Será que você deve fazer uma desintoxicação digital?
Quando é hora de dar um basta? Mesmo com as eleições (a dos EUA e a do Brasil) já quase no retrovisor, ainda passamos o dia inteiro com a cara no celular vendo notícias sombrias sobre o aumento de casos do coronavírus. Quase todos nós temos rotinas diárias parecidas no último ano: estamos presos em casa, vendo filmes na Netflix, assistindo vídeos para deixar a casa bonita no YouTube e jogando videogame. Parece que não há nada que se possa fazer sem olhar para uma tela. Mas a vida precisa ser mais do que isso. Com o fim do ano chegando, agora é um bom momento para dar um tempo e pensar numa desintoxicação digital.
Não, isso não significa abandonar a internet. Ninguém exigiria isso de nós agora. Pense nessa desintoxicação como uma dieta. Uma substituição de hábitos ruins por outros mais saudáveis, para dar aos nossos olhos cansados o tempo de descanso tão necessário. “Há muitas coisas boas para fazer online, mas a moderação muitas vezes é a melhor regra para a vida – e não é diferente quando se trata de telas”, disse Jean Twenge, professor de psicologia da Universidade Estadual de San Diego e autor de iGen, um livro sobre as gerações mais jovens que estão crescendo na era do smartphone.
Muito tempo de tela pode prejudicar nossa saúde mental, privando-nos do sono e de tarefas mais produtivas, dizem os especialistas. Eu estou passando por isso. Antes da pandemia, meu tempo médio de tela no celular era de 3 horas e meia por dia. Nos últimos oito meses, esse tempo quase dobrou. Então procurei especialistas em psicologia para ouvir alguns conselhos. Desde definir limites até encontrar alternativas às horas que passamos grudados em nossos telefones, aqui está o que podemos fazer.
Trace um plano
Nem todo tempo de tela é ruim – afinal, muitos alunos estão frequentando a escola por meio de aplicativos de videoconferência. Então, o primeiro passo é avaliar quais partes do tempo de tela parecem tóxicas e deixam você infeliz. Talvez você se sinta assim lendo as notícias ou navegando pelo Twitter e Facebook. O segundo passo é criar um plano realista para minimizar o consumo das coisas ruins.
Você pode definir metas modestas, como um limite de 20 minutos por dia para ler notícias nos fins de semana. Se achar que é possível, reduza o limite de tempo e o defina como uma meta diária. A repetição o ajudará a formar novos hábitos.
É mais fácil falar do que fazer, claro. Adam Gazzaley, neurocientista e coautor do livro The Distracted Mind: Ancient Brains in a High-Tech World [“A mente distraída: cérebros antigos em um mundo de alta tecnologia”, em tradução livre] recomendou a criação de eventos de calendário para quase tudo, até mesmo navegar na web e fazer pausas. Isso ajuda a criar estrutura.
Por exemplo: às 8h da manhã, você pode separar 10 minutos para ler notícias e, às 13h, 20 minutos para andar na bicicleta ergométrica. Se você se sentir tentado a pegar o telefone durante a pausa para os exercícios, saiba que qualquer tempo de tela violará o tempo que você dedica aos exercícios. Mais importante: trate o tempo de tela como se fosse um doce que você se dá de presente de vez em quando. Não pense nele como uma pausa, pois isso pode fazer o oposto de relaxar você.
“Nem todos os intervalos são iguais”, disse Gazzaley. “Se você fizer uma pausa e entrar nas redes sociais ou num programa de notícias, pode ficar difícil sair desse buraco”.
Crie zonas livres de celular
Precisamos recarregar nossos telefones durante a noite, mas isso não significa que os dispositivos precisam estar próximos a nós enquanto dormimos. Muitos estudos demonstraram que as pessoas que mantêm os telefones no quarto dormem pior, de acordo com Twenge.
Os smartphones são prejudiciais ao nosso sono de várias maneiras. A luz azul das telas pode levar nossos cérebros a pensar que é dia, e alguns conteúdos que consumimos – especialmente notícias – podem ser psicologicamente estimulantes a nos manter acordados. Portanto, é melhor não olhar para os telefones uma hora antes de dormir. Além do mais, a proximidade do telefone pode nos tentar a acordar e dar uma olhadinha no meio da noite.
“Meu conselho número 1 é não ter celular dentro do quarto durante a noite – isso vale para adultos e adolescentes”, disse Twenge. “Deixe o telefone carregando fora do quarto”.
Fora de nossos quartos, podemos criar outras zonas livres de celular. A mesa de jantar, por exemplo, é uma excelente oportunidade para as famílias concordarem em deixar o telefone de lado por pelo menos 30 minutos e se reconectarem.
Resista às iscas
Os produtos de tecnologia projetaram muitos mecanismos para nos manter colados às telas. O Facebook e o Twitter, por exemplo, fizeram seus aplicativos de maneira que você possa rolar indefinidamente pelas atualizações, maximizando a quantidade de tempo que passa em seus sites.
Adam Alter, professor de marketing da Stern School of Business da Universidade de Nova York e autor do livro Irresistible: The Rise of Addictive Technology and the Business of Keeping Us Hooked [algo como “Irresistível: a ascensão da tecnologia viciante e o negócio de nos manter conectados”, em tradução livre], disse que as empresas de tecnologia empregam técnicas de psicologia comportamental que nos deixam viciados nos produtos delas.
Ele destacou dois ganchos principais:
Metas artificiais: Semelhante aos videogames, os sites de redes sociais criam metas para manter os usuários engajados. Entre elas, o número de curtidas e seguidores que acumulamos no Facebook ou Twitter. O problema? As metas nunca são cumpridas.
Reprodução sem fricção: o YouTube reproduz automaticamente o próximo vídeo recomendado, isso para não falar da rolagem infinita do Facebook e do Twitter. “Antes, havia um fim natural para cada experiência”, como a leitura da última página de um livro, disse ele. “Uma das maiores coisas que as empresas de tecnologia fizeram foi remover os sinais de interrupção”.
O que fazer? Para começar, podemos resistir aos ganchos deixando nossos telefones menos intrusivos. Desative as notificações de todos os aplicativos, exceto aquelas essenciais para o trabalho e para manter contato com as pessoas importantes para você. Se você ainda se sentir muito viciado, tome medidas extremas e coloque o telefone no modo de escalas de cinza, disse Alter.
Também há um exercício mais simples. Podemos nos lembrar de que, fora do trabalho, muito do que fazemos online não importa e é um tempo que pode ser melhor gasto com outras coisas. “Qual é a diferença entre ter 10 curtidas ou 20 curtidas? Não tem a menor importância”, disse Alter.