Pais contratam babás ‘online’ para cuidar dos filhos
Nos Estados Unidos, o serviço de babá costumava ser mais ou menos assim: uma adolescente chegava na casa do cliente depois da escola, brincava com as crianças, colocava-as na cama e passava o resto da noite mandando mensagens de texto no sofá. Tudo para que os pais pudessem relaxar comendo e bebendo num restaurante lotado após uma longa semana de trabalho. Agora, porém, as coisas mudaram: o serviço de babá acontece por meio de uma videochamada, ainda durante o dia, geralmente por uma hora, com as crianças a poucos metros dos pais. Mas em vez de drinks e risadas, os pais estão trabalhando por teleconferência, atualizando e-mails, ajudando os outros filhos com as tarefas escolares ou se trancando no banheiro para dar uma choradinha rápida.
Nos últimos dois meses, milhões de americanos descobriram a impossibilidade que é trabalhar, cuidar das crianças e ainda participar das aulas dos filhos, tudo ao mesmo tempo, em casa e em tempo integral. Para aliviar a tensão, eles tiveram de ser criativos e liberar mais tempo de tela de todos os tipos para as crianças se distraírem. Agora, porém, alguns pais estão indo além, pagando outras pessoas para passar umas horas com seus filhos virtualmente.
Eles estão pedindo que suas babás de sempre mantenham as crianças ocupadas por meio de chamadas de vídeo. No Care.com, uma plataforma para cuidadores – de babás a auxiliares de enfermagem – alguns profissionais estão atualizando seus perfis para “atendimento apenas virtual”. Os serviços de babá existentes vêm treinando seus profissionais em técnicas para manter as crianças entretidas mesmo pelas telas, enquanto novas empresas surgem oferecendo babás virtuais.
“Não é como se a criança estivesse assistindo a algum desenho ou qualquer outra coisa que não tem sintonia com ela. É uma pessoa viva do outro lado, lendo os sinais da criança, vendo se ela está interessada ou não”, disse Jennika Aronowitz, de 44 anos, mãe de três filhos, que já contratou babás por vídeo para o filho mais novo.
Aronowitz trabalha como corretora imobiliária em Los Angeles, agora totalmente de casa, e dedica parte de suas manhãs a ajudar o filho de 6 anos. Mas, uma vez por semana, quando precisa dar mais atenção ao trabalho, ela coloca o garoto na frente de um laptop no meio da sala, para que uma babá profissional possa brincar e conversar com ele pelo Zoom. Ela disse que é bom para os pequenos interagirem com alguém de fora da família e ganharem 100% da atenção de um adulto.
Oportunidade de negócios
A corretora usa um serviço de alto padrão de Miami, chamado Babysitting Company, que oferece seus serviços para crianças “selecionadas” nas principais cidades. A empresa ainda oferece serviços de babá pessoalmente, com novas regras e protocolos para o novo coronavírus, mas transferiu muitos de seus assistentes para sessões virtuais. A empresa cobra US$ 36 por uma sessão de vídeo de 45 minutos. Para usar os serviços, porém, os clientes devem contratar pacotes de pelo menos quatro horas, que podem ser agendadas para diferentes dias.
“Se você me dissesse que um dia iríamos oferecer um serviço desse tipo, eu jamais acreditaria. É uma profissão tão baseada no contato pessoal”, disse Rachel Charlupski, fundadora da Babysitting Company. É difícil manter a atenção da criança quando a babá não pode estar presente para se movimentar e participar de brincadeiras físicas. A Babysitting Company treinou às pressas alguns assistentes pré-selecionados, muitos dos quais se especializaram em tópicos como ioga ou idiomas.
Cada babá faz um plano antecipado de como passará o tempo da chamada de vídeo, de acordo com a idade e os interesses das crianças, propondo projetos de arte, canto, meditação e dança. Muitas vezes, as crianças têm suas próprias ideias. Um garoto de 4 anos chegou a passar toda uma sessão de 45 minutos levando comida de mentirinha para a câmera, fazendo de conta que dava de comer à babá, disse Charlupski.
De início, a empresa oferecia babás virtuais para crianças de mais de 5 anos, mas já realizou uma sessão com uma criança de 2 anos e meio de idade, e tudo funcionou bem. Ainda assim, Charlupski toma cuidado para não criar muitas expectativas nos pais. As sessões podem durar uma hora, mas ela não recomenda muito mais tempo.
Tempo de tela
As famílias mudaram radicalmente suas regras de tempo de tela durante a pandemia e estão permitindo que as crianças vejam muito mais Netflix e YouTube do que antes. Especialistas em desenvolvimento infantil concordam que não há problema em ser menos rigoroso quanto ao tempo que as crianças passam na frente das telas. Mas também apontam que nem todo o tempo de tela é o mesmo. Uma chamada de vídeo pode ser muito melhor para a criança do que assistir passivamente à televisão ou jogar um game.
Para fazer pesquisa para esta reportagem – e ter um pouco de silêncio para escrevê-la – testei uma ‘babá do Zoom’ com meus próprios filhos de 3 e 6 anos em casa. Com um velho MacBook no chão, a babá Victoria Rodriguez – que também é estudante de enfermagem – ficou brincando com alguns brinquedos, fazendo perguntas que eles às vezes responderam, desenhando, cantando “Baby Shark” e fazendo alguns movimentos de ioga. Embora as atividades mais exigentes, como o origami, não tenham dado muito certo, Rodriguez conseguiu mantê-los entretidos por 45 minutos. A parte mais difícil, disse ela, é trazê-los de volta quando eles saem do alcance da câmera.
Quando Erin Upton-Cosulich recebeu um e-mail sobre o serviço de babá virtual da UrbanSitter, ela imediatamente pensou em fazer algo parecido com suas babás comuns. Seu filho de 3 anos já tinha começado a brincar de chamada de vídeo ao ver seus pais trabalhando de casa. O esquema nem sempre o mantém ocupado pelas duas horas desejadas, diz Upton-Cosulich, e quando ele fica cansado ou ansioso, prefere a atenção dos pais. Mas, quando funciona, ajuda-a a fazer muitas coisas.
“Consigo fazer trabalhos freelancers de redação e edição em casa, geralmente com o mesmo nível de foco e produtividade que alcanço quando estou sozinha”, disse Upton-Cosulich, por mensagem de texto, uma vez que não podia falar ao telefone porque o filho exigia sua atenção.
Uma de suas babás é Alycia Bennett, de 28 anos, consultora de inteligência e risco em Columbia, Maryland, cujo trabalho foi reduzido por causa da pandemia. Babá há mais de dez anos, ela lê livros digitais com o “cliente”, por meio do compartilhamento de tela do Zoom. Ele conta a ela o que comeu de lanche e de vez em quando toca uma música em seu piano de brinquedo. Ela logo se deu conta de que prender a atenção dele pela tela é complicado e requer um certo conjunto de habilidades, como saber dominar a conversa e encarar pausas embaraçosas.
“É uma opção viável, se você estiver disposta a ser um pouco heterodoxa e experimentar”, disse Bennett. “Mas, com tudo isso acontecendo por causa da covid, não dá para ficar com as expectativas muito altas. Às vezes eles simplesmente saem andando e vão comer uma bolacha”.
Alta na demanda
A demanda por babás virtuais pode aumentar quando o ano letivo, em sua modalidade virtual, chegar ao fim no próximo mês e os pais que precisam trabalhar começarem a ter ainda menos ajuda durante o verão. Stephanie Africk, mãe de quatro filhos em Boston, enxerga a situação como uma oportunidade de negócio.
Ela lançou um site chamado SitterStream há três semanas e tem uma equipe de 38 babás virtuais que encontrou por meio de referências. Seu trabalho é fazer o contato entre elas e os pais. A empresa cobra US$ 15 por meia hora e US$ 22 por uma hora. Africk diz que já teve algumas centenas de pedidos de sessões. A empresa criou uma cartilha de atividades que as babás podem fazer com as crianças sem necessidade de suprimentos especiais, como escrever o próprio nome com massinha e cola seca.
“As pessoas usam esse serviço de maneira diferente de uma babá”, disse Africk. Enquanto o compromisso da babá antes da pandemia era de algumas horas, a babá virtual pode ser agendada por períodos mais curtos ao longo do dia – apenas o tempo suficiente para os pais realizarem tarefas domésticas, trabalharem ou até mesmo tomarem um banho.
Os pais estão sempre por perto nas sessões virtuais, as quais não substituem a supervisão de um adulto. Aronowitz fica atenta quando o filho está conversando pela chamada de vídeo e as babás da Babysitting Company têm o número de celular dos pais, caso haja algum problema. Upton-Cosulich ou o marido estão sempre a alguns metros do filho e do computador. Para a babá Bennett, a opção do serviço virtual é uma maneira de ganhar dinheiro, mas também o melhor momento do dia neste período difícil.
“É muito revigorante conversar com uma criança, porque as crianças obviamente não vão falar sobre a covid-19”, disse Bennett. “Ele tem 3 anos e só fala coisas tipo: ‘olha só meu dinossauro’. É uma folga mental muito necessária, ajuda muito”.