Como o YouTube se tornou o principal streaming de música do mundo
Nada de Spotify, Apple Music, SoundCloud. E definitivamente nada de Tidal, Pandora ou Amazon. Para jovens ouvintes, o YouTube é rádio (amplamente acessível), coleção de discos (espantosamente vasta), MTV (parcialmente visual), Walkman (totalmente portátil), iTunes (mediante pedido), correio online (os comentários abundam) – tudo em um só lugar. Os números garantem: um bilhão de visitantes procuram música no YouTube a cada mês, segundo o Google. É um triunfo bizarro para uma empresa que estava empenhada em tornar obsoleta nossa televisão. Enquanto a guerra do streaming avança para o futuro, um site que nunca pretendeu de verdade se tornar uma plataforma de música acidentalmente se converteu na mais visitada e mais variada dessas plataformas.
Isso significa que não podemos mais pensar no YouTube simplesmente como um negócio, mas teremos de pensar nele como uma experiência auditiva.
Muitas descobertas musicais no YouTube começam pela curiosidade. Tecle algumas palavras-chave na barra de buscas, ouça a música que procurava depois permita que o algoritmo o conduza para onde ele escolher. Procure um ponto de partida e viaje. Se se entediar, comece de novo. Enquanto isso, o algoritmo do YouTube, alimentado pelo Google, estará tentando descobrir seus gostos, mesmo quando levar você para outras áreas que não a música.
Digamos que seu ponto de partida seja uma nova canção de Anitta. Em outros serviços de streaming, você encontrará essa música ao lado de outros sucessos da cantora e hits do funk brasileiro. Mas no YouTube, onde as indicações são modeladas por seu histórico de buscas, essa mesma canção pode estar ao lado de uma aula sisuda, uma esquete do Porta dos Fundos, a visita de Sergio Moro ao Congresso ou o vídeo caseiro de um pato e um gatinho que são amigos. Nesse sentido, o YouTube situa uma música e o prazer de ouvi-la no contexto maior de toda a mídia, de toda a experiência: num banheiro, numa família, numa democracia, numa visão otimista da convivência interespécies.
É fácil ficar atordoado nesse universo. O YouTube é vasto e confuso, cheio de distrações, e assim propõe a você coisas que um serviço tradicional de streaming não propõe. Ouvir música no site principal do YouTube exige engajamento verdadeiro. Para usufruir mais da plataforma você precisa foco, persistência, senso de aventura – virtudes do bom ouvinte.
Na conferência de música e tecnologia South By Southwest 2018, a presidente do YouTube, Susan Wojcicki, disse: “Na realidade, somos mais como uma biblioteca”. É uma ideia tentadora, mas o YouTube não parece uma biblioteca. É caótico demais, imprevisível demais, cheio de armadilhas e jardins secretos, de coisas que você não conhece e de coisas que preferiria não ter conhecido.
O YouTube se parece mesmo é com o mundo, e uma das razões disso é que o mundo está ali. O YouTube não é apenas uma jukebox carregada com gravações feitas industrialmente em estúdio. É uma plataforma com conteúdo gerado pelos usuários, o que significa que ela está cheia de pirataria, cenas cortadas, performances ao vivo, entrevistas e muito mais. A qualidade do som está em toda parte, assim como a música. No YouTube, você tem Marvin Gaye cantando o hino nacional da final do NBA, Joni Mitchell tocando saltério na BBC, centenas de bandas podreiras.
As joias mais raras garimpadas em lojas de discos e gravações antigos podem se materializar na tela. Vou lembrar sempre da excitação que senti ao ouvir o rapper californiano Suga Free num registro feito em camcorder por volta de 1995.
O mais espantoso é que eu nunca procurei por essa música – em sabia que ela existia. Mas o YouTube, mantendo sobre mim por tantos seu olho que vê tudo, sabia que eu adorava gantsta rap da Los Angeles dos anos 1990 e suspeitou que eu pudesse gostar da apresentação de Suga Free.
Isso não significa que você vá encontrar um tesouro no fim de cada arco-íris. As sugestões feitas por “Up Next” são responsáveis por mais de 70% do tempo que os usuários gastam no site – fato que apareceu numa recente matéria do The New York Times sobre como nacionalistas brancos estão se radicalizando no YouTube. A empresa diz que está investindo contra conteúdos tóxicos, mas por muitos anos não viu problemas em dirigir usuários a nichos perigosos em nome do engajamento.
Nossa vida de ouvintes sempre foi moldada por pessoas que não conhecemos, muitas delas presumivelmenten de boa índole – DJs, jornalistas de música, funcionários de lojas de discos. Mas, como em todo serviço de streaming, o algoritmo do YouTube procura substituir esses guias culturais.
Enquanto você vê o YouTube, o YouTube observa você. Ele procura conhecer você melhor que seus amigos de música conhecem, num esforço para bombardear seus olhos e ouvidos com anúncios numa sequência sem fim. O algoritmo fará tudo para levá-lo a permanecer na plataforma.
O YouTube não tem limites discerníveis, e assim não impõe nenhuma pressão específica sobre a música que apresenta. Ao contrário, o limite é nosso tempo. Outros serviços de streaming de música estão atentos a nosso tempo. Eles querem que o usuário se sinta seguro na imensidão paralisadora na zona de conforto desenhada para reforçar nossos gostos. Não o YouTube. Ele promete horizontes. Isso tem a ver com ouvintes adolescentes mantendo os ouvidos na plataforma.