Produtores sofrem com seca prolongada na região de Marília
No campo, a preocupação com o clima é generalizada na região de Marília. Da cana ao café, passando pelas bacias leiteiras, a estiagem prolongada tende a reduzir a produtividade. Chuvas consistentes são aguardadas até meados de outubro, mas algumas culturas já apresentam prejuízos.
O preço do leite em alta não anima o produtor. É que o custo de produção está estratosférico. No pasto não há mais alimentação para o rebanho. A suplementação com silagem, ração e cevada fica cara.
Na fazenda do produtor mariliense José Luiz Tavares, o calor excessivo deixa os animais prostrados e a queda na produção é estimada em cerca de 30%. “As vacas não estão nem querendo levantar para comer”, constata o produtor.
Com essa situação no campo, o preço do leite ao consumidor tem variado entre R$ 3,60 e R$ 4 nas gôndolas.
Especialista em produção, a médica veterinária Letícia Peternelli, da Universidade de Marília (Unimar), relata ainda que houve redução da oferta de leite em pó importado para o Brasil. O produto ficou mais caro – em função do câmbio – e mais escasso, devido a demanda.
“É a lei da oferta e da procura, além do fator custo de produção, que está muito elevado. Com a recuperação das pastagens, essa situação não deve demorar muito a se estabilizar. Mas deve ficar estável, não dá para falar em queda de preços”, afirma.
Apicultura
Em relação ao mel, o prejuízo é certo. O presidente da Associação dos Apicultores de Marília e Região (Amar) Fernando Ferreira, explica que o mês de setembro foi muito ruim para a atividade.
“A queda foi de 50% na produção esperada. O néctar evapora nas primeiras horas do dia, com essa seca e calor elevado. Quanto aos preços , estão estáveis porque existe um estoque. O mel é um produto não perecível, então uma eventual escassez demora a aparecer”, disse.
Aves e ovos
Na região de Bastos, polo para produção de ovos no Brasil, as temperaturas que passam de 40°C têm provocado a morte das aves.
Além da perda nos aviários, os produtores também estão tendo aumento nos custos de produção com água e energia.
Os avicultores têm relatado nunca terem vivenciado um calor tão forte, que tenha durado por tanto tempo na cidade.
Bastos registrou temperatura de 41ºC no sábado (3) e pode ser castigada novamente na onda de calor prevista entre esta terça-feira (6) e sábado (10).
Café
Gustavo Guerreiro, engenheiro agrônomo e consultor de vendas em Garça, explica que boa parte do café – cultivo bianual – está saindo de uma florada para dar frutos em 2021.
“O café precisa de 24 meses para formar o botão, florar e dar o fruto no ponto de colheita. Os pés que deram produção agora, estão atrasando a sua recuperação para florescer no próximo.
Além das perdas pela não produção dos nutrientes necessários, o calor intenso interrompe o processo de fotossíntese e a planta começa a perder água de forma intensa.
“Em outras regiões produtoras, como Franca, o impacto já é bem maior. Mas também estamos em alerta, esperando a chuva de forma mais consistente. Infelizmente, as previsões para outubro não são muito boas”, disse o consultor.
Amendoim
Desde 2017, o amendoim desbanca o principal produto de exportação mariliense – confeitaria sem cacau – produzido pelas indústrias de Marília e municípios vizinhos. Com o salto, a região consolidou-se como a maior em produção no Estado de São Paulo, responsável por 90% do amendoim brasileiro.
Fernando Arteiro, engenheiro agrônomo e consultor de negócios, explica que a cultura vem de uma boa safra, mas a luz amarela está acesa para o amendoim 2020/2021, que deve ocupar em torno de 25 mil alqueires e gerar 13 milhões de sacas.
“Os produtores estão de olho no céu e com as sementes prontas para a terra. Ainda está dentro da previsão no calendário, mas se a chuva não vier até o dia 20 de outubro, vai ficar muito complicado”, prevê.
Ele explica que a tecnologia tem favorecido o preparo de solo, por isso, quem planta amendoim não dependerá da chuva para essa etapa do processo.
Soja e milho
O engenheiro agrônomo e professor Lucas Aparecido Gaion (Unimar), que atua na área de grandes produções, explica que a falta de chuva pode atrasar o plantio da soja e do milho, commodities agrícolas de destaque no Brasil.
“O ano agrícola começa em julho. O que deveria estar acontecendo agora é a semeadura das principais safras de grãos. Com solo seco, não tem como fazer a preparação. É um efeito dominó. O atraso agora pode levar a um atraso na safrinha”, afirma.
O período ideal está entre a segunda quinzena de outubro e a primeira de novembro. O problema é que, diferente dos produtores de amendoim, muitos não estão preparados e terão que investir tempo no preparo da terra.
“Atraso pode significar queda de produtividade. Se a safra atrasa, a safrinha não acontece no tempo certo (fevereiro/março). Isso ameaça, para 2021, o grande diferencial do Brasil, que é ter as duas safras no ano”, alerta.
Frutas
O engenheiro agrônomo Fábio Reis Greatti, da Secretaria Municipal da Agricultura de Gália – região que tem sido castigada por queimadas – comenta as perdas nas pastagens e na fruticultura.
“A laranja é um exemplo. Sem as chuvas, as plantas podem passar por um estresse hídrico muito forte e abortar os frutos novos que estão começando a se desenvolver. Essa fase do ciclo da planta é muito exigente em água”, afirma.
Na região de Gália, segundo Greatti, a pastagem está extremamente seca. “Essa estiagem prolongada afeta a alimentação do gado. Aqui na região e, acredito, em muitos lugares, as represas estão secando. Também estamos observando muitas queimadas”, disse.
As safras 2019/2020, com colheita antes ou nos primeiros meses da pandemia, foram extremamente relevantes para a preservação da economia no país.
Acostumado com ciclos da vida, o homem do campo pouco se surpreende com a natureza. Porém, secas históricas e condições climáticas extremas, após o turbilhão que acometeu o mundo em 2020, são desafios adicionais, com os quais a economia baqueada não estava preparada.