Pandemia do novo coronavírus e estresse pós-traumático
De repente, fomos surpreendidos com uma pandemia e uma nova realidade tomou conta do nosso dia a dia, impondo o isolamento social, entre tantos outros impactos. Alguns tiveram que se adaptar ao home office, outros perderam o emprego, atividades de lazer foram restringidas, a liberdade foi reduzida, encontro com amigos e familiares cancelados, aulas suspensas. Um turbilhão de informações catastróficas (com muitos fake news) invadiram nossas redes sociais e a capacidade de gerenciamento das nossas emoções diante de tudo isso pode ficar prejudicada se não houver resiliência nesse período.
Além do impacto psicológico da pandemia atual, o impacto psicológico da quarentena também é retratado em diversos estudos atuais. A maioria dos estudos revisados relatou efeitos psicológicos negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva em decorrência dos acontecimentos relacionados ao novo coronavírus.
Quando se trata de saúde mental, um novo alerta se acende nesse tempo de pandemia, com as emoções a flor da pele, desencadeando aumento da ansiedade, de medos, aflições e preocupações: como ficará o emocional após esse período?
Para alguns, dependendo da intensidade dessas emoções e da forma como ela será elaborada, será necessário um ‘olhar’ mais atento ao desenvolvimento do Transtorno do Estresse Pós-traumático (TEPT), que é um distúrbio da ansiedade representado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais em decorrência de testemunhar atos violentos ou de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua vida ou à vida de terceiros.
Pesquisas nos mostram ex-soldados de guerra que apresentaram sintomas de um transtorno de estresse pós-traumático após visualizaram imagens de combate. Esses dados revelam que muitas pessoas que vivenciaram ao longo da vida uma experiência traumática, por exemplo como ter vivido no período de guerra, ter sido exilado por questões políticas, experiência de perdas, entre outros eventos estressantes torna o indivíduo mais vulnerável deixando marcas na sua autoestima e prejuízos cognitivos, como na memória.
Um estudo da Sociedade Chinesa de Psicologia descobriu em fevereiro que 42,6% dos 18.000 cidadãos chineses testados apresentaram sintomas de ansiedade exacerbada relacionada ao novo coronavírus. E 16,6% dos 14.000 examinados mostraram sinais de depressão em diferentes níveis de gravidade.
Uma pessoa com Transtorno de Estresse Pós-Traumático, revive o episódio traumático como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou no passado. Essa recordação conhecida como revivescência, pode desencadear alterações neurofisiológicas e cognitivas.
De acordo com o DSM (American Psychiatric Association), que é o sistema classificatório de doenças, o estresse pós-traumático incluem 12 sintomas agrupados em três categorias: a primeira inclui sintoma de revivência ou reexperiência do evento, no qual ao menos um sintoma deve estar presente; a segunda categoria diz respeito aos sintomas de entorpecimento da responsabilidade geral, evitação e distanciamento afetivo; e o terceiro grupo de sintomas contém seis sintomas variados, entre os quais a excitabilidade aumentada, o prejuízo cognitivo, o isolamento e fuga dos estímulos associados ao trauma; a reexperiência de sintomas na presença de estímulos associados ao trauma (por exemplo dores de cabeça) e sentimentos de culpa, sendo que ao menos dois sintomas aqui citados precisam estar presentes. A pessoa também pode apresentar alterações do sono, irritabilidade e dificuldade de concentração, entre outros sintomas.
O acompanhamento psicoterapêutico é recomendado para uma pessoa que sofreu um estresse pós-traumático, e que teve suas habilidades cognitivas e principalmente memória afetadas. Esse tratamento, sendo realizado por um psicólogo poderá estimular as funções cognitivas e integrativas do cérebro, principalmente as estruturas encontradas como deficitárias em indivíduos com TEPT através do processo de sessões de terapia para ressignificar essas emoções negativas. Em algumas situações, poderão também ocorrer o acompanhamento com um médico psiquiatra, em caso da necessidade de apoio com tratamento medicamentoso.
No entanto, praticar a resiliência e empatia nesse período pode contribuir muito para não ocorrer o adoecimento emocional. Respirar diante dos momentos de maior apreensão, meditar, manter o isolamento social sem perder o afeto são recursos para fortalecer o estado emocional nesse período de adaptação a um novo mundo. Além de gerenciar a quantidade e o tipo de informação que se está tendo acesso, como números relacionados à doença, atualização de mortes, contaminados, etc. uma vez que essas práticas não são nada saudáveis para a mente.
Pratique a introspecção que o momento pede para olhar para dentro e ver que tipo de aprendizado, mudanças positivas ou novos conhecimentos podem surgir nessa fase. Ao invés de focar nos aspectos negativos que a pandemia vem impondo a nossa vida. Não se trata de um otimismo bobo, mas de consciência fundamentada para manter o equilíbrio diante da dificuldade e desta forma reduzir possíveis danos.
Dica: Baixe a cartilha da Fiocruz de Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia. Clique aqui.
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Suzana Julião é jornalista, especialista em Comunicação Organizacional e psicóloga (CRP 06/157365)