Juiz afirma que Camarinha está nas urnas, mas não pode votar
O juiz da 70ª Zona Eleitoral (ZE) de Marília, Luís César Bertoncini, afirmou, em decisão assinada no final da tarde desta segunda-feira (9), que Abelardo Camarinha (Podemos) está com seus direitos políticos suspensos e não pode sequer votar.
Mesmo assim, o magistrado reconhece que o candidato à Prefeitura de Marília constará nas urnas no próximo dia 15 de novembro e pode continuar realizando sua campanha política.
“A princípio tal conclusão pode causar perplexidade. Como pode o cidadão que está com seus direitos políticos suspensos participar como candidato se nem mesmo pode votar?”, escreveu o juiz.
A situação política de Camarinha é complexa e está cada vez mais complicada, mas pode ser compreendida com um pouco de atenção dedicada a fatos recentes.
Caso seja mantido o indeferimento de sua candidatura, os votos podem ser anulados e uma nova eleição deve ser realizada.
Para piorar a vida do candidato do Podemos, começam se acumular condenações que retiram seus direitos políticos.
Entenda
Bertoncini indeferiu, ou seja, recusou o registro de candidatura de Camarinha à Prefeitura de Marília, mas os advogados do candidato apresentaram recurso contra essa decisão.
Enquanto as instâncias superiores da Justiça não confirmarem o indeferimento da candidatura, o político continua sendo autorizado a constar na urna, como ‘indeferido com recurso’.
O indeferimento aconteceu, segundo consta na sentença, com base na tomada de contas especial com trânsito em julgado no Tribunal de Contas da União (TCU), caso em que ficou provado que o político, quando deputado federal, desviou R$ 333,5 mil dos cofres públicos para uma rádio de sua propriedade.
STF
Mesmo com o indeferimento da candidatura, a coligação de Daniel Alonso (PSDB) tem apresentado recursos ainda em primeira instância na Justiça Eleitoral com o objetivo de complicar ainda mais a situação de Camarinha.
Isso porque no dia 29 de outubro, após os advogados de Daniel terem feito as alegações finais no pedido de impugnação do candidato do Podemos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu contra Camarinha em outro escândalo.
Um processo por contratação de pessoal sem licitação para combate à dengue, quando Camarinha era prefeito, chegou ao fim na Corte Suprema, sem possibilidade de mais recursos. Isso aconteceu um dia antes de Bertoncini assinar a sentença eleitoral e não era de conhecimento do juiz.
Os advogados de Daniel sustentam que esse processo transitou em julgado, com suspensão de direitos políticos por cinco anos. Por isso Camarinha não teria mais “condições de elegibilidade” e não poderia sequer votar, quanto mais praticar atos de campanha.
O juiz insiste que, no processo de registro de candidatura, não pode analisar novos fatos posteriores à sua sentença, a não ser que eles tenham o poder de beneficiar o candidato – nunca para prejudicá-lo.
Nesse sentido, em decisão assinada na sexta-feira (6) da semana passada, Bertoncini alertou que, caso o indeferimento por força da decisão do TCU seja revertido nas instâncias superiores, a alegação de suspensão de seus direitos políticos após o trânsito em julgado no STF ainda pode ser apresentada em momento oportuno. Isto é, a suspensão dos direitos políticos poderia ser apontada, por exemplo, para evitar que o candidato assuma caso ele seja o mais votado.
Não pode votar
Mesmo com o apontamento de que a decisão do STF sobre a perda de direitos políticos pode ser usada contra uma eventual diplomação de Camarinha, os advogados de Daniel insistiram no assunto e apresentaram um novo recurso ainda em primeira instância chamado “tutela cautelar antecedente”.
Ali a coligação do tucano alegou que “o candidato a prefeito José Abelardo Guimarães Camarinha teve seus direitos políticos suspensos, por decisão transitada em julgado perante o Supremo Tribunal Federal, e, assim, não pode votar e ser votado, estando impossibilitado de concorrer nestas eleições municipais”.
Por isso, os advogados de Daniel pediram que o juiz determinasse a interrupção dos atos de campanha de Camarinha, com proibição de participar de atos políticos, além da retirada do nome da urna.
Bertoncini respondeu que foi informado sobre o trânsito em julgado no caso dos contratados sem concurso público somente no último dia 6 de novembro, mas apontou que “esta nova realidade fático/jurídica (suspensão dos direitos políticos por cinco anos), embora tenha aplicação imediata (com reflexos nos direitos de votar e de ser votado), neste caso específico não impede que o requerido faça sua campanha eleitoral e tenha seu nome na urna”.
Isso porque, segundo o juiz, se tal argumento tivesse sido utilizado na impugnação da campanha, antes da sentença, ele também resultaria no indeferimento da candidatura. Neste caso, Camarinha também teria recorrido.
É justamente o recurso contra o indeferimento – ou seja, a candidatura ‘sub judice’ – que autoriza o candidato a participar da campanha e ter seu nome na urna.
“Não se está aqui a afastar os efeitos da suspensão dos direitos políticos em relação aos votos que o candidato receba, e eventualmente sobre o resultado das eleições (o que será objeto de deliberação no momento oportuno), mas tão só esclarecendo que esta suspensão (não obstante sua gravidade) não impede os atos de campanha e de permanecer na urna eletrônica”, afirmou Bertoncini.
De acordo com o juiz, “se impedir desde já o direito do candidato participar das eleições (fazendo campanha e estando na urna eletrônica) e acaso venha a ser modificada pelas instâncias superiores uma decisão neste sentido (por apreciação errônea do documento que informa a suspensão dos direitos políticos, ou por já ter transcorrido o prazo de suspensão, por exemplo), restariam nulas as eleições, exatamente por ter impedido de participar do pleito pessoa que poderia participar (segundo decisão das instâncias superiores)”.
Por outro lado, segundo o magistrado, “o fato de impedir desde já o direito de alguém votar (por estar com seus direitos políticos suspensos) não tem o condão de anular as eleições, ainda que depois se perceba que este impedimento não existia, pois se refere a um único voto, sem poder para modificar o resultado das eleições, interferindo unicamente na esfera jurídica do próprio eleitor impedido, sem maiores repercussões no pleito”.
A avalição por parte de correligionários e do próprio Camarinha é que Bertoncini teria sido ‘correto’ em sua última decisão.
Já apoiadores dos outros candidatos não gostaram da sentença. A avaliação é de que Bertoncini teria dado ‘prazo e publicidade’ para o candidato do Podemos.
“A verdade é que o juiz ‘pipocou’ pro Abelardo, como sempre o judiciário de maneira geral acovardado faz”, disse um apoiador da campanha de Juliano. “O juiz está com medo, não quer ser o nome responsável por barrar o Abelardo na urna, deixou a bomba para as instâncias superiores”, disse uma pessoa ligada à campanha de Daniel Alonso (PSDB).
Especialistas em direito eleitoral ouvidos pela reportagem avaliaram a decisão de Bertoncini como ‘cautelosa’ e ‘conservadora’.
Leia a decisão na íntegra, [clique aqui].