Fall Guys: jogo vira hit inesperado na quarentena
Se há algo comum a muitos games de sucesso nos últimos dez anos, é a frase: “vá para a arena”. Nomes como Fortnite, PUBG e até mesmo Call of Duty basearam seu sucesso em colocar seus jogadores para lutar uns contra os outros em batalhas até a morte. Lançado em agosto pelo estúdio Mediatonic, o game Fall Guys virou um hit na quarentena ao adaptar essa frase a uma dinâmica “mais família”. Em vez de cenários cinzentos, muita cor. No lugar das armas e tiros, o objetivo é ficar vivo em provas que lembram gincanas televisivas como as Olimpíadas do Faustão. Em poucas semanas, o game já vendeu mais de 7 milhões de cópias para PC e se tornou o jogo mais baixado da história do serviço PlayStation Plus, da Sony. “Ô loco, bicho!”
A premissa do jogo é simples: cada jogador tem um boneco próprio – supostamente, com 1,70m de altura, diz a Mediatonic. Esse boneco, com formatos e cores que lembram uma jujuba, pode ser customizado livremente. Sua missão é entrar numa arena com outros 59 jogadores e disputar provas num game show fictício, sendo o último a ficar vivo no final, em níveis que envolvem corridas, obstáculos malucos, sobrevivência e, às vezes, um pouco de espírito em equipe.
Quem perde não morre, mas “sai do show” – a diferença é que não é preciso esperar até a semana seguinte para tentar de novo. Basta apertar mais um botão. Já quem ganha leva uma coroa para casa e mais moedas para customizar seu personagem – além da alegria da vitória. “Muita gente cresceu vendo programas assim e pensou: eu adoraria competir nisso, mas não quero me machucar na vida real”, diz Joseph Juson, designer de fases da Mediatonic, ao Estadão.
Entre a ideia e a execução, porém, o trabalho foi bem complexo: segundo o desenvolvedor, não bastava só criar fases, mas também estabelecer padrões para que 60 jogadores possam interagir ao mesmo tempo numa arena online – e que isso fosse legal. “Muitos dos jogos de ‘arena’ provaram que jogar com muita gente é divertido, mas muitos deles são bem difíceis de vencer. Nós queríamos fazer algo em que perder fosse tão divertido quanto ganhar”, diz Juson. “Além disso, era um jogo para ser jogado por muita gente – e nesse sentido, ter fases que se explicam rapidamente ajuda muito a atrair público.”
Boa distração
Revelado ao público em junho de 2019, Fall Guys obviamente não foi preparado para ser lançado no meio de um período de isolamento social. Mas há quem afirme que parte de seu sucesso se deve à pandemia. “Foi o jogo certo na hora certa: é simples de aprender, pode ser jogado por toda a família e é divertido. E para quem precisa ficar em casa, não lembra coisas que podiam ser feitas antes, como jogar futebol ou corrida”, diz André Pase, professor da PUC-RS. “Além disso, muitas das fases tem uma coisa de memória afetiva, seja pelas brincadeiras de rua ou pela própria televisão.”
Outro ingrediente do sucesso foi a parceria bem azeitada com a Sony: quem assina o serviço PS Plus, necessário para jogar online no PlayStation, recebeu o jogo gratuitamente no mês de agosto. “Foi uma receita que já ajudou outros games online a ter sucesso, como o Rocket League, que é um jogo ainda popular hoje”, diz Pase. A demanda foi tanta que o game teve problemas com servidores nos primeiros dias. “Sabíamos do potencial do jogo, mas ninguém imaginava o que realmente foi, especialmente na primeira semana. Foi assustador no começo ter problemas, mas agora está tudo bem”, afirma Juson, da Mediatonic.
Além de ser divertido de jogar, Fall Guys também ganhou espaço porque caiu nas graças de quem gosta de ver outros jogando. “É um jogo ótimo para transmitir porque as jogadas são muito malucas e as partidas são rápidas, toda hora acontece alguma coisa, não tem muito tempo ocioso”, diz o criador de conteúdo Pedro Sciarotta, um dos primeiros a transmitir partidas do game no País. “O fato de não ter violência também ajuda, ele atrai muita gente que só quer se divertir, mas não necessariamente gostam de algo agressivo nos games.”
E isso obviamente ajuda a atrair muitas crianças – e seus pais, que sentem no jogo um ambiente confortável para os filhos. “Meu público no canal é mais adulto, mas senti que muitas famílias começaram a acompanhar o canal”, diz Maxwel Rocha, dono do canal Max MRM no YouTube. “Pais e filhos jogam e assistem os games juntos, é bacana.” Esse espaço seguro foi uma das principais preocupações da Mediatonic, diz Juson: ao contrário de games online, Fall Guys não tem um chat de voz entre os jogadores, “o que faz o game ser mais tranquilo para as crianças.”
Sem cair
Nesse momento, Fall Guys é o “dono da coroa” no mundo dos games. É o jogo mais vendido da Steam, a mais popular loja de games para PC do mundo, há seis semanas. Também já teve mais de 100 milhões de horas de partidas vistas no Twitch, serviço popular de transmissão de games. Mas se chegar ao topo do sucesso é difícil, se manter nele pode ser mais ainda. Para isso, a empresa aposta na renovação constante de suas fases, de modo até quase anárquico – nesta semana, chegou ao game uma atualização que coloca uma marreta gigante, a Big Yeetus, no meio das fases.
“Foi algo que começou como uma piada, mas acho que há algo divertido em ser arremessado do nada por um martelo enorme e não saber onde você vai parar na fase”, explica o designer da Mediatonic. Em outubro, mais novidades: o game ganhará uma repaginação completa, com temática medieval e novas fases. “Ter mais níveis evita que o jogo não fique repetitivo e não enjoe”, diz Sciarotta. No entanto, é preciso ter cuidado para não perder a mão e, ao mexer demais, perder os jogadores que estão engajados. Se o esforço vai dar certo, será preciso esperar mais alguma semanas para saber.
Enquanto isso não acontece, há quem ache simbólico que Fall Guys seja o último grande hit da atual geração de consoles – nas últimas semanas, Sony e Microsoft definiram o lançamento de seus novos videogames para novembro. “É muito bacana que, no meio de uma geração que mostrou que os games podem ser experiências complexas, narrativas, vivências, apareça um jogo que lembre que os games, antes de tudo, devem ser divertidos”, diz Pase, da PUC-RS. “E é legal ver que quem faz isso é um estúdio pequeno, independente. O futuro pode depender mais dos indies.”