Conteúdo se multiplicou no streaming e mudou hábito de ir ao cinema
Para descobrir as preferências do público, as bilheterias mundiais dos cinemas servem como verdadeiras bússolas sobre os hábitos dos consumidores e os futuros de uma grande produção. O que mudou desde o surgimento das plataformas de streaming é que, para conhecer seus consumidores, não é preciso ir tão longe nem mesmo sair do lugar: basta que ele aperte o play. Diante do crescimento das plataformas e da corrida por lançamento de conteúdos exclusivos, o Estado conversou com consumidores de vídeos sob demanda para entender o que está em jogo. Está valendo a pena ir ao cinema? Vamos ter que assinar cada vez mais plataformas?
Para o advogado e produtor cultural paulistano Leandro Brasilio, que assina Netflix e Amazon Prime, não há nada igual a ter o conteúdo ao toque das mãos. “A facilidade de poder assistir onde quiser, mesmo offline, foi muito atraente quando chegou ao Brasil.” Em 2021, a Netflix vai completar dez anos de atividade no Brasil e já atingiu o número de 10 milhões de assinantes, 6% de sua base no mundo. Já o streaming da Amazon desembarcou aqui há quase três anos.
A estudante Rúbia Avelar, de Florianópolis (SC), também assina a plataforma da Amazon, por conta do baixo preço, em comparação com as outras, além de Netflix, HBO Go e Globo Play. Nem tudo é para ela. A plataforma da Globo foi um pedido da mãe. “Ela pediu para assinar porque queria assistir a uma novela antiga. Com o tempo, acabei descobrindo algumas série como Killing Eve, além de poder assistir a programas da TV aberta, como Lady Night.”
A qualidade da transmissão foi o que atraiu o visual merchandiser Bruno Laurence, de São Paulo. Antes, o hábito era sempre comprar DVDs e Blu-Rays para assistir a seus filmes preferidos. “Tenho algumas coisas da Disney, filmes clássicos, shows. O problema das plataformas é seu catálogo: o usuário corre o risco de buscar uma produção específica e ela não estar mais disponível.”
Laurence está entre os fãs da Disney que aguarda com ansiedade o lançamento da Disney +, anunciado para 2 de novembro, nos EUA (ainda sem data no Brasil). E a gigante não fará por menos. Um dos objetivos é bater a líder mundial Netflix, e já há movimentos nessa direção. Basta imaginar a infinidade de franquias da companhia – Marvel, Star Wars, os sucessos da Pixar, além das animações da Disney e suas live-action. Desde que foi deflagrada a chamada streaming wars, outros estúdios, como a Warner, não estão renovando seus contratos de transmissão com a Netflix. Com o tempo, a plataforma pode ter seu catálogo enxugado. Laurence afirma que estará entre os assinantes da Disney +. “É bom que o conteúdo na plataforma seja cativo. Isso, sim, significa poder ver o que quiser e quando quiser.”
Essa forma de renovação do catálogo pode ser diferente em plataformas menores de nicho, como a Mubi, focada em clássicos – Cidadão Kane, Persona – produções independentes e títulos nacionais, de Glauber Rocha a Rogério Sganzerla. A assinatura permite o acesso a 30 filmes, inicialmente. Quando o usuário termina de assistir a uma produção, ela sai do catálogo para dar lugar a outra. “Ajuda muito para quem sempre fica indeciso diante de tanto conteúdo”, diz Brasilio. “Ainda não assinei a Mubi, mas o fato de ser uma curadoria de filmes é bem interessante.”
Outra vantagem são os pacotes-família, que permitem o uso de várias telas em uma única conta. “Com o tempo, você sempre usa a conta de um amigo e também compartilha a sua com alguém. Se assinar sozinho, não vale a pena, porque vai custar o preço de uma assinatura de TV paga”, ressalta Laurence.
Mas e quando o conteúdo não está em nenhum serviço, como filmes mais antigos e raridades? Para a analista e desenvolvedora de sistemas catarinense Solange Gamboa, os catálogos precisam se diversificar justamente para conquistar todos os públicos. “Antes de assinar qualquer plataforma, eu não encontrava alguns animes no Brasil e baixar via Torrent era a única opção.” Geralmente associado à pirataria, o Torrent é uma maneira de compartilhar arquivos entre os usuários, sem que o material esteja armazenado em um servidor ou computador – e as plataformas de streaming interromperam seu sucesso.
Os novos hábitos do público também interferiram no cinema. Os entrevistados divergem. Para alguns, a relação não mudou nada. “Continuo frequentando umas duas vezes por mês. Acho que o sentimento de ver na telona nunca vai perder o encanto para mim”, diz Rúbia. Para Brasilio, o streaming colocou em perspectiva o que significa ir ao cinema. “É preciso se organizar, conferir os horários, comprar os ingressos, sair de casa e ainda enfrentar o trânsito.” Laurence afirma que só faz esse esforço quando vale a pena. “Tem que ser uma atriz ou um ator que eu goste muito, mas em geral são os blockbusters.”
Este ano continua favorável para os super-heróis. Antes de Vingadores: Ultimato bater o recorde de Avatar, Capitã Marvel e Homem-Aranha: Longe de Casa já faziam boas temporadas, superando O Rei Leão, Aladdin e Toy Story 4. Nesse cenário, todos os entrevistados concordam que a situação não parece favorável para a TV aberta e mesmo a TV paga. Rúbia diz que a assinatura da TV a cabo continua na casa. “Mas minha família vê ocasionalmente.”