Médico acusado de tentar matar paciente vai a julgamento
A Justiça de Garça (35 quilômetros de Marília) marcou para o dia 8 de setembro, às 9h, o jugamento do médico Luiz Antônio Bruniera, acusado de tentativa de homicídio contra um paciente que estava internado, em 1999, em uma clínica de repouso em Garça. O réu teria feito com que a vítima assinasse um testamento, doando todos os bens que receberia em herança para a instituição de saúde, sendo que após a assinatura, mudou o seu tratamento, colocando sua vida em risco.
De acordo com a denúncia do Ministério Público (MP), a vítima Douglas Edwards Degret era paciente da Clínica Santa Helena, sendo internado pela primeira vez no ano de 1997, para tratar de seu problema contra o alcoolismo, ficando aproximadamente 40 dias internado. Após alta médica, com tratamento custeado pela irmã e familiares, ele retornou para a cidade de São Paulo e voltou a ingerir bebidas alcoólicas, sendo novamente internado, no mesmo ano.
O paciente havia repassado para sua irmã, 50% do que tinha direito na herança de seu pai, Roland Marc Degret. Em setembro de 1997, acertaram com a Clínica Santa Helena, como forma de pagamento do tratamento, que o hospital receberia 2%, da metade que havia sido passada para a irmã da vítima. Posteriormente, em abril de 1998, mudaram o acordo, repassando à clínica 7,5%, recebendo um tratamento normal até junho de 1999.
Degret afirmou para o médico que se os advogados da clínica agilizassem o processo de inventário, recebendo rapidamente o que tinha direito na herança de seu pai, passaria 40% para o hospital, como doação, já que pretendia diminuir a doação de 50% para 10%, feita anteriormente para sua irmã. Bruniera teria aceitado a proposta vantajosa, já que os bens que Degret receberia eram portentosos, como apartamentos, lojas, prédios, terrenos e até mesmo percentual sobre um parque de diversões.
Ocorre que em determinado dia, por volta das 14h, recebeu uma medicação dada por um enfermeiro, a pedido do médico. No dia seguinte, às 9h, o paciente recebeu em seu quarto, o médico Luiz Antônio Bruniera, junto com outras três pessoas, que seriam advogados da Clínica. Muito confuso, o paciente não chegou a ler o documento, acreditando se tratar do acordo dos 40%, quando na verdade estava assinando um testamento, passando todos os bens que receberia em herança para a Clínica Santa Helena.
O MP afirmou que Douglas Edwards Degret não estava apto para assinar o documento, uma vez que os atestados médicos, informando que estava apto a exercer atividades da vida civil, não são do dia em que fez a doação de todos os seus bens. Após assinar o testamento, passou a ter um tratamento diferente na Clínica de Repouso Santa Helena.
Apesar de ser diabético, ele começou a receber doces, refrigerantes, bombons e balas, bem como começou a ingerir frituras e massas quase que diariamente, alimentação totalmente incompatível com seu estado de saúde, que poderia abreviar sua expectativa de vida, levando-o a morte. Como se não bastasse, segundo o Ministério Público, começou a receber menos insulina, sendo que algumas vezes nem as recebia.
Revolta dos funcionários
A forma como o paciente estava sendo “tratado” chocava alguns funcionários da Clínica Santa Helena. Segundo informaram, o paciente não estava sendo medicado a contento. Faltava medicamento na farmácia do hospital. Embora o médico Luiz Antônio Bruniera fosse informado sobre a falta, ele ordenava para anotar no prontuário da vítima que o medicamento estava sendo ministrado, o que não era verdade.
Degret insistia muito para que lhe fizessem exame de glicemia, mas o denunciado, responsável pelo hospital, negava o pedido, Depois de muita insistência, em junho de 1999, o denunciado pediu a uma enfermeira que fizesse a coleta de sangue do paciente para realizar o tão pedido exame de glicemia. A enfermeira coletou o material, mas depois disso foi chamada para uma conversa com o médico, que ordenou que o sangue fosse jogado fora, sendo levado o seu (do médico), com o exame apontando que a glicemia estava controlada.
A própria mãe do paciente foi impedida de visitá-lo, fato que só conseguiu após ingressar com ação judicial. Os fatos só foram descobertos porque uma enfermeira resolveu denunciar os fatos ao Conselho Regional de Enfermagem, sendo que após a eclosão dos fatos, por determinação judicial, foi expedido mandado de busca, apreensão e remoção, retirando Douglas Edwards Degret, que foi transferido para outra instituição de saúde, em abril do ano 2000, falecendo em 2007, vítima de infarto.
Confirmação do Júri
Luiz Antônio Bruniera vai a júri popular pelos crimes de tentativa de homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e mediante dissimulação) e falsidade ideológica. Após recorrer da sentença, uma decisão da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o processo tivesse o seu prosseguimento.
A 6ª Câmara Criminal analisou recurso da defesa de Bruniera contra a sentença de pronúncia. A turma julgadora entendeu que cabe ao Tribunal do Júri decidir se o réu é culpado ou inocente e declarar a incidência ou não das qualificadoras.
A defesa
“Essa é uma história fantástica e fantasiosa digna de autores de novela”, afirmou o advogado Gustavo Henrique Badaró, que representa o médico, durante sustentação oral no Tribunal de Justiça. A defesa recorreu contra a sentença de pronúncia por ausência de fundamentação e prova da materialidade delitiva. “Não há a mínima prova da aplicação do tratamento médico criminoso”, contestou o advogado.
Segundo a defesa, a denúncia seria inepta e não havia razão para o recebimento, muito menos para a pronúncia do seu cliente. “Não há prova da materialidade e meros indícios não são suficientes para mandar o acusado a júri popular”, disse Gustavo Badaró.
O relator do recurso, desembargador Machado de Andrade, não concordou com os argumentos do advogado. De acordo com o magistrado, para a decisão de pronúncia, basta haja prova da existência do delito e indícios de sua autoria. “Havendo, em tese, indícios de que o co-réu Luiz Antônio Bruniera. tenha tentado contra a vida da vítima, a pronúncia era de rigor”, afirmou o desembargador.
O magistrado destacou que a pronúncia não é decisão de mérito, mas de caráter processual, que tornar admissível a acusação. Segundo ele, na dúvida, mando caso para o exame do conselho de sentença.
A turma julgadora acolheu o pedido do Ministério Público para a pronúncia dos acusados pelo crime de falsidade. No entendimento dos desembargadores, o plano para por fim a vida de Douglas teria começado no dia em que a vítima foi levada a erro com a assinatura do testamento, pensando tratar de outro documento.
Foram mandados a júri para responder pelo crime de falsidade ideológica, além do médico, as testemunhas da assinatura do documento (P.G.N., J.M.C., R.G., L.R.L.S. e J.C.K.M.M.). “Os réus agiram de forma voluntária e consciente, fizeram declaração falsa com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, concluiu o relator.