A primeira dupla caipira ‘pop star’ do Brasil
O escritor inglês Ben Jonson (1572-1637), contemporâneo e próximo de William Shakespeare (1564-1616), é tido como um dos poucos que ainda naquela época na Inglaterra identificou universalidade e efeito atemporal da obra do amigo que escreveu peças como “Romeu e Julieta” e “Ricardo III”.
No diálogo de abertura da engraçada música “Romance de uma Caveira”, lançada em 1940 e regravada em 1981 por Rolando Boldrin e Ranchinho, Ranchinho, por sua vez, busca no autor inglês um verso bem sentimental. “Ser ou não ser, eis a questão”. Boldrin insiste em outro verso bem sentimental e o colega de viola declama, agora, em inglês este verso que está no ato III, cana I, da tragédia “Hamlet”, sobre o príncipe da Dinamarca.
Ao identificar o responsável pelo verso sentimental, Ranchinho aportuguesa o nome do dramaturgo e o autor inglês William Shakespeare vira “Chico Espirra”. Ranchinho sempre teve esta espiritualidade em transformar o tenso, em riso. Tudo indica que Alvarenga e Ranchinho foi a primeira dupla caipira “pop star” do Brasil.
Quando gravou com Rolando Boldrin, em 1981 no auge do programa “Som Brasil”, da Globo, o músico estava na estrada sozinho e concluindo uma carreira altamente exitosa. A dupla com Alvarenga havia terminado em 1978, com a morte de Murilo Alvarenga. Ranchinho, que se chamava Diésis dos Anjos Gaia, faleceria em 1991.
A primeira dupla “pop star” começou sua jornada em 1929, mesmo ano em que Marília fora emancipada. Estiveram no primeiro filme falado gravado em São Paulo, “Coisas Nossas” (1931), de Wallace Downey, com Procópio Ferreira.
Os dois caipiras, acreditem, ganharam concurso de carnaval, “Sai feia”, na década de 1930. Ainda na década de 30, a dupla se dirigiu com suas violas para o glamoroso cassino da Urca, no Rio de Janeiro. Naquela época, os cassinos eram permitidos no Brasil e o da Urca não perdia em nada para os elegantes ambientes de jogos de Havana.
Pediram para se apresentar, caso o público não gostasse, ficava por isso mesmo e eles voltavam para o Interior. Mas, caso a plateia aprovasse, um contratinho para futuras apresentações seria levado em consideração.
O show foi antológico e Alvarenga e Ranchinho permaneceram em cartaz por dez anos no cassino da Urca. Eram bons nas críticas aos políticos e certa feita uma equipe do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo levou os dois músicos caipiras até o palácio do Catete.
O próprio presidente Getúlio Vargas queria conversar com a dupla. Motivo: estavam exagerando nas chacotas ao líder dos pampas que tinha fama de bravo. Alvarenga e Ranchinho começaram a tocar as mesmas paródias que interpretavam lá no cassino da Urca. Resultado: Vargas caiu na gargalhada e pediu para tocarem todas as paródias, principalmente as que tinham ele como tema. Final da história: a dupla recebeu do próprio presidente da República do Brasil e mandatário do Estado Novo a autorização para continuarem com as paródias e sátiras.