Fones de ouvido sem fio ganham espaço no Brasil
De forma quase que imperceptível, uma nova onda tecnológica ganha força no Brasil. É difícil percebê-la: está ao pé do ouvido de muitos jovens das grandes cidades. Distraídos, eles andam por aí portando acessórios pequenos, de apenas 5 gramas, capazes de reproduzirem sons sem terem de ficar presos a fios. São os chamados “earbuds” – um nome bem específico para fones de ouvido com conectividade Bluetooth, que cabem na palma da mão e podem ser facilmente perdidos. Estão em alta: segundo dados da consultoria GfK obtidos com exclusividade pelo Estado, as vendas da categoria cresceram cerca de 23 vezes no Brasil entre janeiro e outubro de 2019, contra o mesmo período de 2018.
Os fones de ouvido sem fio acompanham uma tendência de consumo de entretenimento pelo celular – algo bastante comum entre os usuários mais jovens. “No começo do ano, tinha pouca gente na escola com esses fones. Agora todo mundo tem, e quem não tem pega emprestado dos amigos”, diz a adolescente Isabela Callá, de 17 anos. Estudante do Ensino Médio, ela passa o dia todo grudada em seu iPhone XR e nos AirPods, os dispositivos da Apple na categoria.
Mas engana-se quem pensa que os earbuds são apenas aparelhos que tocam som. “São acessórios mais leves, mais automatizados com controles de voz e possuem mais integrações com o celular”, afirma Ranjit Atwal, analista da consultoria Gartner. Algumas dessas interações são simples, como botões que permitem ao usuário pausar ou pular a música, bem como aumentar o volume, apenas com o toque das mãos, sem precisar encostar no smartphone. Outras, mais complexas, incluem conversas com assistentes de voz como Siri e Google Assistant – um tipo de tarefa que, se depender das gigantes de tecnologia, só vai crescer.
Disputa entre marcas
O primeiro grande lançamento da categoria foi feito em 2016, quando a Apple anunciou os AirPods. Com preço inicial de US$ 159 nos Estados Unidos, o produto rendeu piadas pela semelhança de seu estojo branco com uma caixa de fio dental. Apesar da galhofa, a concorrência também criou seus modelos, inicialmente em um movimento tímido. Nos últimos dois anos, porém, houve uma explosão no mercado: segundo a GfK, hoje existem 67 marcas diferentes de earbuds no Brasil. Em 2017, eram apenas três.
A demanda também motiva novos lançamentos: segundo apurou o Estado, a Apple começará a vender por aqui até o Natal a nova versão de seus fones, os AirPods Pro. O preço é salgado: R$ 2,2 mil. Já a Samsung tem os Galaxy Buds, que custam R$ 1 mil. “Queremos investir em produtos que possam melhorar a experiência do usuário com o smartphone”, afirma Renato Citrini, gerente sênior de de dispositivos móveis da sul-coreana no Brasil.
Já as marcas chinesas têm contribuído para a popularização do produto. Em novembro, a Huawei lançou por aqui os FreeBuds Lite por R$ 800. Já a Xiaomi tem três aparelhos diferentes, por preços que começam em R$ 200. “Teremos mais modelos em breve. Queremos ser líderes da categoria”, diz Luciano Barbosa, diretor da Xiaomi no País.
Sem enrosco
Para o produtor de moda Everton Júnior, de 24 anos, comprar os AirPods da Apple foi uma decisão prática: seu dia a dia é andar sempre com malas e sacolas e ele estava cansado de ver os fios dos fones se enroscando nos lugares. “Para mim, é um acessório perfeito”, diz ele, que gosta de jazz e blues e passa quase o dia inteiro com os earbuds no ouvido. Até para evitar perdê-los. “Se isso acontecer, primeiro eu vou chorar e depois vou comprar outro.”
O aparelho também mudou a rotina de Júnior. “Preciso me programar para carregar os fones. Não posso correr o risco da bateria acabar e ficar sem música”, diz. Em média, a carga dos AirPods dura 5 horas – número que impressiona, dado o tamanho do aparelho.
É algo que só foi possível graças a um avanço recente: a redução do consumo de energia na tecnologia sem fio Bluetooth. “Antes, os fones tinham de ser grandes, com um compartimento só para a bateria. A evolução da tecnologia viabilizou um novo design”, diz Renato Franzin, professor da USP.
O design agrada quem pratica esportes: estudante de História e morador de Nova Andradina (MT), Gustavo Sobral pratica corrida todos os dias de manhã com ajuda dos Redmi Airdots, da Xiaomi. “O fio atrapalhava bastante na hora de fazer exercício. Agora, posso deixar o celular num canto da academia e ficar só com o fone”, diz o jovem de 19 anos, apaixonado por podcasts.
Nos campos e nas passarelas
Além do aspecto prático, os earbuds também viraram ícones de estilo – substituindo a moda dos fones grandalhões, de marcas como Beats e Monster, sempre nas cabeças dos jogadores de futebol antes das partidas. Neymar, por exemplo, trocou o Beats Studio 3 por discretos AirPods. O lateral Rafinha, do Flamengo, também surgiu usando um par deles no gramado do Monumental de Lima logo após vencer a Taça Libertadores da América.
“Os fones cumprem duas funções: atendem ao público fashionista, ligado em moda, e também representam a possibilidade de revelar status social”, diz Odair Matos Tuono, professor de moda do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). O produtor de moda Everton Júnior concorda. “Quando a Apple lançou seus produtos, meus amigos pareciam a gangue dos AirPods.”
Marcas do universo do luxo estão atentas a isso: a Chanel, por exemplo, criou uma capa para o estojo dos AirPods no formato do perfume Chanel Nº 5, imortalizado por Marilyn Monroe. Já a marca russa de acessórios de luxo Caviar vende os fones da Apple banhados a ouro, pela bagatela de US$ 67,7 mil. Ostentação fora do normal.
Para Tuono, do Senai, porém, não significa que os earbuds vão se tornar o padrão único dos fones de ouvido no futuro. “Ainda há um público específico que se interessa pelo estilo vintage e preferem os fones grandes, que cobrem os ouvidos por inteiro”, afirma. Chamados também de headphones, esses modelos também costumam ser a preferência de quem busca a melhor qualidade de som disponível no mercado.
Mas nem todo mundo concorda que os earbuds sejam dignos de ser um símbolo da moda. “Pelo contrário, acho eles bem feios”, diz o estudante Sobral.