Videogames estão atrasando a produção de automóveis
Os fabricantes de automóveis se prepararam para a crise quando a pandemia surgiu. Eles esperavam interrupções na cadeia de suprimentos e vendas em queda livre. Mas nunca imaginaram que um ano depois, um de seus maiores problemas seriam os PlayStations.
A forte demanda por videogames, computadores pessoais e outros eletrônicos por todos aqueles presos dentro de casa sugou o estoque de semicondutores, forçando as montadoras de todo o mundo a lutar pelos chips que se tornaram tão essenciais para a mobilidade quanto a gasolina ou o aço.
Praticamente nenhuma montadora tem sido poupada. A Toyota suspendeu as linhas de produção na China. A Fiat Chrysler interrompeu temporariamente a produção nas fábricas de Ontário e do México. A Volkswagen tem alertado sobre problemas de produção em fábricas na China, na Europa e nos EUA. A Ford disse na semana passada que estava parando uma fábrica em Louisville, Kentucky, por uma semana devido à escassez.
Quando a covid-19 surgiu, os fabricantes de automóveis reduziram as compras de chips em antecipação à queda nas vendas. Ao mesmo tempo, os fabricantes de semicondutores mudaram suas linhas de produção para atender às demandas crescentes de chips usados em produtos como laptops, webcams, tablets e smartphones 5G.
As empresas também atualizaram sua infraestrutura digital para lidar com reuniões online e funcionários que trabalham de casa, enquanto as empresas de telecomunicações investiram em infraestrutura de banda larga, aumentando ainda mais a demanda por semicondutores.
Porém, as vendas de automóveis se recuperaram mais rápido do que o esperado no final de 2020, pegando todos desprevenidos. A escassez de chips que se seguiu deve durar ao longo de 2021, porque os fabricantes de semicondutores podem levar de seis a nove meses para realinhar a produção.
“O consumo de produtos eletrônicos explodiu”, disse Dan Hearsch, diretor administrativo da empresa de consultoria AlixPartners. “Todo mundo queria comprar um Xbox, um PlayStation e laptops, enquanto o automóvel estava parado. Então, o setor automotivo voltou mais rápido do que o esperado, e é aí que se chega nesse problema.”
Embora não se espere que a escassez faça com que os preços dos automóveis subam muito, os compradores podem ter que esperar mais para comprar os veículos que desejam.
Tempestade perfeita
Durante a última década, os fabricantes de automóveis tornaram-se cada vez mais dependentes da eletrônica para aumentar o apelo de seus produtos, adicionando recursos como telas sensíveis ao toque, controles e transmissões computadorizados do motor, conexões integradas de celular e Wi-Fi e sistemas anticolisão que usam câmeras e outros sensores.
Os carros novos podem ter mais de cem semicondutores e a falta de um único componente pode causar atrasos na produção ou paralisações, disseram analistas e consultores do setor.
A pressão de longo prazo sobre os fabricantes de chips para controlar os custos de produção também têm seu papel. As empresas de semicondutores que abastecem a indústria automobilística, como Infineon, NXP Semiconductors e Renesas, optaram por ter seus chips mais avançados feitos para elas por serviços de manufatura externos, conhecidos como fundições. Mas os fabricantes também mantêm suas próprias fábricas para fazer chips automotivos mais simples, frequentemente fabricando-os em pastilhas de silício de 20 cm em vez de discos de 30 cm usados em fábricas mais modernas.
Montadoras com fábricas usando pastilhas de 20 cm mais antigas não foram capazes de aumentar a produção facilmente. Elas não haviam investido muito recentemente em novos equipamentos, que agora são mais difíceis de encontrar porque essa tecnologia é mais antiga, disse Syed Alam, diretor global para o escritório global de consultoria de semicondutores da Accenture.
A geopolítica também teve influência. Em setembro, o governo Trump impôs restrições à Semiconductor Manufacturing International Corp., principal fundição da China, que produz chips para carros e muitos outros setores. Os clientes da empresa começaram a procurar alternativas, gerando competição adicional por suprimentos de chips de outras fundições, disse Gaurav Gupta, vice-presidente da empresa de pesquisa Gartner.
Efeito inesperado
A crise do chip é um exemplo de como a pandemia tem abalado a economia global de maneiras imprevisíveis. As montadoras esperavam enfrentar a escassez da cadeia de suprimentos e as fábricas fecharam no início de 2020 por medo de que os trabalhadores infectassem uns aos outros ou porque os caminhões com as peças paralisaram suas entregas. A maioria das fábricas de automóveis dos EUA interrompeu a produção por cerca de dois meses no semestre passado..
Mas os fornecedores e as montadoras rapidamente encontraram maneiras de conter o contágio dentro das fábricas e iniciaram as linhas de montagem novamente. O impacto na maioria dos suprimentos de peças foi menor do que o esperado.
A escassez de semicondutores aconteceu de modo inesperado, atingindo a indústria em um momento perigoso. As vendas despencaram em todo o mundo. Na Europa, por exemplo, elas caíram 25% em 2020.
Isso tudo está acontecendo enquanto os fabricantes de automóveis estão tentando navegar por uma mudança na tecnologia básica de motores de combustão interna para baterias, o que os sujeitou a uma nova competição com a Tesla, a montadora mais valiosa do mundo, e com as emergentes chinesas, como a Nio.
Exatamente por quanto tempo a escassez vai durar não está claro. Pode levar de 20 a 25 semanas a partir do momento em que novos pedidos são feitos para que os chips sejam produzidos e funcionem dentro da cadeia de suprimentos para chegar aos carros, disse Michael Hogan, vice-presidente sênior da GlobalFoundries, uma grande fabricante de chips que atende a indústria automotiva e outros mercados.
“Estamos fazendo tudo o que é humanamente possível para priorizar nossa produção automotiva”, disse Hogan.
Mas levará tempo para que os fabricantes de semicondutores recuperem a produção em atraso. Enquanto isso, PlayStations têm prioridade.
“O setor automotivo voltou à ativa, mas não é mais prioridade na linha de produção de chips”, disse Gary Silberg, chefe global de análise do setor automotivo da KPMG.