. Destes, 58% (279) morreram em função de quedas.
GRUPO DE RISCO
Os mais idosos estão bem mais vulneráveis à fatalidade. Do total de vítimas fatais de quedas na cidade, conforme o DataSUS, 32 moradores (11,4%) tinha entre 60 e 69 anos. Outros 70 (25%) estavam na faixa etária entre 70 e 79 anos.
A maioria morreu neste tipo de acidente, ou seja, 177 marilienses (63,4%) tinha 80 anos ou mais. Vale destacar que as ocorrências envolvem queda da própria altura, da cama, cadeiras e outros mobiliários, escadas e também vias públicas.
PREVENÇÃO
Para o médico geriatra Valdeci Rigolin, os números mostram que, de maneira nítida, a realidade e a teoria se encontram. “Minha vivência de muitos anos confirma as estatísticas”, afirma.
Rigolin alerta que a sociedade tem uma questão a responder: “o que mais eu posso fazer para tentar diminuir esse trauma e esse sofrimento? O que as instituições têm feito?”, questiona o especialista.
O médico explica que a morte dos idosos por queda pode ser considerada um problema de saúde pública.
Há ainda outro dilema. “São quedas seguidas de fraturas ou fraturas seguidas de quedas? É preciso pensar em várias causas, que podem ser extrínsecas e intrínsecas”, ensina.
Há questões ambientais importantes, lembra, que podem ser consideradas extrínsecas, como barreiras arquitetônicas, iluminação e vários itens de mobilidade.
“Já se pensarmos no indivíduo (causas intrínsecas), você pode ter o quadro de labirintite, a osteoporose, osteoartrose, redução auditiva, déficit de visão, a cifose, cifoescoliose, sarcopenia (perda de massa muscular). A pessoa pode ter a marcha lentificada, arrastando o pé”, relacionada o médico.
Rigolin observa que a família ou cuidadores precisam intervir na diminuição de riscos. “Você pode prevenir quedas. Nós geriatras, medimos o perigo de cair: alto, baixo, médio. As circunstâncias determinam. Você pode olhar os fatores [intrínsecos e extrínsecos] e dizer: ‘infelizmente, aquele idoso vai cair’”, conta.
Há forte relevância das questões comportamentais, explica o médico. Muitos idosos e também familiares não têm ideia dos riscos.
“É difícil encarar que você envelheceu. Para algumas pessoas é ainda mais difícil lidar, aceitar um aparato de prevenção de queda. É comum dizer: eu tomo cuidado. Mas não é só cuidado. É mais que isso, envolve vários aspectos”, ensina.
Quem está por perto pode ajudar listando todos os possíveis obstáculos à mobilidade ou causas potenciais de acidente. Mesmo com tudo isso, ainda existem os fatores de difícil previsibilidade como queda da pressão arterial e efeitos colaterais de medicamentos que são verdadeiros “causadores de quedas”. Segundo médico, a lista é grande.
“Os principais são os populares tarja-preta, benzodiazepinas, como lorazepan, diazepan. O efeito deles diminui o reflexo, a vigília, a atenção. Tem um efeito longo. Toma-se de noite, para dormir, e continua funcionando no organismo, a pessoa levanta no meio da noite para ir ao banheiro ou ainda acorda sob aquele efeito”, adverte.
TRAUMAS
O geriatra afirma que muitos idosos têm sua vida comprometida no pós-queda. É diferente de um jovem cair, explica. “Podem ocorrer consequências psíquicas, traumas, depressão, medo de cair novamente, a pitofobia, que incapacita o idoso. Ele fica com medo de voltar à sua rotina”, explica.
O efeito dominó também é uma realidade. Idosos que caem podem ter fraturas, precisar de cirurgias, utilizar próteses, voltar a cair, acabar internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no pós-operatório.
“Ali, às vezes, complica, podem ter uma embolia, pneumonia, ficar mais de mês internado. Por isso, todo esforço de prevenção às quedas deve ser feito. Temos que pensar em casas mais seguras, com barras, sem degraus. Lamento morar em um país que tem tanta prioridade, mas onde é supérfluo cuidar de uma calçada, por exemplo”, reflete o médico.
LUZ ACESA
No ambiente doméstico, Rigolin destaca uma intervenção simples e prática. Um estudo de medicina baseada em evidência mostra que uma luz acessa durante a noite, sem a necessidade de toda iluminação noturna, já previne acidentes.
Em casas de material elétrico é possível encontrar diversas opções, incluindo pequenas luminárias para uso em tomadas de energia.
“Dá para deixar acessa a noite toda. Você pode usar iluminação por fotocélula (relé), para não esquecer acesa. Pode embutir mais baixa, na altura da cintura, perto do ambiente de dormir, de forma que não atrapalhe o dono. Em um país como o Brasil, que temos tão pouca cultura de prevenção, se deixarmos a luz do banheiro acessa, já seria um ótimo começo”, conclui o geriatra.
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