Computador quântico do Google cria ‘cristal do tempo’
Cristais do tempo soam como objetos de filmes de ficção científica que abrem passagens para universos alternativos. No universo da Marvel, por exemplo, as “joias do infinito” dão controle sobre passado, presente e futuro àqueles que as possuem. Enquanto isso permanece sendo uma fantasia, cientistas têm criado com sucesso cristais do tempo em microescala durante anos – não para acionar espaçonaves intergalácticas, mas para energizar computadores superpoderosos.
“Cristais do tempo são como uma parada de descanso no caminho para a construção de um computador quântico”, afirma Norman Yao, físico molecular da Universidade da Califórnia, Berkeley.
É uma área de interesse do Google, que, junto com físicos das universidades Stanford e Princeton, alegaram recentemente terem desenvolvido uma “solução adaptável” para a criação de cristais do tempo usando o computador quântico da empresa, Sycamore.
Em um artigo publicado no mês passado na plataforma de compartilhamento de pré-publicações de artigos científicos Arxviv.org, uma equipe de mais de 100 cientistas descreve como eles configuraram uma matriz de 20 bits quânticos, ou qubits, para servir como um cristal do tempo. Durante os experimentos, eles aplicaram algoritmos que giravam os qubits para cima e para baixo, gerando uma reação controlável que poderia ser sustentada “por períodos infinitamente longos”, de acordo com o artigo.
Cristais do tempo são um estranho estado científico da matéria feito de átomos dispostos em um padrão repetido no espaço. Essa configuração permite que eles mudem de forma com o tempo, sem perder energia ou superaquecer. Como os cristais do tempo evoluem continuamente e não parecem exigir muita entrada de energia, eles talvez sejam úteis para computadores quânticos, que dependem de qubits extremamente frágeis que são propensos a se deteriorar.
A computação quântica é sobrecarregada por qubits difíceis de se controlar, que são propensos a erros e frequentemente “morrem”. Os cristais do tempo talvez apresentem um método melhor para manter a computação quântica funcionando, de acordo com Yao, que publicou um modelo para fazer cristais do tempo em 2017.
“Os cristais do tempo são uma referência ponderada, mostrando que seu sistema tem o nível necessário de controle”, disse Yao.
Os cientistas envolvidos na pesquisa do Google dizem que não podem discutir suas descobertas enquanto elas estão sob revisão de pares. No entanto, o trabalho aborda uma área onde os físicos há muito esperavam por um avanço.
“A consequência é incrível: você escapa da segunda lei da termodinâmica”, disse Roderich Moessner, coautor do artigo do Google, à revista Quanta Magazine.
História
O conceito de cristal do tempo foi proposto pela primeira vez em 2012 pelo físico que ganhou o prêmio Nobel, Frank Wilczek, que questionou se os átomos poderiam ser dispostos no tempo de maneira semelhante a como são organizados em cristais comuns.
Basicamente, ele se perguntava se um sistema fechado poderia girar, oscilar ou se mover de maneira repetitiva. O que se seguiu foi uma boa dose de avaliação minuciosa da comunidade física geral, anos de experimentos universitários com e sem Wilczek e testes para ver se sua ideia era possível.
A definição foi expandida para incluir objetos que seriam ativados devido a uma influência externa, como uma sacudida, uma mexida ou um ataque de raio laser. “A definição é de certa forma flexível. Mas se você quiser chamá-la de um novo estado da matéria, você quer que seja autônoma e sem agitação “, disse Wilczek.
Os primeiros experimentos bombeavam íons com lasers para que eles pulsassem artificialmente. Foi útil, mas difícil de dimensionar, acrescentou Wilczek.
Em 2017, cientistas da Universidade Harvard e da Universidade de Maryland revelaram que criaram cristais do tempo em microescala em laboratório de temperaturas frias. Ambos foram aprovados na revisão por pares. Mais recentemente, uma equipe da Universidade Técnica de Delft, na Holanda, publicou descobertas em julho sobre sua estratégia para construir um cristal do tempo dentro de um diamante – essas descobertas não foram submetidas à revisão.
Cristais do tempo são um conceito difícil de entender, mas os cientistas dizem que você pode pensar neles como uma máquina de movimento perpétuo, adicionando uma ressalva à segunda lei da termodinâmica, que afirma que qualquer sistema isolado se degenerará em um estado mais desordenado ou de entropia. Sua existência também mina a primeira lei de Newton, detalhando como um objeto deve reagir ao movimento.
Os cristais do tempo são os primeiros objetos criados que destroem espontaneamente a “simetria de translação no tempo” ou a ideia de que um objeto estável, como sólidos, líquidos, gases e plasma, permanecerá o mesmo ao longo do tempo.
O trabalho do Google produziu um cristal do tempo que funcionou por milissegundos, mas a pesquisa parece promissora, disse Wilczek. A suposição é que assim que o hardware estiver mais avançado, os cristais do tempo resultantes vão durar mais, acrescentou.
“Nada dura para sempre, nem mesmo os diamantes: eles são prótons que, em algum momento, vão se decompor”, disse Wilczek. “Se você pode fazer algo que tem comportamento de cristal do tempo que dura milhões de ciclos, ou milhares de ciclos, isso pode suportar tecnologias sensíveis. Você pode fazer muito, mesmo que não seja perfeito”.