Guia traz dicas para evitar desinformação e fake news
Todo mundo sabe que não se deve espalhar uma notícia falsa. Mas, mais do que nunca, também deveríamos nos esforçar para não retuitar, compartilhar ou seguir uma notícia falsa – ou quem as veicula.
Inicialmente, veio a pandemia. Agora, enfrentamos uma infodemia. A desinformação dos chamados trolls, robôs e outros agitadores online está crescendo depois da morte de George Floyd e dos protestos do Black Lives Matter, após um tsunami de inverdades a respeito do coronavírus. Por outro lado, as pessoas que mais se preocupam com este tipo de coisas podem estar inadvertidamente contribuindo para a sua disseminação – uma lição duramente aprendida com as redes sociais nas eleições de 2016 e 2018.
Para evitar que alguém tire vantagem com isto, precisamos aprender como as notícias falsas funcionam – e aprender algumas novas técnicas para fazer frente ao que vemos no Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube, e outras redes sociais. Se você tem de 16 a 60 anos, dedicar alguns segundos para fazer o que está listado abaixo o poderá ajudar a impedir que se torne um instrumento na guerra da informação de outras pessoas.
No último mês, a hashtag #DCblackout foi usado para postar falsas afirmações de que as autoridades haviam impedido os manifestantes de se comunicarem por meio dos seus smartphones. Tudo começou com uma conta que tinha apenas três seguidores. O Twitter retirou uma conta com uma retórica violenta que afirmava pertencer a uma organização antifascista de extrema esquerda, que na realidade estava ligada ao grupo de nacionalistas brancos Identity Evropa.
“Nós somos profundamente vulneráveis em tempos como estes – em que há como uma névoa de situação de guerra”, afirmou Kate Starbird, professora da Universidade de Washington, que estuda a arte da desinformação. Trata-se de uma tempestade perfeita: os americanos procuram online informações sobre protestos e o coronavírus, enquanto a pandemia impede que muitos de nós saiam de casa, e faz com que nos isolemos de outras fontes.
A professora Starbird, estudando a Agência de Pesquisa da Internet da Rússia, uma forte manipuladora das redes sociais na época das eleições de 2016, ficou sabendo como estes grupos transformam os desejos das pessoas de fazer parte de um movimento contra eles. Tudo começa com mensagens em forma de apelo que ganham compartilhamentos e seguidores, criando lentamente um público. “As mensagens falam das coisas com as quais nos preocupamos, inicialmente, assumindo a identidade de alguém que poderia ser como nós – para tentar tornar-se parte do nossos grupo”, explicou Starbird. Só posteriormente eles revelam seus verdadeiros objetivos.
“Não importa quão intelectual você se julga, não importa quão esclarecido você se julga – em matéria de tecnologia ou de qualquer outro assunto. Em algum momento, você foi vítima da desinformação”, afirmou Shireen Mitchell, fundadora do movimento Stop Online Violence Against Women.
Em 2016 e 2017, o presidente executivo do Twitter Jack Dorsey retuitou pelo menos 17 vezes uma conta russa que fingia ser um ativista dos direitos civis. Até eu caí no conto das “fake news” no Facebook a respeito do pouso tumultuado de um avião.
Como definimos as pessoas que nos levam ao equívoco? Os “trolls russos” tornaram-se um rótulo útil, mas a verdade é que muito provavelmente eles são nacionais – e inclusive não são necessariamente trolls, no sentido de alguém que tenta fazer algo mais do que irritar. Poderíamos associar esta atividade aos robôs (software que tenta emular a atitude de ser humano nas redes), mas eles estão se tornando cada vez mais uma pequena parte do problema, afirmam os pesquisadores. Os estudiosos gostam de definir estes manipuladores online como “maus atores”, mas isto pode soar até mesmo como Nicolas Cage.
Um termo melhor é “desinformadores”, sugere Nina Jankowicz, autora do livro How to Lose the Information War, a ser lançado em breve. As motivações dos desinformadores são várias. Às vezes, eles são verdadeiros artistas do engano que querem veicular publicidade ou vírus. Às vezes, são governantes estrangeiros que tentam destruir a democracia. E outras vezes, não passam de idiotas que gostam de ver o que são capazes de destruir.
“Ultimamente, não se trata tanto de informações falsas específicas, quanto de um discurso enganador, ou conteúdo que se destina a aumentar o nível do medo,” disse Claire Wardle, cofundadora e diretora da First Draft, uma ONG que combate a desinformação.
Os desinformadores podem também tentar corromper os movimentos tornando-os menos eficientes ou, ironicamente, fazendo com que se tornem abertos a acusações de inverdades. “Pessoas de perspectivas muito diferentes estão investindo tempo e energias na tentativa de tornar o mundo um lugar melhor. E parte deste esforço precisa garantir que eles usem e compartilhem das melhores informações”, destacou Mike Caulfield, especialista em educação digital na Washington State University de Vancouver, no Canadá.
Parte da culpa é das empresas de tecnologia que lucram com as ofensas que os desinformadores compartilham. Mas enquanto estas companhias surgem cada vez mais da consciência – ou da mudança da legislação para torná-las mais responsáveis – nós precisamos assumir a responsabilidade de nós mesmos nos encarregarmos de acabar com a desinformação.
Depois de falar com seis dos principais pesquisadores da desinformação, minha conclusão é que não é mais particularmente útil afirmar que deveríamos procurar julgar se a informação parece plausível antes de compartilhá-la. A verdade é que frequentemente parece perfeita.
Ao contrário, precisamos contestar as fontes e aprender os reflexos a fim de não a responder instantaneamente às emoções que elas desencadeiam. Aqui estão quatro passos que podem ajudar.
Passo 1: Pise no freio
As pessoas são excessivamente rápidas em compartilhar informações que pessoalmente não podem garantir. Nós precisamos de uma espécie de “lombada” interior. A emoção é o principal instrumento usado pelos desinformadores para nos manipularem. “Ocorre que nós não somos muito céticos quando estamos assustados”, observou Wardle. E atualmente as pessoas estão com muito medo.
Principalmente se temos uma reação forte, devemos usá-la como um lembrete para nos determos. Paremos de olhar para ela, e então voltemos depois de alguns minutos e perguntemos a nós mesmos: “Eu sei realmente o bastante para compartilhar deste tipo de coisa?”.
Isto se aplica particularmente a conceitos com os quais concordamos. “Nossas mentes estão antenadas para tomar atalhos, para encontrar informações que de antemão consideramos corretas”, disse Graham Brookie, diretor do Atlantic Council’s Digital Forensic Research Lab. “Ter conhecimento disto já é metade da batalha”.
Os desinformadores podem também usar a sua família como arma. Uma tática é enganar as pessoas com uma linguagem como “compartilhe isto se você realmente se importa”. É o equivalente digital de uma corrente de e-mail. Melhor ainda, procure escrever e filmar suas próprios experiências e ideias em primeira mão, em lugar de compartilhar e comentar as dos outros.
Passo 2: Verifique as fontes
Tentar avaliar os fatos pode ser difícil e exige muito tempo. Em vez disso, reserve alguns segundos para avaliar a reputação da fonte da informação. Até mesmo pessoas que cresceram online podem esquecer de que nem toda informação é criada igual. Simplesmente porque ela foi recompartilhada por um amigo, ou uma fonte tem um nome que soa como legítimo, não significa que você deva confiar nela.
Isto importa porque quando você compartilha ou segue uma fonte nas redes sociais, na realidade a está endossando. Esta pode não ser a sua intenção, mas é assim que o software funciona – cada novo seguidor acrescenta à fonte mais uma voz, e a ajuda a crescer no algoritmo que decide o que todos nós iremos ver.
Estabeleça como regra para si próprio que não irá compartilhar pelo menos até dar uma olhada na página daquele perfil.
Algumas normas de ouro para a verificação das fontes:
– Às vezes, a fonte imediata é um membro da família ou um amigo. Então você precisa verificar a fonte deles.
– Verifique há quanto tempo a conta está por aí. (O Twitter e o Facebook têm uma lista de datas “desde quando” nas páginas dos perfis.) Tem havido um aumento considerável das contas de redes sociais com menos de 200 seguidores criadas no mês passado, um sinal comum dos esforços da desinformação.
– A pessoa diz quem é? Não é anônima? Se sim, provavelmente você poderá confiar.
– Verifique as mais recentes mensagens de uma conta – e também as de algumas semanas atrás. São coerentes?
– Pergunte a si mesmo o que as coloca em uma posição de estar informado a respeito desse assunto. A fonte se encontra realmente em um posto que lhe permita ter a informação à qual se refere?
– Se declara ser um veículo de notícias, tem um site? Uma maneira de contatá-lo? Um serviço chamado NewsGuard oferece um plug in para navegar na rede que classifica mais de 4 mil sites com base em seu histórico de publicação de informações cuidadosas.
E se você faz parte de um movimento, cuide de saber quem é realmente um membro de sua comunidade. Você pode evitar as armadilhas dos intrusos confiando somente nas informações de contas verificáveis dos líderes, e não em quem grita mais alto online.
Passo 2,5: Não confie em coisas bonitas
Memes, aquelas imagens e slogans que se espalham com a rapidez de um incêndio, podem ser engraçadas. Saiba agora que elas são também armas. Contas russas, na campanha das eleições de 2016, compartilhavam muitas imagens lindas, como aquela de um Golden Retriever acenando com uma bandeira americana e o texto dizia: “Como se você tivesse a sensação de que será uma excelente semana!”.
Sua fonte, uma página do Facebook chamada Being Patriotic, canalizava mensagens chauvinistas e tinha mais de 200 mil seguidores. Sim, os desinformadores têm seus cãezinhos fofos. Também usaram memes de Beyoncé.
Uma mensagem não precisa ser falsa para ser perigosa. Os desinformadores estão mais interessados em sequestrar o mecanismo de compartilhamento, fazendo com que você melhore a posição deles. E isto nos leva de volta ao passo dois, a verificação das fontes. Quem você apoia, quando compartilha, curte ou retuita? “Não há nenhuma razão para amplificar o conteúdo de meros estranhos”, sublinhou Jankowicz.
Isso se aplica mesmo que o meme venha de um grupo do Facebook, um alvo cada vez mais comum dos desinformadores. Os grupos se vendem como comunidades fechadas, mas podem estar escondendo atividades perigosas por trás dos muros do grupo.
Passo 3: Torne-se um cidadão investigador
Às vezes, uma rápida verificação da conta se revela inconclusiva, mas você ainda está na realidade interessado na informação que eles estão compartilhando. Então está na hora de fazer o que Caulfield define como “leitura lateral”. Em vez de ir fundo na informação que tem, procure outras fontes na Internet.
As perguntas que devem ser feitas:
– Alguma organização respeitável de verificação de fatos analisou a afirmação?
– Alguém mais informou a mesma coisa, talvez de um ângulo diferente?
– Onde e quando a imagem ou citação foi criada? Tente um site de busca de reverse-image, como images.google.com. O BuzzFeed criticou asperamente uma mensagem que tinha mais de 15 mil retuítes afirmando que o restaurante da McDonalds estava queimando durante os protestos em Minnesota. Na realidade, a foto usada havia sido tirada na Pensilvânia em 2016.
Passo 4: Quando você encontrar uma desinformação, corrija-a – com cuidado
Os cidadãos preocupados podem e devem ajudar os outros a não caírem na desinformação deixando uma trilha de migalhas de pão para a verdade. A pesquisa mostra que as pessoas em geral não compartilham informações quando alguém comentou com uma verificação de fatos, segundo Caulfield.
Mas faça isto com cautela. Recompartilhar o original com um comentário às vezes pode amplificar a fonte original. Uma ideia melhor, usada por alguns profissionais que se dedicam à verificação dos fatos, é fotografar uma foto da imagem ou do vídeo da tela, marcá-la com um X vermelho e compartilhar isto.
Se você está comentando a mensagem de alguém, lembre que a maioria das pessoas não gosta de ser corrigida.
“Não faça uma guerra por estar certo”, sugeriu Brookie. “Se fizer isto, a ciência social em peso indicará que elas provavelmente terão uma reação que faz com que insistam no que pensavam simplesmente porque você fez com que elas se sentissem estúpidas”.
Como fazer a coisa certa? Quando Mitchell viu recentemente um membro da família compartilhar um vídeo contendo desinformações sobre o coronavírus, inicialmente ficou furiosa. “Lembro que achei a coisa estúpida”, rememorou. Depois, olhou o vídeo do começo ao fim para compreender o que impressionou o parente: a desconfiança do governo em razão do notório estudo da sífilis de Tuskegee, no qual, durante 40 anos, 400 homens negros com sífilis ficaram sem tratamento para permitir que os médicos estudassem a “história natural” da doença.
“Pela maneira como a desinformação funciona, costuma conter uma parte de verdade”, analisou Mitchell. “Por isso, quando você está dissecando a desinformação, encontre a verdade e destaque a verdade – e depois diga que o resto é uma mentira”.