Áudio mostra comandante ‘enquadrando’ policial militar
Vazou a gravação de uma conversa em que a tenente-coronel Márcia Cristina Cristal Gomes, comandante do 9º Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), localizado em Marília, repreende um policial militar por apreender o carro da vereadora Professora Daniela (PL).
O policial foi transferido da Companhia de Trânsito, onde atuava, para outras funções de policiamento, após a apreensão. O Marília Notícia revelou o caso, ocorrido na madrugada do último domingo (16), com exclusividade.
O veículo, que era conduzido pela filha da vereadora, foi abordado por volta da 0h30 do dia 16 de agosto, durante uma blitz de trânsito na rua Carlos Botelho, no bairro Maria Izabel.
A reportagem já tinha acesso ao áudio, que inclusive embasou a primeira matéria publicada. A gravação, porém, não havia sido divulgada para não expor possíveis fontes, em respeito a um dos princípios basilares do jornalismo.
O áudio, porém, vazou por outros meios e já circula nas redes sociais. Por isso, o Marília Notícia tomou a decisão editorial de veicular a ligação gravada, que pode ser considerada de interesse público. Ouça:
“Ela é vereadora, quem você pensa que é?”, diz Cristal ao policial. A comandante também cobrou “jogo de cintura” e avisou que o militar seria afastado de sua função na Companhia de Trânsito.
Entre outras coisas, Cristal afirma que o policial desrespeitou suas ordens e faltou com lealdade.
A comandante do 9º BPM/I afirma que poderia ter sido feita apenas a apreensão do documento do veículo, que segundo o militar estaria com licenciamento vencido e pneus ‘carecas’.
“Nessas questões, nós não vamos ficar fazendo e tumultuando, porque isso daí é falta de bom senso. Ela é vereadora”, afirma Cristal.
“Vou adotar as providências. Você pura e simplesmente está fazendo algo que era desnecessário. (…) Quem trabalha no trânsito tem que ter jogo de cintura e bom senso. Não é isso que nós estamos orientando. Você vai sim ser retirado e quero que seja anotado tudo isso daí. Olha o que você está causando, porque, politicamente, ela é vereadora. Não teve nenhuma conversa. Quem você está achando que é? Você vai pagar o guincho? Você não tem condições de trabalhar no trânsito”, afirma a comandante.
Entenda
Após constatação de suposta irregularidade durante a blitz, o policial teria orientado a motorista de que seria possível efetuar o pagamento do licenciamento por aplicativo para evitar a apreensão.
Para tentar resolver o problema, a jovem teria ligado para familiares e provocado a intervenção da mãe vereadora.
A reclamação contra o procedimento do policial foi parar – ainda durante a madrugada – no alto escalão do 9º Batalhão da Polícia Militar do Interior.
A tenente-coronel Márcia Cristina Cristal Gomes teria ligado para a equipe responsável pela apreensão, para tentar intervir. Ao saber que o carro já havido sido recolhido, repreendeu o policial militar responsável pela patrulha de trânsito.
Apesar de agir em conformidade com o Código de Trânsito – que prevê a remoção, quando há “impossibilidade da irregularidade ser sanada no local”, o policial acabou sendo afastado do patrulhamento.
Polícia Militar
Em nota enviada ao Marília Notícia, a Polícia Militar afirmou “que o comando do 9º Batalhão de Polícia Militar do Interior instaurou procedimento apuratório para averiguar a regularidade da apreensão do veículo, considerando que há indícios de inconformidades administrativas”.
“O policial militar foi afastado do policiamento de trânsito durante a apuração”, finaliza o breve comunicado da PM.
Vereadora
A reportagem procurou também a vereadora professora Daniela, que admitiu ter ligado para a comandante do batalhão após o ocorrido. “O pedido foi como munícipe normal, que pediria qualquer outra coisa, não foi utilizando nada… normal”, disse a parlamentar.
Ela negou de forma veemente que tenha influenciado para que o policial sofresse qualquer tipo de punição.
Daniela afirmou que, seu telefonema teve o objetivo de uma solicitação de esclarecimento, a respeito da possibilidade de apreensão apenas do documento e não do veículo.
A vereadora disse ainda que não houve nenhuma “indagação” que levasse o policial militar responsável pela fiscalização a ser punido. O PM apenas exerceu suas funções, disse a vereadora.
Daniela declarou ainda que “ficou muito preocupada com a filha, uma vez que não se encontrava no local do acontecido”. Disse ainda que os pneus do carro não estavam ‘carecas’, conforme comprovado em laudo que teria sido feito posteriormente, já no pátio de apreensão.
A parlamentar afirmou ainda que “concorda com os procedimentos determinados pela legislação de trânsito” e comentou o remanejamento do policial.
Confira a nota na íntegra.
“Com relação ao remanejamento de um setor para o outro, realizado pelo 9º Batalhão de Polícia Militar do Interior (BPMI) de um policial militar que exercia atividades na fiscalização do trânsito urbano, a vereadora Professora Daniela (PL) esclarece que: em nenhum momento seu telefonema para a comandante tenente-coronel Márcia Crystal teve o objetivo de praticar tráfico de influência, apenas se tratou de uma solicitação de esclarecimento a respeito da possibilidade de apreensão apenas do documento e não do veículo, também não houve nenhuma indagação para que o referido militar fosse punido ao exercer suas funções; comunica que ficou muito preocupada com a filha, uma vez que não se encontrava no local do acontecido e que os pneus não estavam ‘carecas’, conforme comprovado em laudo (anexo). Afirma que concorda com os procedimentos determinados pela legislação de trânsito e que a decisão pelo remanejamento acredita que trata-se de uma medida administrativa interna e exclusiva do Comando da Polícia Militar, alheia ao exercício do mandato de vereadora da Câmara Municipal de Marília.”