Ameaça de prefeito “não é tão simplista assim”, diz ONG
Em nota, a Prefeitura de Marília informou que irá descontar dos salários do servidores os dias não registrados no ponto. O texto publicado no site da Administração diz: “O chefe do Executivo afirmou ainda que vai aplicar o que determina a lei, descontando os dias dos servidores que não registrarem o ponto. ‘Quem não está trabalhando terá os dias descontados, conforme a lei, além de perder a licença prêmio e outros benefícios. A lista paralela que alguns servidores municipais estão assinando não tem nenhuma validade para abono dos dias parados’, finalizou o prefeito”.
Porém a questão não pode ser vista de forma tão simplista assim, diz a ONG Marília Transparente (Matra). “Em primeiro lugar porque o direito de greve é um direito fundamental assegurado aos servidores (CF/88 art. 37 VII) e à administração pública não é dado constrange-los a abdicarem do exercício legal de um direito (Lei nº 7.783/89, art. 6º § 2º). O princípio da legalidade dos atos administrativos a impediria”, explicou a entidade.
No caso, é preciso considerar que a Lei de Greve (hoje também aplicável aos servidores públicos dada à ausência de lei especial). A lei diz que a participação em greve suspende o contrato de trabalho (no caso um contrato administrativo). Mas diz também, que as relações obrigacionais ocorridas durante o período dessa suspensão (e particularmente no caso do setor público) devem ser regidas pela Justiça do Trabalho (Lei nº 7.783/89, art. 7º) e não unilateralmente pela própria administração pública contratante. No caso da administração pública não há sindicato patronal, que possa representá-la em uma convenção coletiva, logo esta via se torna impraticável, restando apenas a via judicial.
Doutrinadores de grande respeito como também magistrados, igualmente não concordam com a posição adotada pela Prefeitura em sua nota.
Segundo o Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e Juiz do Trabalho, Jorge Luiz Souto Maior, “Negar aos trabalhadores o direito ao salário quando estiverem exercendo o direito de greve equivale, na prática, a negar-lhes o direito de exercer o direito de greve”.
Conforme Ementa, da lavra de Rafael da Silva Marques, aprovada no Congresso Nacional de Magistrados Trabalhistas, realizado em abril/maio de 2010: “não são permitidos os descontos dos dias parados no caso de greve, salvo quando ela é declarada ilegal. A expressão suspender, existente no artigo 7 da lei 7.783/89, em razão do que preceitua o artigo 9º. da CF/88, deve ser entendida como interromper, sob pena de inconstitucionalidade, pela limitação de um direito fundamental não-autorizada pela Constituição Federal”.
“Então, para suspender o salário, é preciso que a greve seja considerada ilegal. E para que não seja considerada ilegal necessário se faz que não haja abuso por parte dos servidores que devem cumprir rigorosamente os requisitos estabelecidos em lei, notadamente no que diz respeito aos serviços essenciais (arts. 10 e 11 da mesma lei)”, explica a Matra.
Fonte: Matra