‘Ser muçulmano é andar no caminho certo e não fazer mal a ninguém’
Libanês, naturalizado brasileiro, o empresário Hassan Rkein, de 27 anos, escolheu Marília para viver. Ele e a esposa, a arquiteta Diala, preservam no Brasil a fé islâmica e fazem questão de ajudar os amigos a entenderem – ou pelo menos desmistificarem – o complexo Oriente Médio e Ásia Central.
Os acontecimentos no Afeganistão colocam em evidência não apenas o país montanhoso asiático, marcado por sucessivas interferências internacionais (britânica, soviética e americana), mas a influência de um novo ‘Estado Teocrático’, em contraponto a um mundo que clama por liberdade.
O jovem radicado em Marília vê uma onda de desinformação sobre o islamismo e, por consequência, com impacto à população falante do árabe – idioma do Líbano.
“As pessoas desconhecem e misturam muita coisa. O Brasil é acolhedor. Fui muito bem recebido e vivo tranquilamente em Marília, que já é minha cidade, mas pelo mundo há muito preconceito”, observa.
Beirute, capital do país onde nasceu, está localizada a mais de 3,8 mil quilômetros de distância de Cabul, epicentro da ocupação do Taleban. O uso do Alcorão pelo novo governo – para justificar controle e restrições de direitos à população – é algo que soa estranho para um libanês.
O país vive uma democracia, graças a um pacto que colocou fim à guerra civil sectária. O presidente é sempre um cristão maronita; o primeiro-ministro um muçulmano sunita e presidente da Assembleia Nacional (Congresso) um muçulmano xiita – que nada tem a ver com radicalismo.
“Ser muçulmano é andar no caminho certo e não fazer mal para ninguém. É ser uma pessoa que cumpre sua palavra, que faz o bem para o próximo. O ensinamento é fazer o certo. Assim como o cristão tem a Cristo, o muçulmano tem o profeta”, ensina o jovem.
Enquanto o Líbano tem o árabe como idioma oficial, no Afeganistão – origem persa – a língua nativa é o pashto, um derivado do iraniano oriental. O Taleban é um grupo sunita, conhecido por subjugar a etnia xiita.
As diferenças culturais – que envolvem as vestimentas – fazem parte das escolhas individuais, segundo Hassan. “Quando morrer e chegar no céu, não será perguntando qual era a sua religião. O que vai ser considerado é a pessoa que você foi, o que você fez, como você viveu”, afirma.
A esposa, conta o jovem, também nasceu no Líbano e está naturalizada brasileira. Diala tem toda liberdade para estudar, dirigir e trabalhar.
“Ela tem o escritório dela. Sai de casa livremente, como qualquer outra cidadã. Passeia, trabalha, tudo normal. A forma como ela se veste, com o véu, faz parte da nossa cultura”, afirma.
POLÍTICA
O jovem, que chegou ao Brasil com US$ 200 (pouco mais de R$ 600 na época), afirma que existem expressões equivocadas, como por exemplo, o “autodenominado Estado Islâmico”.
Segundo ele, os islâmicos não reconhecem nenhum Estado instituído por pregadores da violência. Hassan explica que “fazer o mal” estaria em descordo com o próprio Islã.
Já os conflitos constantes – inclusive com o Estado de Israel – acabaram sendo uma “situação imposta pela necessidade”.
“O termo ‘homem-bomba’, por exemplo, isso não existe da forma como chega aqui pelos meios de comunicação, que são controlados pelos EUA. Já existiu no passado, mas era uma resposta de algumas pessoas desesperadas que estavam reagindo à violência e à ocupação das suas casas. Eles não tinham recursos de guerra, então montavam explosivos caseiros em volta do corpo e explodiam como último ato, no meio dos inimigos”, conta.
Hassan lembra ainda que os grupos paramilitares armados surgiram com o apoio dos EUA. “Deram treinamento, armas, estrutura para eles, financiaram guerras. Depois eles (americanos) acabaram virando inimigos. Foi assim com o Osama [bin Landen]. Chamam de terroristas, mas foram eles mesmo que ajudaram a formar estes grupos. Se envolveram com os americanos, entregaram seu próprio povo”, afirma.
FUTURO
Ter filhos, brasileiros natos, expandir negócios e gerar empregos são alguns dos objetivos de jovem islâmico. Ele conta que a carga tributária no Brasil e o ambiente para o comércio está desfavorável, principalmente para quem trabalha com importados.
Quando chegou ao Brasil, ainda adolescente – ele já tinha um tio na cidade – começou a trabalhar com importação de roupas. Entre 2017 e 2019, Hassan obteve a cidadania brasileira. “Não é tão fácil. Você tem que provar que não faz nada errado”, brinca.
Os estudos na área de elétrica e eletrônica o levaram para novo ramo. “Hoje meu negócio são os projetos e materiais de iluminação. Estamos avançando a cada dia, mas é com muito esforço. O dólar está muito alto”, observa
O objetivo de Hassan é trilhar o mesmo caminho de antepassados, que ajudaram a formatar o comércio de muitas cidades brasileiras, como Marília.
“Tem muitos descendentes na cidade. Muita história de sucesso. Quando você esta fora do lugar onde nasceu, o esforço é dobrado, muito foco. O resultado vai ser muito bom”, acredita.