Cerca de 1,4 milhão de jovens nunca acessaram internet
No Brasil, 1,4 milhão de crianças e adolescentes nunca utilizou a internet na vida. A informação faz parte da pesquisa TIC Kids Online, feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). O estudo reúne dados sobre o acesso a computadores e internet por crianças e adolescentes de 9 a 17 anos no País e foi divulgado nesta terça-feira, 23.
O levantamento foi realizado entre outubro de 2019 e março de 2020, antes da pandemia de coronavírus, mas, de acordo com Luísa Adib, coordenadora da pesquisa, os dados são importantes para entender como essa população tem interagido com a internet durante a quarentena.Atualmente, 89% das crianças e adolescentes estão conectadas à internet. Mas, apesar do alto número, a parcela fora desse percentual desperta preocupação: ainda são cerca de 3 milhões de pessoas sem rede, sendo que 1,4 milhão nunca teve acesso a internet.
As regiões também têm peso no recorte quando se fala em conexão. Nas regiões Norte e Nordeste, menos de 80% das crianças e adolescentes têm acesso à internet. Quando analisado em domicílios, a situação se estende também para outras partes do país. O estudo estimou que cerca de 4,8 milhões de crianças e adolescentes não tem internet em casa. A maior parte está concentrada nas famílias de renda mais baixas nesses locais.
Assim, para a maioria delas, o celular é o única fonte de conexão, por meio de Wi-Fi de vizinhos e redes móveis, como 3G e 4G. Segundo Luísa, a popularização dos telefones celulares traz uma melhoria nas condições de acesso, mas acende um sinal de alerta quando é o único dispositivo capaz de conectá-los à rede. De acordo com o estudo, 58% das crianças e adolescentes usam a internet exclusivamente pelo celular.
“O aumento desse uso representa uma melhoria, porque tem feito com que esse acesso seja maior, mas também é um ponto de atenção ver que esse acesso é exclusivo pelo telefone. Quando a gente olha o uso do dispositivo entre as classes, ultrapassa 90% em todas as classes, mas é maior nas classes D e E”, explica Luísa.
O acesso no computador, então, segue os padrões inversos de acesso por esses jovens. Apenas 21% das crianças e adolescentes da classe D e E tem acesso a internet no computador, enquanto em classes socioeconômicas mais altas, a parcela pode chegar em até 75%.
Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br, explica que, em tempos de educação a distância, esse indicador evidencia a diferença no acesso aos materiais de estudos, com muitas crianças e adolescentes acessando esse conteúdo apenas pelo celular, que muitas vezes é dos pais ou de uso compartilhado pela casa.
Em pesquisa divulgada no início de junho, a TIC Educação, também do mesmo órgão, revelou que além das escolas públicas estarem menos preparadas para fornecer seus conteúdos onlines, outros problemas eram encontrados no caminho: entre alunos de escolas públicas, por exemplo, 39% não possuíam tablets, notebooks ou desktops.
“Isso mostra que, em condições limitadas de acesso, o ensino fica comprometido. O da internet nas classes mais baixas evidencia as desigualdades digitais que ainda persistem em nosso País. Esse fato por si só representa a relevância na efetividade de políticas públicas na área. Com escolas fechadas, a falta de internet intensifica ainda mais a diferença entre escolas públicas e privadas”, afirma Barbosa.
Atividades na rede
A pesquisa também mapeou quais são as atividades realizadas pela faixa etária de 9 a 17 anos na internet. De acordo com as respostas, a maior parte dessa população faz uso da internet para entretenimento, seja assistindo vídeos, plataformas de streaming ou ouvindo música, por exemplo, representando 83% dos entrevistados. Os trabalhos escolares ocupam a segunda posição, com 76% e, em seguida, as redes sociais, com 68%.
Em trabalhos escolares, o uso da internet aumenta conforme a classe e a idade. Entre adolescentes, esse número é mais alto, por conta da demanda escolar para trabalhos e buscas de informações, chegando a 84% dos adolescentes recorrendo a rede, entre 13 e 14 anos.
“Por um lado, essa ideia do uso da internet para trabalhos escolares ser uma porta de entrada para uso na internet em geral é muito semelhante com o que acontece em outros países. Mas, por outro lado, as diferenças que a gente observa, principalmente entre as classes socioeconômicas, as desigualdades aparecem mais nas pesquisas brasileiras”, explica Fábio Senne, coordenador de projetos de pesquisas do Cetic.br.
Outro dado apresentado, que impacta diretamente no momento de pandemia, é o uso de diferentes plataformas, como de chamadas de vídeo, por exemplo, entre crianças e adolescentes.. Antes da pandemia, apenas 27% das classes D e E já tinham feito alguma conversa por videochamada.
“É o tipo de atividade que demanda uma qualidade de dispositivo e internet maior”, afirma Luísa, apontando que a discrepância nos números entre as classes socioeconômicas deixa claro as condições de acesso a internet e viabilidade de atividades online, principalmente educacionais
Danos
Riscos também são encontrados nos conteúdos consumidos pelas crianças e adolescentes na internet. Pela primeira vez, a pesquisa abordou, com crianças e adolescentes entrevistados, o consumo de cenas de violência e outros tipos de materiais sensíveis. Nesse indicador, o recorte entre gêneros chamou a atenção dos pesquisadores, pela diferença entre meninos e meninas nas situações de exposição.
Cerca de 18% dos meninos afirmaram ter consumido imagens ou cenas de conteúdo sexual, enquanto entre as meninas a parcela foi de 12%. Em conteúdos estéticos sensíveis, como formas de emagrecimento, o número entre elas foi maior: 21% das meninas, de 11 a 17 anos, responderam já ter usado a internet para procurar sobre o assunto.
O bullying também foi considerado em meios digitais. Cerca de 31% das meninas e 24% dos meninos reportaram que foram tratados de maneira ofensiva na internet. Entre todas as faixas etárias, o maior motivo de discriminação na internet foi a cor ou a raça das crianças e adolescentes, sendo 33% das meninas e 20% dos meninos.