Guerra na Ucrânia testa poder das gigantes da tecnologia
A invasão da Ucrânia pela Rússia tornou-se um momento geopolítico decisivo para algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, já que suas plataformas se transformaram em importantes campos de batalha para uma guerra de informações paralela e seus dados e serviços passaram a ser componentes vitais no conflito.
Nos últimos dias, Google, Meta, Twitter, Telegram e outras empresas têm sido obrigadas a tentar entender como exercer esse poder, presas entre as exigências crescentes das autoridades ucranianas, russas, da União Europeia e dos Estados Unidos.
Na sexta-feira, 25, os líderes ucranianos suplicaram à Apple, Meta e ao Google para limitar seus serviços na Rússia. Então, o Google e a Meta, que é proprietária do Facebook, proibiram a mídia estatal russa de vender anúncios em suas plataformas. Sundar Pichai, CEO do Google, também conversou com as principais autoridades da UE a respeito de como combater a desinformação russa.
Ao mesmo tempo, o Telegram, aplicativo de mensagens bastante usado na Rússia e na Ucrânia, ameaçou desativar canais relacionados à guerra por causa da desinformação desenfreada. E, nesta semana, o Twitter disse que sinalizaria todas as publicações com links para meios de comunicação estatais russos, e a Meta e o YouTube disseram que restringiriam o acesso a alguns desses veículos em toda a UE para prevenir a propaganda de guerra.
Para muitas dessas empresas, inclusive Facebook, Google e Twitter, a guerra é uma oportunidade de recuperar suas reputações depois de enfrentarem controvérsias nos últimos anos em relação à privacidade, domínio do mercado e como elas espalham conteúdo tóxico e polêmico. Elas têm a chance de mostrar que podem usar sua tecnologia para o bem de um modo que não é visto desde a Primavera Árabe em 2011, quando as redes sociais conectaram ativistas e foram aclamadas como um instrumento para a democracia.
Mas as empresas de tecnologia encaram decisões complicadas. Qualquer passo em falso pode custar caro, dando mais força às iniciativas na Europa e nos EUA para regular suas atividades ou levando a Rússia a bani-las completamente.
Executivos dessas empresas estão avaliando o que fazer, disseram funcionários. Se o Google, a Meta, o Twitter e outras tomarem medidas e isso não acontecer com todas as empresas do setor, elas podem ser acusadas de fazer muito pouco e parecerem indiferentes. Mas limitar muitos serviços e informações talvez também faça com que os russos fiquem sem acesso ao debate digital que pode neutralizar a propaganda estatal.
“Essas empresas querem todos os benefícios de monopolizar as comunicações do mundo sem nenhuma responsabilidade de se envolver na geopolítica e ter que tomar partido”, disse Yael Eisenstat, pesquisadora do Instituto Berggruen, um think tank de Los Angeles, que anteriormente liderou as operações de integridade eleitoral do Facebook. Segundo ela, de muitas maneiras, as empresas de tecnologia estão “em um dilema em meio a uma crise internacional”.
Muitas das empresas têm agido com cautela, disse Marietje Schaake, especialista em políticas de tecnologia e ex-integrante do Parlamento Europeu. Embora o Google e a Meta tenham impedido a mídia estatal russa de vender anúncios em seus sites na semana passada, as empresas não proibiram os veículos de comunicação, como muitos formuladores de políticas solicitaram.
Conforme os conflitos se intensificaram, as empresas adotaram medidas adicionais. No domingo, o departamento de mapas do Google parou de exibir informações de tráfego dentro da Ucrânia devido a preocupações de que isso poderia criar riscos à segurança por mostrar onde as pessoas estavam se reunindo. O Facebook anunciou que tirou do ar uma campanha de influência de apoio ao Kremlin e outra de hackers que visavam usuários da rede social na Ucrânia.
Na segunda-feira, 27, o Twitter começou a sinalizar todos os tuítes com links para veículos de comunicação estatais russos para que os usuários estejam cientes das fontes de informação. Desde que o conflito na Ucrânia começou, os usuários tuitaram links para a mídia estatal cerca de 45 mil vezes por dia, disse a empresa.
Marietje, que atualmente é diretora de políticas internacionais do Centro de Políticas Cibernéticas da Universidade Stanford, disse que as medidas não foram suficientes. Ela disse que as empresas devem bloquear os canais de propaganda russos e pôr em vigor políticas mais claras sobre suas convicções em relação aos direitos humanos e à democracia que possam ser adotadas não apenas na Rússia.
“As intervenções sob enorme pressão também destacam o que não é feito há muito tempo”, disse ela.
Outros alertaram que haveria consequências negativas caso as plataformas sejam bloqueadas na Rússia. “É o lugar mais importante para o debate público a respeito do que está acontecendo”, disse Andrei Soldatov, jornalista russo e especialista em censura. “Ninguém consideraria como um bom sinal se o Facebook impedisse que os cidadãos russos tivessem acesso a ele.”
O Google disse que continua monitorando a situação na Ucrânia e o Twitter declarou que leva a sério seu papel no conflito. O Facebook não quis se pronunciar.
As pressões sobre o Telegram
A experiência do Telegram ilustra as pressões conflitantes. O aplicativo é popular na Rússia e na Ucrânia para compartilhar imagens, vídeos e informações sobre a guerra. Mas também se tornou um espaço para espalhar desinformação sobre a guerra, com imagens não verificadas de campos de batalha.
No domingo, Pavel Durov, fundador do Telegram, postou para seus mais de 600 mil seguidores na plataforma que ele estava considerando bloquear alguns canais relacionados à guerra dentro da Ucrânia e da Rússia porque eles poderiam agravar o conflito e incitar o ódio étnico.
Os usuários responderam com inquietação, dizendo que dependiam do Telegram para ter acesso a informações independentes. Menos de uma hora depois, Durov voltou atrás.
“Muitos usuários nos pediram para ponderar não desabilitar os canais do Telegram durante o período de conflito, já que somos a única fonte de informação para eles”, escreveu. O Telegram não respondeu ao convite para se pronunciar em relação ao tema.
Dentro da Meta, que também é dona do Instagram e do Whatsapp, a situação tem sido “caótica” devido ao volume de desinformação russa em seus aplicativos, disseram dois funcionários que não estavam autorizados a se manifestar publicamente. Os especialistas russos da equipe de segurança da Meta, que identifica e remove desinformação promovida pelo Estado no Facebook e no Instagram, têm trabalhado sem parar e se comunicado com frequência com Twitter, YouTube e outras empresas acerca de suas descobertas, disseram dois funcionários.
A equipe de segurança da Meta há muito debate se deve restringir a agência de notícias Sputnik e a rede de televisão Russia Today, dois dos maiores veículos de mídia estatal russa, em suas plataformas ou sinalizar suas publicações para deixar claro que são fontes estatais. A Russia Today e a Sputnik são “elementos importantes no ecossistema de desinformação e de propaganda da Rússia”, de acordo com um relatório de janeiro do Departamento de Estado dos EUA.
Os executivos da Meta resistiram às medidas, alegando que elas irritariam a Rússia, disseram os funcionários. Mas, depois do início da guerra, Nick Clegg, vice-presidente de assuntos e comunicações globais da Meta, anunciou na segunda-feira que a empresa restringiria o acesso à Russia Today e à Sputnik em toda a União Europeia.
Exigências
As empresas de tecnologia agora enfrentam dois principais tipos de exigências relacionadas à guerra dos governos.
A Rússia está pressionando as empresas para censurar cada vez mais as postagens nas redes sociais e outros locais onde as informações circulam dentro do país. Moscou já limitou bastante o acesso ao Facebook e ao Twitter, e o mesmo deve acontecer provavelmente em breve com o YouTube. Na segunda-feira, a Rússia exigiu que o Google impedisse anúncios em sua plataforma relacionados à guerra. A exigência veio acompanhada de uma ordem no domingo para suspender as restrições aos meios de comunicação pró-Kremlin em relação à Ucrânia, sem dizer como iria fazer cumprir a determinação.
Ao mesmo tempo, autoridades ocidentais estão pressionando as empresas para bloquear a mídia e a propaganda estatal russa. Na segunda-feira, os líderes da Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia escreveram para Meta, Google, YouTube e Twitter solicitando que elas desativem contas pró-Kremlin e perfis oficiais do governo, entre elas as da Russia Today e da Sputnik.
“Os servidores de plataformas online e as empresas de tecnologia precisam se posicionar à medida que regimes autoritários buscam transformar em arma a abertura de nossas sociedades para minar a paz e a democracia”, dizia a carta.
Na França, Cédric O, ministro para assuntos digitais do país, se reuniu na segunda-feira com Susan Wojcicki, chefe do YouTube. Em uma ligação um dia antes, Pichai, o CEO do Google, e Vera Jourova e Thierry Breton, dois dos principais formuladores de políticas da UE, discutiram o combate à desinformação promovida pelo Estado russo.
Na sexta-feira, o vice-primeiro-ministro da Ucrânia solicitou que Meta, Apple, Netflix e Google restringissem o acesso a seus serviços na Rússia para isolar o país. “Precisamos do seu apoio”, dizia sua carta ao YouTube. Os formuladores de políticas dos EUA também fizeram pedidos para reprimir a propaganda russa.