Denúncia revela Danilo como lobista na Saúde e atinge Nardi
Os vereadores Danilo Bigeschi (PSB) e Luiz Eduardo Nardi (Podemos) são alvos de um pedido de Comissão Processante (CP) protocolado na Câmara de Marília, nesta quarta-feira (21).
O plenário pode votar, já na segunda-feira (26), se abre ou não o procedimento que pode resultar na cassação dos mandatos. Documentos obtidos pelo Marília Notícia antecipam o que poderá ser analisado pelos vereadores, caso a comissão seja instaurada.
O relatório da Polícia Federal (PF) – no âmbito da Operação Reboot, que apurou o escândalo dos tablets – revela a atuação de Danilo como lobista em favor do próprio cunhado, Fauzi Fakhouri Júnior.
Danilo agiu vazando informações da Secretaria da Saúde e tentando articular a contratação de serviços desde o primeiro mês do governo Vinicius Camarinha (PSB).
Danilo é servidor de carreira da pasta e chegou a atuar como secretário de Saúde na gestão passada, entre outros cargos comissionados.
Os documentos mostram também que dois anos antes de fraudar licitação dos tablets, o esquema de Fauzi lesou a Câmara Municipal, com Nardi à frente da presidência.
Na prática, a denúncia leva a crise provocada pelo “escândalo dos tablets” ainda mais para dentro da Câmara. As novas evidências apontam tráfico de influência, favorecimento e omissão no governo Vinicius Camarinha.
Lobista na saúde
O relatório da investigação da Polícia Federal a que o MN teve acesso foi assinado em setembro do ano passado. Na época, o delegado Paulo Eduardo Aguilar da Silva encaminhou à Justiça um complemento ao inquérito, com novas acusações contra Bigeschi.
Após perícias, análise de material apreendido em computadores e quebra de sigilo de telemática – que incluiu acesso a e-mails dos investigados – a PF identificou uma série de mensagens trocadas entre membros da organização criminosa.
A apuração apontou crimes em Marília e outras cidades, como Osasco e São Vicente, onde a empresa de Fakhouri atuava em conluio com as mesmas empresas de fachada que lesaram os cofres públicos de Marília.
Troca de mensagens
A quebra do sigilo identificou conversas por e-mail entre Danilo – então nomeado a coordenador de Serviços Administrativos da Secretaria Municipal da Saúde – e seu cunhado, em janeiro de 2013, logo após Vinicius ser eleito prefeito de Marília.
Conforme os e-mails, no dia 31 de janeiro, Fauzi Fakhouri já reclama da falta de acesso a informações e pede ajuda do cunhado.
“Danilo, é o seguinte… Ninguém na Prefeitura está nos dando o mínimo de ambiente de trabalho. Veja e-mail abaixo.. Nem consigo dizer que não querem, mas com certeza não conseguem…”
E continua: “a bola está me sua mão. Precisamos de interação com o chefe de gabinete e algo de cima para baixo. Não dá para ficar assim… A bola está com você”.
Na mesma mensagem, o empresário relata ter feito pesquisas e cita empresas que faturaram altas somas em contratos públicos nos anos anteriores, com os mesmos tipos de serviços que pretendia oferecer.
Danilo responde ao cunhado, se comprometendo a intervir. “Ok, vejo como resolvo aqui. Se tiver mais informações sobre esses caras mande pra mim. Principalmente sobre estes contratos de equipamentos e pagamentos realizados, mesmo que seja para outras empresas. Vou pensar estratégia aqui, quando chegam as contas de janeiro?”.
Poucos dias depois, Fauzi cobra o cunhado: “Danilo, Conseguiu falar com alguém sobre contratos de: 1. Manutenção 2. Locação Central Paço. Sem mais”, (e assina).
A polícia identificou que nessa fase, o empresário e Danilo ainda mapeavam as possibilidades de contratos de terceirização. O cunhado cita serviços que poderia oferecer e chega a fazer um plano de ação para o esquema. Uma série de itens mais complexos de Tecnologia da Informação, ele chama de “cereja do processo”.
Em outra mensagem, o então assessor da Saúde fornece ao cunhado a lista de medicamentos padronizados que a Prefeitura tem obrigação de adquirir, inclusive com os preços praticados na Farmácia Popular.
Com apenas dois meses de governo, o empresário já demostra impaciência e quer ser recebido pelo “chefe”, que a Polícia Federal descobriu se tratar do próprio prefeito.
“Danilo. Não ligou. Nesta semana verei o que faço. Eu nunca desisto, mas realmente para mim esta pior do que o Toffoli, espero mesmo que as coisas mudem. Pois mesmo com compromissos firmados e com minha vontade de contribuir, vejo que a índole Camarinha se mantém…. Boa sorte para mim…”
Na mesma mensagem, Fauzi ainda tenta prospectar na Saúde. “Sobre os projetos federais, qual o domínio do processo, junto à Prefeitura, que você tem? Que garantias temos em lutar por estes, em âmbito federal? Ok sobre a agenda do chefe. Depois do dia 7, retome o trabalho, por favor. Sem mais”, (e assina).
As conversas seguem com o cunhado fornecendo informações da secretaria, sobre projetos, inclusive envio de documentos internos, aos quais pede sigilo, reconhecendo que comete vazamento irregular.
Danilo fornece ainda duas contas de e-mail do então prefeito Vinicius, para os quais Fauzi envia uma espécie de “relatório de sua relação com o poder público”. Na mensagem ele fala do apoio aos Camarinhas e serviços que teria intenção de prestar à Prefeitura.
Novos crimes
À luz da perícia, o delegado Paulo Eduardo Aguilar da Silva retificou o relatório e indiciou Danilo por mais dois crimes: advocacia administrativa e violação de sigilo funcional.
O vereador já responde por uma lista de delitos que inclui corrupção, fraude ao caráter competitivo, superfaturamento de licitações e lavagem de dinheiro ou ocultação de valores.
“Resta evidente que no período citado, Danilo Augusto Bigeschi, já vinculado diretamente à organização criminosa, praticou delitos de advocacia administrativa ao patrocinar diretamente interesse privado (da organização criminosa de que fazia parte) perante a administração pública, valendo-se de sua qualidade de funcionário”, escreveu o delegado.
“Neste sentido, fez intermediação de interesses, manteve contatos ou facilitou contatos com funcionários públicos (fornecimento de e-mail do prefeito) em questões envolvendo contratos do município (telecomunicações / informática, manutenção, locação central paço, devolução de impostos), o que se subsume ao tipo penal previsto no artigo 321 do Código Penal”. O último artigo mencionado é referente à violação de sigilo funcional.
Contrato com a Câmara
Os documentos enviados ao Legislativo mostra ainda que em 2014, sob a presidência de Luiz Eduardo Nardi, a Câmara de Marília contratou a Kao Sistemas de Telecomunicações Ltda., de Fauzi Fakhouri, com dispensa de licitação.
A empresa foi contratada para preparar um relatório de média mensal de uso de telefone fixo e móvel e prestar assessoria na elaboração de edital, para que a Câmara pudesse contratar serviço de telefonia com maior economia.
Pelo serviço, a Kao ofereceu orçamento de R$ 7.650, pouco abaixo do mínimo exigido por lei para dispensa de licitação na época. Os outros dois orçamentos são das empresas MOM Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico Ltda. (que cobraria R$ 100 a mais) e Matzarha Consultoria Ltda, com valor de R$ 7,9 mil.
O orçamento da MOM é assinado por Murilo de Oliveira Melo, réu na Justiça Federal pelo escândalo dos tablets, em licitação fraudada da saúde em 2016.
Em interceptações de mensagens pela Polícia Federal – no âmbito da Operação Reboot – foi identificado e-mail trocado entre Fauzi e uma funcionária, em que ele envia certidões da MOM visando participação em uma licitação fraudada na Prefeitura de Osasco.
A Matzarha Consultoria, que teria manifestado interesse em prestar serviços à Câmara em 2014, enviou orçamento assinado por Vinicius Vieira Dias da Cruz, que também se tornaria réu na Operação Reboot, por fazer parte do conluio que fraudou licitação e superfaturou 450 tablets vendidos à Secretaria Municipal da Saúde.
Em 26 de junho de 2014, o então presidente da Câmara de Marília, Luiz Eduardo Nardi, assinou a autorização para a abertura da dispensa de licitação e abriu caminho para a contração da Kao, do cunhado de Danilo, como prestador de serviço ao Legislativo.
Tudo isso mostra que praticamente o mesmo esquema utilizado no caso dos tablets já havia sido testado com sucesso na Câmara de Marília, em menor escala, anos antes.
Outro lado
Questionado pelo site, Danilo afirmou que “utilizaram informações de 2013 que não estão relacionados aos fatos ocorridos em 2016, período que eu não era vereador. Por isso que é totalmente descabido propor CP para apurar quebra de decoro parlamentar”.
Procurado pela reportagem, Nardi disse que “os orçamentos foram obtidos por firmas escolhidas através de consultas da internet, pesquisa feita pelo pessoal da Câmara que cuida de contratações”.
“Não conhecia as firmas, não tive nenhum contato com as mesmas, minhas contas foram aprovadas no TC [Tribunal de Contas], não há nenhum procedimento na Justiça, MP [Ministério Público], sobre um simples contrato para relatório e levantamento da telefonia móvel na Câmara”, completou Nardi.