Conheça o WeChat: o novo alvo do veto de Trump
Na noite de quinta-feira, 6, o governo Trump assinou um decreto que poderá tirar o app WeChat das lojas da Apple e do Google e impedir que as companhias americanas façam negócios com sua controladora, a Tencent. Na China, o WeChat opera em uma área maior do que qualquer outro aplicativo faria. As pessoas o usam para falar, fazer compras, compartilhar fotos, pagar contas, receber notícias e fazer remessas de dinheiro – tem grau de importância maior que o do WhatsApp no Brasil.
Como grande parte da internet chinesa está cercada por uma muralha de filtros e censores, o aplicativo fundamental do país é também uma das poucas pontes digitais que ligam a China ao resto do mundo. É o que permite que os estudantes conversam com as famílias, que os imigrantes mantenham suas relações com os parentes, e é graças a ele que grande parte da diáspora chinesa troca memes, mexericos e vídeos.
Agora, esta ponte está ameaçada de ruir.
Se aplicada rigorosamente quando entrar em vigor daqui a 45 dias, a ordem visará o produtor mais inovador da internet da China, usado mensalmente por 1,2 bilhão de pessoas. Uma proibição efetiva do aplicativo nos Estados Unidos poderá cortar milhões de conversas entre investidores, parceiros de negócios, familiares e amigos. A simples ameaça provavelmente dará início a um novo capítulo do aprofundamento do impasse entre China e EUA quanto ao futuro da tecnologia.
Considerando que Trump já emitiu outro decreto contra o TikTok, a medida contra o WeChat assinala uma mudança na estratégia americana contra a Grande Muralha tecnológica, que durante anos impediu companhias como o Facebook e Google de operar na China. A proibição do WeChat e do TikTok poderá ser o primeiro passo para uma série de represálias recíprocas.
Se por um lado o TikTok talvez seja a moda do momento nos Estados Unidos, o WeChat é bem mais importante na China. Alicerce digital da vida diária, o WeChat surgiu como uma ferramenta para as autoridades chinesas imporem controles sociais. Na China, o aplicativo é fortemente censurado e monitorado por um braço da polícia que acaba de ser criado na internet.
Além das fronteiras da China, o aplicativo tornou-se uma conexão fundamental para a difusão da propaganda de Pequim. As forças de segurança chinesas usam regularmente o WeChat para intimidar e calar membros da diáspora chinesa, inclusive a minoria Uigur, que tenta espalhar as informações de uma impiedosa opressão em sua terra, no oeste da China.
“O problema desta ordem do executivo é que pretende tratar destas preocupações tomando medidas que também dificultam a comunicação direta com pessoas comuns na China”, observou Sheena Greitens, professora adjunta da Universidade do Texas, em Austin.
“Ela faz com que a política do governo entre em choque com mais um dos seus objetivos declarados: a manutenção da abertura e de relações amistosas com o povo chinês”, acrescentou.
Embora o WeChat e a sua proprietária há muito cruzem as desconfortáveis linhas divisórias que separam a internet da China do mundo, raramente estiveram submetidos à vigilância direta dos Estados Unidos.
Limitações
Nascido de uma ideia de um engenheiro da Tencent, Allen Zhang, o WeChat não pegou nos mercados no exterior, embora a companhia tenha gasto centenas de milhões de dólares em marketing a fim de competir com o WhatsApp. O fato de o aplicativo depender de outros aplicativos chineses no ecossistema isolado da internet chinesa provavelmente prejudicou suas chances, enquanto as suas inovações transformavam a vida na China.
Fora da China, ele tem sido principalmente um vínculo da diáspora chinesa com a pátria. Além disso, a ordem poderá acabar limitando uma variedade de negócios entre os americanos e a Tencent.
As companhias americanas, por exemplo, poderão ser impedidas de anunciar seus produtos no WeChat, eliminando-as de um canal fundamental para alcançar o vasto mercado de consumo da China. A Tencent poderá ser proibida de distribuir o WeChat por meio das lojas de aplicativos da Apple e do Google, deixando os usuários impossibilitados de receber atualizações de software ou simplesmente incapazes de usar o aplicativo.
Apple e Google não responderam às solicitações de comentários.
O decreto da Casa Branca poderá inclusive proibir que a Tencent compre equipamento americano para os servidores com os quais opera o WeChat. Se a companhia usar estes mesmos servidores para rodar outros produtos e serviços da internet, isto poderá afetar uma parcela ainda maior dos seus negócios, disse David Dai, analista em Hong Kong da Sanford C. Bernstein, empresa que pesquisa investimentos.
Esta seria a “pior das hipóteses” para a Tencent. Escreveu Dai em uma nota de pesquisa na sexta-feira, 7.
Ato hegemônico
A Tencent, que tem uma capitalização de mercado muito superior aos US$ 600 bilhões, afirmou na sexta-feira que estava revendo o decreto “para compreender melhor o seu conteúdo”. As ações da companhia caíram quase 6% nas transações da sexta na Bolsa de Ações de Hong Kong.
Em uma reunião diária na sexta-feira, o porta-voz do Ministério do Exterior chinês, Wang Wenbin, definiu o decreto um “ato abertamente hegemônico”, afirmando que “a pretexto da segurança nacional, os EUA frequentemente abusam do poder nacional e suprimem irracionalmente empreendimentos relevantes”.
Talvez, os produtos da Tencent procurassem penetrar nos países do Ocidente. Mas a companhia construiu uma presença imensa, embora com toda discrição, nos EUA por meio de investimentos e parcerias – e tudo isto poderá ser afetado se o decreto da Casa Branca resultar em uma proibição geral de trabalhar com a Tencent.
Algumas das incursões mais importantes da companhia no exterior ocorreram na área de videogames, que representam grande parte de sua receita no exterior. A Tencent é dona da Riot Game, a desenvolvedora da League of Legends, e grande parte da Epic Games, que faz o Fortnite. A unidade de cinema da companhia, a Tencent Pictures, participou de grandes sucessos de Hollywood, como A Mulher Maravilha e o filme mais recente da saga O Exterminador do Futuro.
Ela também adquiriu participações em companhias com relações menos diretas com seus próprios negócios, como a fabricante de carros elétricos Tesla e a companhia de mídia social Snap. Também investiu nas operações chinesas da Tim Hortons, uma cadeia de cafés canadense, com a finalidade de ajudar a expansão da companhia na China.