Profissionais qualificados e com potencial deixam o Brasil
Jovens, qualificados, com carreiras em atividades promissoras e paciência esgotada para perder tempo com um país burocrático, com elevado atraso socioeducativo e “discussões primitivas”. Esse é o perfil do mariliense que decidiu deixar o país, apesar do aparente sucesso na terra natal.
Entre os talentos que o Brasil perdeu – em Marília –, está o programador Iuri de Paula, de 35 anos, que foi embora em 2019, quando era empresário do setor de tecnologia. Hoje trabalha como web enginner em Berlim, na Alemanha.
Ele já tinha o desejo de viver fora do país, que acabou sendo potencializado depois que virou empreendedor. Os negócios iam bem, mas Iuri decidiu que viveria uma nova experiência. Por isso, iniciou os preparativos e planejamento, que duraram cerca de um ano.
O mariliense vendeu suas cotas na sociedade empresarial, separou tempo para estudos específicos da cultura alemã e tirou inclusive, um período “sabático” antes da viagem. Com a esposa, Gabriela Bagnara, de 32 anos, emigrou do Brasil sem pretensão de voltar.
O casal levou, inclusive, a cadelinha Bonita, xodó de Iuri e Gabriela. Os desafios do idioma foram superados com o auxílio do inglês, língua muito falada nas capitais europeias.
“Não temos nenhuma vontade de voltar. Não é algo que passe pela cabeça. Eu tenho nacionalidade portuguesa e, como cidadão europeu, circulo livremente pela Europa. Possivelmente Berlim seja a nossa cidade de residência por toda a vida”, disse Iuri.
O motivo da segurança, em sua decisão, é o ambiente de trabalho e negócios. “O Brasil é um país que não oferece estrutura para o desenvolvimento das empresas e das pessoas. Pelo contrário, muitas vezes atrapalha. A gente ainda está discutindo coisas estranhas aí. É estarrecedor”, classifica o mariliense.
Ao acompanhar os noticiários, o que ele chama de “coisas estranhas” inclui a gestão pública da pandemia, onde as bases científicas utilizadas para conter a doença na maioria dos países são ignoradas – por governantes e parte da população – que prefere crendices e notícias falsas.
Além disso, para o programador, práticas, admitidas e consideradas “normais” no Brasil, são capazes de matar sonhos. Em relação à governança, ou seja, maneira como se dão as relações entre líderes, instituições e pessoas em geral, o país parece ter parado no tempo.
“A burocracia do Brasil ainda permite coisas como ‘falar com a pessoa certa’, ter ‘um contato’ ou um ‘bom relacionamento’ com quem tem o ‘poder da caneta’. Odeio esse tipo de coisa, é indesculpável. Como vai haver desenvolvimento desse jeito?”, questiona.
A reflexão sobre a maneira de se relacionar do brasileiro – sobretudo com o dinheiro e o poder – ajuda a entender porque o mariliense não pensa em voltar. Há muitos lugares no mundo, segundo ele, onde o valor está centrado no conhecimento, nas competências e potenciais.
O empresário e educador físico Renato Stigliano, de 33 anos, vive atualmente na Espanha. Ele era sócio de uma academia em Marília, quando decidiu vender a participação na empresa, reunir recursos e coragem para mudar de vida, em novembro de 2019.
Os negócios iam bem, mas viver em um lugar onde é preciso “pagar para trabalhar”, onde tanto o dinheiro quanto os esforços são desvalorizados, gerou inquietação.
“É uma questão de poder de compra, mas vai um pouco além disso. A sensação que a gente tem no Brasil é que está sempre pagando, pagando e não tem retorno. Você não vê a melhoria do país com o imenso volume de impostos que são arrecadados. Isso está errado”, alerta.
Renato conta que teve muitas dúvidas antes da decisão de deixar o Brasil. Havia medo e incertezas, mas depois que começou a pesquisar, conversar com outros brasileiros que fizeram esse caminho, percebeu que os riscos eram menores, pela experiência pessoal e profissional acumuladas.
Graduado em Educação Física, Renato hoje vive e trabalha na cidade portuária de Coruña. Mister Marília e candidato no Mister Brasil 2017, realiza trabalhos também nas áreas de moda e fotografia. Lá, conheceu o companheiro, Javier Quintela, com quem é casado.
Neste início de junho, após perder o pai (vítima da Covid-19), ele visitou o Brasil para ficar alguns dias perto da família. Mas o mariliense tem convicção que seu lugar – ao menos por enquanto – é longe daqui.
“Não penso em voltar, talvez em uma fase muito futura da minha vida. A estrutura que você tem lá é muito diferente, para viver e trabalhar, para acessar serviços. É uma experiência que não dá para comparar. Meu desejo é que as coisas melhorem por aqui também, afinal tenho muitos amigos queridos e meus familiares”, conclui o educador físico.