Pandemia torna o momento de luto e despedida ainda pior
Em um ano com tantas perdas e no qual muitos não puderam se despedir como gostariam de seus entes próximos, este 2 de novembro terá um significado mais forte. O Dia de Finados será de cemitérios com medidas de distanciamento ou fechados e com parte dos fiéis em casa para evitar a covid-19. E também de um profundo luto.
A dor de perder um ente querido, em tempos de pandemia foi intensificada pelas restrições e falta de despedidas. Familiares e amigos – mesmo em óbitos sem relação com o vírus – tem que limitar o tempo de velório. Em caso de suspeita da doença, as homenagens fúnebres praticamente inexistem.
Quarenta minutos foi todo tempo que a família da dona Guaraciaba Aparecida dos Santos, de 61 anos, moradora no Jardim Cavallari (zona Oeste) teve para as despedidas, pouco antes do sepultamento. Uma vida de convivência, amor e histórias, interrompida de forma abrupta.
Wilse de Paula, que é funcionária pública e filha da idosa, relata que a mãe foi submetida ao teste de Covid-19 e o resultado só saiu uma semana após o óbito. Como o caso era considerado suspeito de coronavírus pela instituição de saúde, as restrições foram impostas.
Guaraciaba tinha hipertensão, diabetes, era cardíaca e também tinha sido diagnosticada com Alzheimer. Três dias antes de morrer, foi internada às pressas com quadro de insuficiência respiratória. Na época a família viveu sentimento de revolta e tristeza.
“Tudo aconteceu muito rápido. Nós queríamos algum tempo a mais para fazer as homenagens a ela. É uma dor que eu nem consigo explicar em palavras”, afirma a filha.
Situação semelhante viveu a família do empresário Jorge Hachizuka, que tinha 70 anos e morava em Garça – 37 quilômetros de Marília. Ele descobriu por acaso que estava com câncer, durante o tratamento de uma trombose no fígado.
Os tumores haviam se espalhado por vários órgãos, incluindo os pulmões. Por isso, o empresário desenvolveu quadro de insuficiência respiratória. Durante internação, foi entubado e levado para terapia intensiva, onde acabou morrendo.
A filha, Lorraine de Barros, conta que o protocolo seguido pelas instituições de saúde – por ser sintoma respiratório – provocou as restrições e ela não pode sequer se despedir do pai.
“O médico falou que sabia que não era Covid-19, mas o protocolo era esse e nada podia ser feito. O que deixou a gente ainda mais triste foi a situação, a maneira como tiram da família um momento importante, de despedida. Foi muito revoltante”, disse.
Suporte profissional
A psicanalista e presidente do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região, Silvana do Amaral, destaca que, especialmente, na cultura ocidental, o “rito de passagem” é uma etapa fundamental para que qualquer pessoa enfrente o luto da melhor forma possível.
“É uma característica da nossa cultura, do brasileiro principalmente. A pessoa precisa realmente ver para crer. O tempo que ela passa naquele ato de despedida é importante para que ela supere a perda e possa prosseguir, entendendo que aquele ente ficará na sua memória, mas não está mais presente”, explica.
Autor do livro “Superando a Dor do Luto: Quando vai passar?”, o teólogo e escritor Marcos Kopeska explica que em todas as sociedades o ritual de passagem é importante. Ao longo do tempo, as pessoas se habituaram a dedicar a homenagens o momento que segue à perda.
“É um momento necessário, onde são recontados os feitos daquela pessoa. É quando os familiares e os amigos testemunham que ela encerrou o seu período e se preparam para seguir, sem aquela pessoa. O luto é necessário, ele tem que existir e há sim, em função da pandemia, uma perda desse espaço para as famílias”, considera Kopeska.
Regras
Em Marília, pessoas com suspeita ou confirmação de Covid-19 não são veladas. Nos demais casos, o tempo limite é de seis horas.
São permitidas apenas 15 pessoas por vez, nas salas do Velório Municipal. Todos devem usar, necessariamente, máscaras. Crianças e adolescentes – até 12 anos – não podem entrar.