Camarinha gasta R$ 268 mil com empresas suspeitas
O gabinete do deputado estadual Abelardo Camarinha (PSB) destinou nos últimos quatro anos aproximadamente R$ 268 mil dos cofres públicos para duas empresas que funcionam no mesmo endereço, uma residência na periferia de Marília, referente a “serviços de comunicação e divulgação” sobre seu trabalho como parlamentar.
Outros políticos também destinaram recursos do mesmo modo. No entanto, os moradores do imóvel, um casal de idosos, garantiram ao Marília Notícia que ali nunca funcionou nenhum tipo de empresa [veja o vídeo no final da matéria].
Eles contaram que moram no local há aproximadamente 50 anos e sobrevivem com dois salários mínimos de aposentadoria.
As empresas estão em nome de duas filhas do casal: Izabel Fátima Ramos Pereira e Maria Lúcia de Oliveira Pereira dos Santos. Juntas, elas receberam do gabinete de Abelardo R$ 48 mil só em 2018 – exatamente R$ 24 mil para cada.
As informações sobre os valores pagos para as duas empresas constam na área de Transparência e prestação de contas da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Já os dados envolvendo o registro das pessoas jurídicas foram acessados via Receita Federal.
Detalhes
No ano passado, Izabel e Maria Lúcia receberam R$ 96 mil do gabinete de Abelardo, nos mesmos moldes.
O restante dos recursos foi repassado por ele desde 2014, quando iniciou seu terceiro mandato como deputado estadual. Os gastos do gabinete de suas legislaturas anteriores não estão disponíveis.
Os moradores do imóvel onde as empresas estão registradas contaram que uma de suas filhas, Izabel, trabalha em uma Unidade Básica de Saúde em Marília. A outra, Maria Lúcia, é faxineira. A empresa vinculada a cada uma teria recebido média de R$ 4 mil por mês em 2018 só do gabinete de Abelardo.
As duas empresas, abertas em 2010 e 2011, apesar de terem sido pagas por prestação de serviços de comunicação, estão registradas com a atividade econômica principal de “promoção de vendas”.
Dos telefones registrados na Receita Federal, um não existe e o outro é de um escritório de contabilidade.
Outros políticos
A empresa de Izabel também teria prestado serviço de distribuição de panfletos para a Prefeitura de Marília ao menos uma vez, em 2015, quando Vinícius Camarinha (PSB), filho de Abelardo, era prefeito, pelo valor de R$ 3.750.
Enquanto foi deputado estadual Vinícius também pagou com verbas do gabinete R$ 21.575 para Izabel e R$ 19.866,10 para Maria Lúcia.
As irmãs receberam ainda, da mesma forma, nos últimos anos, outras dezenas de milhares de reais de gabinetes de outros parlamentares ligados aos Camarinhas. Todos do mesmo partido.
Um deles é o deputado estadual Caio França (PSB), filho do governador e pré-candidato a continuar no palácio dos Bandeirantes Márcio França (PSB), que destinou R$ 11.160 para Maria Lúcia e R$ 18.600 para Izabel.
Outro é Airton Garcia (PSB), de São Carlos – que assumiu em 2015 quando era suplente de Abelardo, então afastado por supostos problemas de saúde. Ele destinou R$ 15 mil para Izabel.
Airton também contribuiu com outros recursos em Marília para uma gráfica que era beneficiária do gabinete de Abelardo (veja mais abaixo).
Outro deputado do PSB que aparece entre aqueles que destinaram recursos do gabinete para Izabel (R$ 6.800) e para a mesma gráfica é Júnior Aprillanti.
Ao todo, desde que estão abertas, as empresas de Izabel e Maria Lúcia receberam R$ 360.701,10 de gabinetes de deputados estaduais do PSB.
Empresas
A reportagem não conseguiu contato com Maria Lúcia. Já Izabel foi ouvida por telefone e garantiu que são prestados serviços de distribuição de panfletos e jornais todos os meses, durante aproximadamente 20 dias.
As empresas funcionariam na casa dos pais delas por serem microempreendedoras individuais (MEI), de acordo com Izabel em conversa com a reportagem.
De acordo com a mulher, entre 10 e 12 pessoas são contratadas para distribuir panfletos remetidos por Abelardo, único parlamentar que contratou sua empresa e de Maria Lúcia em 2018.
Os pagamentos, segundo Izabel, são de R$ 8 mil por mês. Ela diz que sua irmã é chamada eventualmente para ajudar no serviço. No entanto, as duas empresas receberam cifras idênticas neste ano, como citado acima.
Questionada sobre os valores pagos, Izabel garante que não são altos, já que teria gastos de R$ 35 a R$ 45 por dia com cada entregador, além do combustível do transporte e lanche em algumas ocasiões.
Aparentemente, porém, a conta não fecha, já que a média dos valores citados por ela superam a média dos pagamentos recebidos. R$ 40 por diária de 11 distribuidores durante 20 dias por mês custariam R$ 8.800. Fora o combustível, a alimentação, outras despesas e o lucro.
Sobre a possível incompatibilidade de horários, já que Izabel trabalha em uma UBS, ela negou irregularidades e contou que seu marido acompanha o serviço de panfletagem. “Prestamos serviços a mais de 10 anos”, diz ela, que diz ter outros clientes além de políticos.
Izabel também fala que não tem guardado nenhum impresso encaminhado pelo deputado Abelardo ou outros parlamentares, que pudesse comprovar a prestação dos serviços.
De acordo com ela, as empresas não ficam com materiais armazenados justamente por ser contratada para fazer a distribuição dos panfletos e jornais. Guardá-los seria uma irregularidade.
Outra polêmica
Nos últimos dias Abelardo apareceu envolvido em mais uma polêmica também relacionada a recursos de seu gabinete na Alesp. O deputado foi apontado como um dos parlamentares que mais gastou com serviços gráficos desde 2014.
A questão foi tema de reportagem da Rede Globo, que enviou jornalistas até um endereço de Marília onde está registrada uma suposta gráfica que recebeu dinheiro do parlamentar. No local, existia apenas uma casa.
O dono do CNPJ, Marco Antônio D’ávila, morador da residência e marido da vereadora mariliense professora Daniela (PR), disse que os serviços gráficos são realizados em Bauru, por uma terceirizada.
O MN no ano passado já havia denunciado na coluna do editor Gabriel Tedde os repasses de vultuosas quantias do gabinete de Abelardo para Marco Antônio.
Nos últimos três anos o deputado mariliense pagou R$ 257 mil reais para a empresa Marco Antonio D’avila Alves ME. Outros R$ 30 mil foram pagos pelo suplente dele, Airton Garcia e por Júnior Aprillanti.
Deputado
O parlamentar foi procurado pela reportagem para comentar os recursos destinados para Maria Lúcia e Izabel.
O MN questionou, entre diversas coisas, se existe como comprovar que os serviços foram prestados, além de qual é o volume mensal de materiais supostamente distribuídos pelas empresas de Izabel e Maria Lúcia.
Camarinha não quis se alongar sobre o assunto, deu uma explicação rápida e decidiu atacar o atual prefeito de Marília, seu adversário político.
“Os jornais foram produzidos, impressos e distribuídos para mais de 80 cidades paulistas. Todas as notas referentes à publicação foram submetidas ao núcleo de fiscalização da Assembleia Legislativa. Tudo legal. O prefeito Daniel gastou quase R$ 2 milhões em propaganda e ninguém fala nada, inclusive o Marília Notícia. Toda essa polêmica porque tem eleição daqui 90 dias e vão perder nas urnas”, disse Abelardo.