Dispositivos para streaming ganham impulso na quarentena
Com opções de entretenimento limitadas por conta da quarentena, muitos brasileiros correram para serviços de streaming para se distrair. Além das plataformas de vídeo, um outro mercado floresceu nesse período: o do dos dispositivos de streaming. Pequenos, muitas vezes cabendo na palma da mão, esses aparelhos são capazes de transformar uma TV comum, com entrada HDMI, em uma tela conectada para ver conteúdos de serviços como Netflix, YouTube e Spotify. De janeiro a setembro, a categoria cresceu 66% em volume de vendas no Brasil, segundo dados da consultoria GfK levantados com exclusividade para o Estadão.
Chamados ainda de “media sticks” ou “set-top-boxes”, esses aparelhos já estão presentes no Brasil há pelo menos meia década, com Apple TV, da Apple, e Chromecast, do Google. Com eles, é possível controlar a TV pelo celular ou por um controle remoto: para usar, basta inserir o aparelho na televisão e realizar algumas configurações de rede e sincronização — na maior parte das vezes, é um processo simples, que dura em torno de 10 minutos e não exige nenhum conhecimento tecnológico sofisticado.
Enquanto os pioneiros já tiveram diferentes versões nos últimos anos, outras marcas chegaram para disputar espaço. Só nos últimos meses, o mercado começou a ter opções como o Mi TV Stick, da chinesa Xiaomi, o Fire TV Stick Lite, da Amazon, e o Roku Express, da americana Roku. Pouco conhecida dos brasileiros, esta última aterrissou no Brasil no início do ano, incluindo sua plataforma em TVs. Em setembro, lançou por aqui o Roku Express, tentando expandir seu público global de 43 milhões de contas ativas.
“Existe hoje uma demanda de consumidores por esse produto e um movimento grande de provedores de conteúdos internacionais chegando no País”, afirma Luis Bianchi, diretor de marketing da Roku na América Latina, fazendo referência à disputa crescente no mercado de streaming, com a chegada premente de serviços como Disney+ e HBO Max por aqui. “Queremos ajudar a categoria a crescer no Brasil”.
É um setor que tem potencial: segundo o Estadão apurou com fontes do mercado, das 120 milhões de televisões em funcionamento hoje no Brasil, há um grupo de 50 milhões de TVs que ainda podem “ganhar inteligência” com esses dispositivos.
Para Fernando Balaiuna, diretor da GfK, a onda de procura pelos aparelhos pode ser prolongada mesmo com o fim da quarentena. “Para um consumidor sem condições de financiar uma televisão nova, esses aparelhos são um caminho para manter a TV atualizada”, diz. Para ele, a crise econômica que deve permanecer em 2021 pode incentivar a compra dos aparelhos, cujo preço começa em torno de R$ 350 no País.
Com experiência no mercado há seis anos, o Google afirma que registra crescimento na categoria ano contra ano. Segundo uma pesquisa da empresa realizada em agosto com 500 entrevistados no Brasil, cerca de 40% das pessoas afirmaram conhecer o Chromecast, enquanto 1 em cada 5 demonstrou interesse em adquirir o dispositivo nos próximos seis meses. “Vamos continuar investindo nesse aparelho no País. Queremos formar parcerias cada vez mais fortes com varejistas, para tornar o produto ainda mais conhecido para os brasileiros”, diz Vinicius Dib, diretor de parcerias de dispositivos Google Nest na América Latina.
Competição inclui casa conectada e assistentes de voz
Para especialistas, a concorrência franca de dispositivos que existe hoje não deve se manter no mercado por muito tempo. “Os aparelhos são muito parecidos, é uma oferta que não faz sentido. É algo que deve ser filtrado pelo mercado, assim como aconteceu com os celulares no Brasil, que são hoje predominantemente Samsung e Motorola”, afirma Eduardo Pellanda, professor da PUC-RS.
Para se diferenciar, as marcas apostam na força de seus ecossistemas de dispositivos para a casa conectada. “Se eu já tenho lâmpadas da Xiaomi, por exemplo, é natural que eu compre o Mi TV Stick e tudo funcione de maneira fluida”, diz Luciano Barbosa, diretor da Xiaomi no Brasil. A fabricante chinesa lançou sua segunda versão do dispositivo de streaming no País em julho deste ano motivada pela alta demanda gerada pela quarentena.
Há também quem aposte em assistentes de voz – a Apple tem a Siri, enquanto a Amazon tem a Alexa. “A experiência de streaming deve ter menos navegação e mais ação. Com um comando de voz simples, o usuário consegue acessar rapidamente o conteúdo”, afirma Ricardo Garrido, diretor de Alexa no Brasil. Já o Google tem ainda o Assistant, que aqui no Brasil está presente no Mi TV Stick, da Xiaomi. E no Chromecast? O recurso só apareceu na versão mais recente do aparelho, anunciada em outubro nos EUA e ainda sem previsão de chegar ao Brasil.
Dispositivos não terão vida curta, dizem especialistas
Se a tendência é de que as televisões sejam cada vez mais vendidas com sistemas inteligentes acoplados, qual seria então o futuro dos dispositivos de streaming? Na visão de especialistas, há ainda um caminho a ser percorrido. “Falando de Brasil, temos um tempo pela frente até que todas as televisões sejam Smart TVs”, diz Baialuna, da GfK.
Porém, há quem diga que existe espaço para os set-top-boxes inclusive no longo prazo. “Ninguém troca de TV como de celular. Depois de alguns anos, o sistema operacional da TV tende a ficar mais limitado, e os dispositivos de streaming, com atualizações frequentes, podem ser uma opção fácil”, afirma Pellanda, da PUC-RS.
É nisso que as empresas que vendem dispositivos de streaming acreditam. “Nem sempre quem compra uma TV nova está satisfeito com a experiência daquela interface, mas por outro lado, os consumidores gostam da Alexa, que está atualizada na Fire TV”, disse Sandeep Gupta, vice-presidente da área de Fire TV da Amazon, em entrevista recente ao ‘Estadão’.
Se essa realidade vai se concretizar, porém, dependerá do quanto os sistemas operacionais próprios das televisões vão evoluir nos próximos anos. Além disso, os set-top-boxes precisarão mostrar que podem oferecer experiências superiores. “Todo mundo está tentando achar a forma certa de se relacionar com a tela grande”, diz o professor da PUC-RS.