Tablets podem ter financiado campanha, diz MPF
O MPF (Ministério Público Federal) acredita que um suposto superfaturamento na compra de 450 tablets pela Secretária da Saúde do município em 2016 possa ter financiado a campanha do vereador Danilo da Saúde (PSB), eleito como campeão de votos na atual formação da Câmara de Marília, com mais de 3,8 mil votos.
A procuradoria chegou a pedir o afastamento de Danilo e o assessor de seu gabinete Fernando Roberto Pastorelli. No entanto, a Justiça Federal entendeu que o vereador deve seguir exercendo sua função como parlamentar e Pastorelli pode continuar no cargo comissionado.
São apurados os crimes de fraude contra licitação, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, peculato, corrupção e lavagem de dinheiro.
Oficialmente, de acordo com o Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, a campanha de Danilo para a atual legislatura recebeu R$ 56.563,57 dos quais R$ 45 mil foram aportados por ele mesmo. Sua esposa, Ana Paula Fakhouri, teria contribuído com R$ 4 mil.
Do total, 80% foram recursos do próprio candidato e com a doação da mulher os recursos chegam a quase 90% das receitas.
Danilo declarou que a totalidade de seus bens equivaleria a R$238.290,71. Assim, apenas as contribuições dele com a própria campanha seriam equivalentes a 23,7% de suas posses. Quase um quarto de tudo que Danilo possuía em seu nome teria sido aplicado para chegar ao Legislativo, segundo suas informações à Justiça Eleitoral.
De acordo com o MPF, porém, parte dos recursos da campanha podem ter saído do possível superfaturamento em aproximadamente R$ 500 mil investigado pela Polícia Federal e MPF, que resultou na Operação Reboot, na quarta-feira (7).
O gabinete do vereador e outros cinco pontos na cidade foram alvos de mandados de busca e apreensão expedidos pela 3ª Vara da Justiça Federal de Marília. Também foram cumpridos mandados em outras quatro cidades paulistas.
A empresa que venceu a licitação com sérios indícios de fraudes é a Kao Sistemas de Telecomunicações Ltda, de propriedade de Fakhouri Júnior, irmão de Ana Paula e cunhado de Danilo. A sede da empresa também foi um dos locais visitados ontem pela PF em Marília.
O MPF também chama a atenção para o fato de que o pai de Fakhouri Júnior, Faouzir Toufic Fakhouri, teria doado recursos para as campanhas de Danilo a vereador em 2012 e 2008, ocasiões em que ele não conseguiu uma cadeira na Câmara.
A reportagem do Marília Notícia descobriu que Faouzir Toufic Fakhouri doou R$ 3,3 mil para a campanha de 2012 de Danilo. Não foi possível consultar as informações da prestação de contas de 2008.
Entenda
As três empresas que participaram da cotação de preços em março de 2016 seriam ligadas a Fakhouri Júnior, segundo apuração do MPF iniciada após representação da entidade de controle social formada por membros da sociedade civil Matra (Marília Transparente).
O Comus (Conselho Municipal de Saúde) também entrou em alerta com o certame suspeito durante a aprovação de contas daquele ano.
Conforme o MPF, entre o final do ano de 2015 e o começo do ano de 2016, devido ao surto de casos de dengue que atingia Marília, dois gestores da Secretaria de Saúde, Danilo Augusto Bigeschi, então servidor da secretaria, e Fernando Roberto Pastorelli, que atuava como secretário interino da Saúde, entenderam que era preciso comprar 450 tablets.
O objetivo seria a utilização dos aparelhos portáteis pelos agentes de saúde e endemia do município. Para a compra foram usados recursos provenientes do Ministério da Saúde. Danilo é apontado especificamente como idealizador do pregão.
As investigações indicam que houve “indevida restrição ao caráter competitivo da licitação da Prefeitura de Marília, com a inclusão de pré-requisitos totalmente incompatíveis com o objeto da contratação. Curiosamente, tais exigências foram preenchidas pela empresa Kao Sistemas de Telecomunicações Ltda, de propriedade de Fakhouri Júnior, declarada a vencedora da concorrência”.
Na licitação da Secretaria de Saúde cada tablet custou R$ 2.350,00, totalizando R$ 1,057 milhão, pago pela prefeitura à Kao.
Pouco tempo depois, o município pagou R$ 679,33 por tablet em licitação realizada pela Secretaria da Educação de Marília, nas quais eram requeridas as mesmas especificações técnicas, garantia e suporte por parte da empresa fornecedora. O valor unitário da licitação na Educação foi 71,10% menor que o valor pago pela Saúde Municipal.
Outras irregularidades na compra dos tablets também foram descobertas, como a modalidade de licitação escolhida, que foi a menos vantajosa para o município. Também foram indeferidos recursos de outras empresas interessadas em participar da licitação.
Não houve a chamada ampla divulgação da licitação e a Kao “utilizou documento falso na licitação, uma vez que somente 22 dias após o pregão a empresa incluiu em seu objeto social que também atuava no ramo de equipamentos de telefonia e comunicação”, diz o MPF.
A procuradoria explica que apesar de Danilo e Pastorelli terem sido mantidos em seus cargos atuais pela Justiça Federal, caso eles voltem para suas ocupações originais na Saúde do município, já que ambos são concursados na pasta, a decisão pode ser revista.
Prefeitura
A Prefeitura de Marília também foi um dos pontos visitados pela PF na operação Reboot e emitiu nota sobre o assunto.
“Foi instaurada Sindicância Investigativa através da Portaria n º 32991/17, em decorrência de Requerimento nº 2271/16 do Vereador Mário Coraíni Júnior encaminhado pelo Ofício da Câmara Municipal de Marília nº 14101, ao qual solicitava investigação para apurar denúncias de irregularidades na compra de 450 ‘tablets’ para uso de Agentes de Saúde do Município, cujo valor da compra ocorreu no montante de R$ 1,057 milhão, vendidos pela Empresa ‘Kao Sistemas de Telecomunicações’, compra esta reprovada pelo Conselho Municipal de Saúde em setembro de 2016”, diz o informe da Prefeitura.
O documento ainda afirma que eventuais irregularidades ocorreram na “administração passada e as providências foram tomadas logo no início desta administração. A Sindicância Investigativa tramita junto à Corregedoria Geral do Município e encontra-se em fase de instrução com oitiva de testemunhas e colheita de documentos”.
Outro lado
A reportagem procurou o vereador Danilo Bigeschi na quarta-feira e por meio de assessoria de imprensa ele informou que “desconhece qualquer irregularidade em compra de equipamentos e serviços pela Secretaria Municipal de Saúde. Ele enfatiza ainda que nunca participou de processos licitatórios e que trabalha na secretaria há 20 anos como servidor público concursado, que possui ficha limpa, reputação ilibada e sempre se colocou à disposição da Justiça quando solicitado. Eleito pela primeira vez para vereador em 2016, ele reitera a todos que continuará trabalhando em prol da população, que repudia denúncias infundadas associadas ao seu nome e que confia na Justiça dos homens e de Deus”.
Ainda em 2016 a empresa que venceu a licitação dos tablets da Saúde enviou a seguinte nota ao MN:
“A KAO SISTEMAS DE TELECOMUNICAÇÕES, que atende pelo Nome Fantasia de W3 TELECOM, empresa que exerce suas atividades com o foco exclusivo na comercialização de bens e serviços a empresas e grupos econômicos, universidades, hospitais e prefeituras, com sede há mais de 10 (dez) anos na cidade de Marília, vem realizando suas atividades empresariais normais, tanto nesta comarca como na Capital do estado e em clientes por todo o Brasil, o que certifica a expertise para a realização de suas atividades com reconhecida eficiência, vem a público esclarecer que: 1. Participou do PREGÃO PRESENCIAL N.° 135/2016, tendo apresentado melhor proposta de preço e qualificação técnica para a prestação dos serviços contratados, sendo vitoriosa no certame; 2. Nunca foi procurada por qualquer pessoa, instituição pública ou privada, ou ONG para dar quaisquer esclarecimentos sobre o processo licitatório que participou e ganhou. A empresa tem seus telefones divulgados para seus clientes, cadastros em fornecedores e website (www.w3telecom.com.br), inclusive no serviço de auxílio à lista da Embratel com o nome KAO SISTEMAS DE TELECOMUNICAÇÕES LTDA; 3. Que a contratação, além da compra dos tablets consistem nos serviços de manutenção dos aparelhos e suporte técnico aos usuários, cujos serviços estão à disposição da Prefeitura Municipal de Marília desde o dia 01/08/2016. Desconhecemos quaisquer ilegalidades na referida contratação e permanecemos á disposição do Conselho Municipal de Saúde e a imprensa para os esclarecimentos que se fizerem necessários”.
A reportagem não conseguiu contato com os demais envolvidos. O espaço está aberto para manifestação.