Sem votar contas de Camarinha, Câmara mostra fragilidade do Legislativo
Aliados históricos do ex-prefeito Abelardo Camarinha (Podemos) – por circunstância, atualmente minoria na Câmara de Marília – têm jogado “com o regulamento debaixo do braço” para protelar decisão que impacta na vida pública do cacique político.
Direitos políticos ainda estão em jogo, na votação de parecer que rejeitou as contas dos exercícios 2003 e 2004, biênio em que Camarinha encerrava o terceiro mandato e preparava seu sucessor, Mário Bulgareli – prefeito biônico, na primeira gestão.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) apontou que o ex-prefeito violou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), não executou investimento mínimo na Educação, deixou de realizar audiências públicas – violação contra a transparência – e endividou a cidade.
Em 2007 e 2008, com a Câmara presidida por Eduardo Nascimento (PSDB), o parecer do órgão de controle foi submetido ao Legislativo. Os vereadores acolheram, por maioria, a indicação da Corte de Contas, impondo derrota ao ex-prefeito, com a perda dos direitos políticos.
Abelardo buscou a Justiça, sob alegação de que não foi devidamente citado e não teve oportunidade de apresentar defesa. Assim, conseguiu anular os decretos legislativos.
Por mais de dez anos, a Câmara de Marília manteve pendente uma nova apreciação do parecer do TCE-SP, que rejeitou as prestações de contas de 2003 e 2004.
Somente em 2019, por meio de um ofício, o tema voltou à discussão. Com documentos encaminhados ao Legislativo, a Prefeitura de Marília solicitou que fosse feita a apreciação das contas, já que decretos legislativos – resultado do exame e votação – estavam legalmente nulos.
NOVA REJEIÇÃO
O ex-prefeito foi notificado a apresentar defesa – visando evitar nova contestação judicial. O político não se manifestou e, por determinação do prefeito Daniel Alonso (PSDB), a Prefeitura enviou à Câmara uma peça de defesa feita pela Procuradoria do Município.
Apenas em abril desse ano, a Comissão de Finanças, Orçamento e Servidor Público, formada por três vereadores, emitiu novos pareceres relativos às contas de 2003 e 2004. A análise que acompanhou, mais uma vez, o apontamento do TCE pela rejeição.
Assim, os novos decretos legislativos foram pautados para o plenário, onde teve início, pela bancada leal a Camarinha, o uso de outro mecanismo para retardar o desfecho: o pedido de vistas.
PEDIDO DE VISTAS
Desde o dia 20 de outubro, os dois Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) já estão prontos para serem votados. O presidente da Câmara, Marcos Rezende (PSD), pautou os itens na semana subsequente.
O primeiro pedido de vistas foi do vereador Luiz Eduardo Nardi (Podemos), que provocou o adiamento da votação.
Mais cedo na sessão, Nardi pediu que os projetos fossem retirados de pauta, alegando dispositivos do Regimento Interno da Câmara e da Lei Orgânica do Município (LOM).
“Pedi a retirada por prescrição mesmo, porque o prazo para análise era de 30 dias, após o recebimento do parecer do TCE. Depois tomei conhecimento de manifestação da Vara da Fazenda Pública, na qual foi apontada institucionalidade dos artigos da Lei Orgânica e do Regimento”, disse ao Marília Notícia.
O vereador afirmou não visualizar nenhum ato protelatório – para adiar a decisão do Legislativo.
Na sessão desta segunda-feira (8), as votações dos pareceres e decretos legislativos foram adiadas mais uma vez. Pedido de vistas foi feito pelo vereador Danilo Bigeschi (PSB).
Em sua fundamentação, a solicitação tem como motivo o exame mais detalhado do caso. Na prática, é comumente usado para ganhar tempo ou – no caso – conceder tempo a aliados.
A previsão é que os decretos legislativos voltem ao plenário na próxima sessão, na terça-feira (16). Não há, no regimento da Casa, limite para pedidos de vistas.
INSEPULTOS
Como cadáveres insepultos, os pareceres das contas municipais de 2003 e 2004 geram mal-estar no meio político.
Após a derrota de Abelardo – na Justiça e nas urnas – em eleições duras na cidade, há quem classifique a votação como “pá de cal” na vida pública do antigo cacique político, um dos últimos da sua geração a cair no Interior.
Mas há também quem considere relevante terminar o que foi começado. Com a Câmara Municipal governista, as expectativas são de aprovação dos decretos, que implicam em perda de direitos políticos.
Vale lembrar que, por outras razões e processos, o ex-prefeito e ex-deputado está inapto a disputar cargos públicos, caso tivesse hoje uma eleição pela frente.
Camarinha foi procurado pela reportagem. Por meio de sua assessoria afirmou que o assunto trata de “politicagem do prefeito, conta já analisada pelo Tribunal de Justiça e Câmara, prescrita há 20 anos”.
Para o esclarecimento do leitor, o MN lembra que a decisão do TJ-SP anulou votação da Câmara, mas não analisou as contas. Lembra ainda que, no caso, ao menos tecnicamente, não há de se falar em prescrição. Por isso, a questão segue pendente para votação na Câmara.
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