Trans de 56 anos tem sentença favorável à mudança de sexo pelo SUS
A Justiça Estadual determinou que o município de Marília e o Estado de São Paulo ofereçam, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), terapia hormonal e possibilidade de transgenitalização (mudança de sexo) para uma servidora pública de 56 anos, moradora em Ocauçu (41 quilômetros de Marília).
A transexual entrou na Justiça por não se identificar com o sexo masculino. Damy Gonçalves nasceu Damião, em Álvaro de Carvalho (42 quilômetros de Marília). A auxiliar de serviços gerais contou ao Marília Notícia que ingressou com a ação por causa da demora para obter atendimento médico especializado.
“Demorei a saber que tinha esse direito. Entrei na Justiça porque fila no SUS é muito longa. Já estou com uma certa idade”, afirmou ao site.
Damy tem namorado e relata que o constrangimento ainda existe. “Moro em uma cidade pequena, as pessoas me conhecem e a maioria me respeita, mas mesmo assim (o tratamento) vai fazer muita diferença na minha vida. Se eu fosse pagar, ficaria mais de R$ 30 mil. Sou assalariada!”, conta a servidora, que trabalha no serviço social de Ocauçu.
O processo
Em dezembro de 2018 a Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Marília, a pedido da trans, ingressou com uma ação cível para garantir a terapia e também a cirurgia.
A possibilidade de mudança de sexo pelo SUS, mediante etapas de terapia hormonal, com acompanhamento multidisciplinar, e posterior cirurgia, é amparada em portaria do Ministério da Saúde desde 2013. Porém, o acesso da auxiliar de serviços gerais ao tratamento foi negado.
“Por não se identificar com o gênero de seu corpo físico, a autora encontra certa dificuldade em inserir-se na sociedade, o que lhe ocasiona um grande mal estar psicológico”, escreveu o defensor público Ricardo Jorge Kruta Barros.
Na ação civil, a Defensoria também incluiu no pedido que fosse assegurado o acesso à cirurgia e pediu liminar. O pedido para início imediato do tratamento foi negado pelo juiz, que mandou o processo seguir e abriu prazo para manifestação do Estado e município.
O processo tramitou na Vara da Fazenda Pública e foi determinada perícia médica para atestar se a transexual tinha ou não indicações para os procedimentos.
A conclusão é que ela poderá ser submetida a terapia hormonal por pelo menos dois anos, com acompanhamento multidisciplinar. Ao final do período, o caso é reavaliado, em relação a cirurgia de transgenitalização.
Após laudo, análise de legislações e protocolos de saúde, o juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública, determinou a obrigação de fazer ao Estado e ao município de Marília (referência regional).
“Julgo procedente o pedido, para o fim de condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo e o Município de Marília em obrigação de fazer, para que disponibilizem à parte autora, acompanhamento ambulatorial e hormonioterapia em serviço de referência, por período mínimo de dois anos”, escreveu o juiz.
A sentença prossegue. “Durante os quais (dois anos) deverá haver acompanhamento pela equipe multiprofissional que acompanha o usuário (a) no Serviço de Atenção Especializada no Processo Transexualizador (…)
“Ao término do período mínimo de acompanhamento, em caso de parecer favorável da equipe multiprofissional, considerando-se a irreversibilidade da medida, deverão os entes públicos viabilizar à parte autora a cirurgia de transgenitalização postulada na inicial, com todos os medicamentos e exames pré e pós cirúrgicos que se fizerem pertinentes, conforme indicação médica”, finaliza a sentença.
A Fazenda Pública do Estado de São Paulo e do município de Marília ainda podem recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Na ação a alegação para a não garantia da assistência foi restrição de ordem financeira. O argumento, em casos de saúde, não costuma ser aceito em decisões do Poder Judiciário.