Dono do TikTok queria unir EUA e China, mas fracassou
Zhang Yiming, 37 anos, o empreendedor por trás do TikTok, tomou diversas precauções quando se propôs a domar a barreira mais traiçoeira do mundo: aquela que separa a internet da China do restante do planeta.
Ele tornou o TikTok indisponível na China para evitar que os usuários do app ficassem sujeitos aos requisitos de censura do Partido Comunista. Contratou gerentes nos EUA para administrarem o aplicativo e lobistas em Washington. No fim, nada disso ajudou muito. Com o TikTok negociando agora uma venda para a Microsoft sob intensa pressão do presidente Donald Trump, a muralha digital entre China e EUA está se mostrando mais alta do que nunca.
Fundada há 8 anos, a gigante chinesa ByteDance, dona do TikTok, é a primeira história de sucesso global da internet da China. Porém, nunca foram totalmente dissipadas as suspeitas de que o TikTok não resista à pressão de Pequim caso seja obrigado a entregar ao governo dados de usuários. Isso pode obrigar a ByteDance a repensar suas ambições internacionais.
Enquanto ainda reinava a incerteza quanto ao posicionamento de Trump sobre as negociações entre Microsoft e TikTok, a ByteDance emitiu um comunicado reiterando seu compromisso com a expansão global. “Nesse processo, estamos enfrentando todos os tipos de dificuldades complexas e inimagináveis”, disse a empresa.
O comunicado citava o tenso ambiente geopolítico, e criticava o Facebook por sua “difamação e plágios”.
Nerd
Para Zhang, o choque entre o TikTok e o governo Trump ensina muito a respeito das relações com os governos nacionais, mas não é a primeira situação do tipo que ele enfrenta.
Ele é do tipo mais nerd. Consertava computadores na época da faculdade e parece mais interessado em conversar a respeito de algoritmos e do fluxo da informação. Durante muitos anos, ele ecoou Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, dizendo que administrava uma empresa de tecnologia, e não um veículo de mídia. “Não posso decidir com clareza se algo é bom ou ruim, se é de bom gosto ou mau gosto”, disse à revista chinesa Caijing em 2016.
Zhang disse ter estudado o rápido crescimento de outra empresa chinesa no exterior para entender como alcançar esse resultado. A empresa estudada foi a Huawei.
A escolha dele foi visionária, mas talvez não da maneira que ele pretendia. Faz anos que o governo Trump tenta enfraquecer a fabricante de equipamento de telecomunicações.
O crescimento internacional era o principal objetivo quando Zhang começou a negociar com o Musical.ly, app chinês que fez sucesso nos EUA e Europa. No fim de 2017, a ByteDance concordou em comprar o Musical.ly por US$ 1 bilhão. A empresa viria a integrar o aplicativo ao TikTok, conferindo-lhe uma cabeça no Ocidente que acabaria abrindo as portas para um sucesso maior.
Conforme o TikTok se tornou um sucesso nos EUA, surgiram preocupações com a possibilidade de o aplicativo censurar conteúdo que pudesse desagradar Pequim. No fim de 2019, o The New York Times relatou que a Comissão de Investimento Estrangeiro dos EUA (CFIUS) estava analisando a compra do Musical.ly.
Com a pressão aumentando, alguns dos investidores e conselheiros de Zhang apresentaram ideias para distanciar o TikTok da ByteDance, entre elas a reorganização da estrutura corporativa ou jurídica do TikTok.
Mas, em vez de uma ampla reestruturação, Zhang optou por uma troca no pessoal. Ele substituiu executivos da ByteDance na China e disse que dedicaria mais tempo e energia pessoais à Europa e aos EUA.
A ByteDance também embarcou em uma campanha de lobby em Washington para vender a ideia segundo a qual a lealdade do TikTok seria aos EUA, e não à China. Em reuniões com legisladores, os lobistas enfatizaram o fato de que muitos membros do seu quadro diretor residem nos EUA.
As investigações do governo Trump seguiram mesmo assim. Em junho, depois que Trump fracassou em atrair grandes multidões para um comício de reeleição, usuários do TikTok disseram ter organizado um trote no qual se inscreveram para obter ingressos, mas não participaram do evento. No início de julho, o secretário de Estado, Mike Pompeo, comentou a possibilidade de banir o app por questões de segurança.
Em carta aos funcionários, Zhang fez a crise recente parecer mais um problema técnico do que uma ameaça existencial encarnada na forma de forças geopolíticas hostis.
Ele escreveu que a empresa enfatizou sua disposição em fazer alterações técnicas para sanar as preocupações americanas, mas a ordem de vender o negócio veio mesmo assim. “Não concordamos com a decisão, pois sempre insistimos em proteger a segurança dos dados dos usuários, a neutralidade da plataforma e a transparência.”