Registros de violência e abuso na infância caem na pandemia
Com a pandemia do coronavírus, o grito de intolerância contra as violências a crianças e adolescentes pode ter ecoado mais baixo. Em Marília, caiu o número de denúncias de agressões físicas, sexuais, psicológicas, negligência, assédio sexual, abandono e autolesões, envolvendo menores.
Neste 18 de maio – quando é celebrado o Dia Nacional de Combate à Violência e Exploração à Criança e ao Adolescente – o alerta se renova. Todos os casos devem ser denunciados, para que as autoridades possam tomar medidas, responsabilizar agressores e proteger as vítimas.
Em Marília, nestes quatro meses e meio de 2021, foram formalizadas apenas dez denúncias. Ao longo de todo o ano passado, já sob efeito da pandemia, foram 74 registros.
O número é bem menor que 2019, quando as autoridades receberam 127 alertas, ou que 2018, com 91 notificações. Foram os dois anos com o maior número de registros no município.
Em 2016, foram 83 casos relatados e, no ano de 2015, total de 42 registros em Marília.
Os números constam no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), não por acaso, um banco de dados do Ministério da Saúde, mantido pela Vigilância Epidemiológica.
Pesquisadores da área social, da Justiça e da Saúde veem, no Brasil, as violências contra crianças e adolescentes com efeito de doença endêmica, com graves impactos à saúde por toda a vida.
A enfermeira Fernanda Bigio Cavalhieri, uma das responsáveis pela área de saúde da criança na pasta municipal, explica que o sistema é alimentado quando as notificações são feitas pelas unidades de saúde, sejam públicas ou particulares, na rede básica ou hospitalar.
“Fizemos capacitações, trabalhos articulados com outros órgãos do município, para fortalecer a notificação. É muito importante que conheçamos a realidade, inclusive para termos um plano de ação intersetorial, porque esse não é um problema exclusivo da saúde, da educação ou da polícia. É de todos”, explica.
Fernanda não acredita em redução das ocorrências. “Continuam acontecendo e provavelmente podem ter aumentado, mas as notificações diminuíram porque as crianças não estão frequentando as escolas, espaços sociais”, alerta.
A enfermeira lembra que a maioria dos casos de abuso e violência ocorre de forma “intrafamiliar” ou por pessoas conhecidas da família. Por isso, é importante a rede de proteção realizar capacitações e divulgar o tema.
A psicóloga Eloísa Porto, que também atua com crianças e adolescentes, acredita que é preciso conscientizar adultos e crianças, usando das mais diversas linguagens.
Atuando no Serviço Social do Transporte e no Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat), a profissional desenvolveu com educadoras um projeto de teatralização, voltado para a internet, por conta da pandemia. O “voo do Ben” nasce de uma experiência clínica e da necessidade de conversar com as crianças.
O conto criado pela psicóloga e seu filho, de oito anos, conta a história de um pequeno pardal que encontra uma borboleta encantadora. A “nova amiga” é, na verdade, uma bruxa que tenta explorar a intimidade do pássaro.
“Os casos precisam chegar ao conhecimento das autoridades, para interromper a violência. Crianças e adolescentes precisam ser instruídos sobre a sua individualidade, a necessidade de que seu corpo seja respeitado. Precisamos, com a linguagem adequada, conversar com as crianças. A proteção começa com diálogo”, alerta.
PREVENÇÃO COM O LÚDICO
Fernanda destaca a importância de trabalhar a prevenção de forma lúdica. Na rede de saúde, são utilizados livros como “Pipo e Fifi” e “O Segredo da Tartanina”.
Os livros, escritos para ensinar com roteiros infantis, podem ser adquiridos pelos pais com poder aquisitivo ou emprestados em bibliotecas públicas, para ensinar às crianças o “toque do sim e do não”. Também ensinam, através dos personagens, a importância de não guardar segredo para um adulto de confiança.