Mulheres da linha de frente relatam experiências de vida e superação
Mulheres com mais liberdade, mais oportunidades para cuidar da própria saúde física e mental, com consciência de sua importância na sociedade. No Dia Internacional da Mulher, algumas heroínas da atualidade têm pouco tempo para celebrar a data, porém, nunca serão esquecidas, principalmente pelas vidas que estão salvando.
A técnica de enfermagem Sandra Mara de Souza, de 47 anos, dedica-se há 15 ao cuidado da saúde de outras pessoas. Em meio a pandemia do coronavírus, mulheres como ela têm feito ainda mais a diferença.
Ela está no universo de 120 mil moradoras de Marília – nascidas aqui ou que escolheram a cidade para viver (51,7% da população), segundo dados da Fundação Sistema de Análise de Dados de São Paulo (Seade).
Na linha de frente no combate à Covid-19, Sandra trabalha em duas diferentes instituições de saúde, em uma delas na terapia intensiva (UTI), onde atende pacientes graves com a doença.
A técnica de enfermagem teve a doença e não desenvolveu sintomas graves. Recuperou-se e continuou na batalha para salvar vidas. Com os filhos já adultos, ela considera-se com o vigor e a capacidade mental adequadas para a luta, embora admita dias de muito esgotamento.
“Foi estranho estar na linha de frente. Muito medo, angústia, aflição… O amor ao próximo foi o que me manteve. Você tem que cuidar como se fosse alguém da sua família, toda pessoa tem que ser importante, preciosa para você. Naquele lugar, a vida parece tão frágil, apesar dos recursos que temos, a vida é muito vulnerável”, constata a profissional de saúde.
Sandra acredita que o Dia da Mulher tem que ser lembrado, comemorado, mas no final das contas é mais um dia de luta para todas elas.
“A mulher pode ser guerreira, batalhadora, mas tem o dom de ser mais afetuosa, de ser a beleza do mundo. Quando decide, torna a vida de qualquer pessoa mais iluminada. O dia de hoje merece ser lembrado para reconhecer o esforço das mulheres que lutaram para que conquistássemos o que temos hoje”, defende.
A técnica de enfermagem começou a praticar atletismo – corrida de rua – como uma maneira de manter a saúde física e mental. Recentemente, pelo desejo de intercalar a corrida com outra atividade, escolheu o ciclismo.
“Há um ano estou praticando essa atitude, confesso que é maravilhosa a sensação, não tem explicação, é fantástico em todos os sentidos”, relata Sandra, que também aderiu aos esportes radicais, após a maturidade, e pratica o rapel em cachoeiras.
Ela acredita que sempre haverá muita cobrança sobre a mulher, mas independente disso, é preciso ter consciência da limitação humana.
“A vida segue de deferentes formas para as pessoas, cada uma com seu desafio e realidade, mas temos que ser corajosas e continuar conquistando o nosso espaço. O meu desejo é que as mulheres descubram a satisfação de praticar um esporte, de ter mais independência e fazer sua vida melhor, com mais autonomia”, alerta.
Mulher coragem
O amor pelo trabalho, sobretudo em uma missão que exige tanta responsabilidade, impõe sacrifícios pessoais. Foi isso que levou a médica cardiologista e intensivista – que atua em UTI Covid-19 – Dolores Cristina Manzano de Albuquerque, 54 anos, a cortar os cabelos.
“Cortei meu cabelo curtinho, por causa da pandemia. Muitos banhos, lavar cabelo o tempo todo. A situação que trabalhamos hoje, não estava favorecendo”, explica.
Dolores é médica há 30 anos e intensivista há 25. Nas UTIs onde trabalhou, viu de perto histórias de perdas e de superação. Mas em toda a carreira, nada foi tão intenso como a pandemia iniciada em 2020 e que persiste após exaustivos meses.
“Essa pandemia nos fez lembrar que a vida é muito curta, e a linha entre a vida e a morte é tênue, para ficarmos nos apegando ao passado, a rancores e mágoas. Aprendi que sempre devemos falar ‘eu te amo’ para as pessoas que amamos, porque não sabemos se vamos vê-la novamente”, compartilhou a médica.
“Aprendi que não perdemos muito tempo ligando para uma pessoa só para saber como ela está. Isso pode não ser tão importante para nós, mas é muito importante para quem recebe esse carinho. Aprendi que viver é agora, porque em cinco minutos, não sabemos se estaremos respirando. Aprendi que não basta eu me preocupar somente com meu bem estar, porque o mundo está vivendo um caos. O mundo não gira em torno de mim”, reforçou.
Dolores tem um filho de 28 anos (Rafael), ‘amigo e companheiro’, define. O tempo de qualidade com ele e outros familiares já era um ‘compromisso de ouro’, para a médica, mas ganhou ainda mais sentido.
Ela conta que as cautelas para evitar que outras pessoas próximas tenham que enfrentar a batalha contra o vírus é grande. Quando teve a doença, ela e Rafael ficaram totalmente isolados. Dolores investiu tempo em artesanato e atividades manuais. O tempo passou rápido e a batalha na linha de frente recomeçou.
“Minha mãe é acamada e minhas irmãs cuidam dela. Fiquei afastada por mais de nove meses. Isso foi muito penoso, não poder estar junto de quem amamos. Fiz a opção de não estar junto, para preservá-los, em atitude de respeito”, relata Dolores.
A médica conta que o trabalho nas UTIs aumentou muito. “Não sei se pelo medo, ou desinformação, ou até mesmo o cansaço, poucos profissionais querem se expor ao tratamento de pacientes com Covid. Está muito cansativo. Essa é a nossa realidade, por isso nosso apelo para as pessoas evitarem a proliferação do vírus. É muito sério”, apelou.
A médica não gosta da expressão empoderamento feminino e prefere a palavra reconhecimento, ao refletir sobre o Dia da Mulher.
“Todos os dias deveriam ser o dia das mulheres, dia das mães, dia dos pais, enfim, todos devem ter seus valores todos os dias, em todo momento. Ser reconhecida porque você é um ser humano, capaz, inteligente e que luta para alcançar suas metas, independente de ser homem ou mulher”, define.
Na consciência de seu papel, como profissional de saúde em uma sociedade assustada com a doença, a médica aproveita o momento para exercer a gratidão.
“Tenho orgulho em ser mulher. Tenho orgulho por ser mãe. Tenho orgulho pela minha trajetória. Tenho orgulho por vir da família que vim, dos meus pais e irmãos. Tenho orgulho por cada passo que dei, pelos erros tentando acertar, por cada dificuldade que passei, por onde cheguei”, afirma.
“Deus me presenteou com pequenos detalhes, que fizeram toda a diferença na minha trajetória. Ser mulher, poder gerar uma vida, ser forte quando precisa, sem perder a delicadeza de um olhar”, resumiu a doutora Dolores, que tem lançado esse olhar para pessoas que se apegam em fios de esperança, na luta contra a Covid-19.