Startups eliminam toneladas de carbono da atmosfera, mas alto custo dificulta avanços
Em Hellisheidi, cerca de meia hora de Reykjavik, capital da Islândia, oito caixas de aço se impõem em uma paisagem dominada pela neve. Cada torre tem o tamanho de um contêiner marítimo, e todas são equipadas com ventiladores e camadas de filtragem movidos à energia geotérmica.
O objetivo é remover toneladas de gás carbônico, o CO2, da atmosfera – algo como um purificador de ar a nível molecular, de impacto planetário.
Pode parecer coisa de ficção científica, mas é o que a empresa suíça Climeworks tem feito. O complexo, em operação desde 2021, leva o nome de Orca e foi a primeira planta de larga escala de captura direta de carbono da atmosfera um ramo conhecido como DAC, na sigla em inglês – do mundo. Ela é capaz de remover, todo ano, 4.000 toneladas de CO2 do ar, o equivalente às emissões anuais de 850 carros.
A startup se prepara para inaugurar outra ainda maior no próximo mês de maio: a Mammoth (mamute, em inglês), com capacidade de remover 36.000 toneladas anualmente. É a mesma tecnologia da “irmã” mais velha, mas dez vezes mais potente.
Quando inaugurada, Mammoth será a maior usina do mundo voltada para a captura direta de carbono da atmosfera. Serão 60 contêineres, postos de pé em cerca de 18 meses.
A velocidade é um caso raro, ainda mais em uma área incipiente. Hoje, de acordo com a IEA (Agência Internacional de Energia), existem 27 usinas do tipo em operação no mundo, que extraem, anualmente, 10 mil toneladas de gás carbônico do ar. A construção desse tipo de complexo leva de dois a seis anos para ser concluída, e, atualmente, existem ao menos 130 usinas em desenvolvimento, das mais avançadas às ainda em fase conceitual.
Se todas saírem do papel, a IEA estima que elas serão capazes de remover 75 milhões de toneladas da atmosfera até 2030 – o necessário para que o setor DAC cumpra a sua parte na meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050, chamada de “net zero”.
Mas há uma grande ressalva que freia o otimismo: boa parte dos projetos em desenvolvimento estão nas fases iniciais e ainda não tem fonte de financiamento definida.
“O que fazemos como [indústrias de] DAC exige muito capital intensivo”, diz Peter Freudenstein, gerente de política climática da Climeworks, em entrevista à Folha.
“Estamos essencialmente construindo instalações industriais de grande escala, e isso tem muitos custos, ainda mais ao pensar que são as primeiras do mundo. Precisamos de uma boa interação de diferentes partes interessadas [na remoção de carbono], de investidores a clientes pioneiros que entendem o que está em jogo e que remover carbono é uma necessidade.”
A principal fonte de receita da Climeworks, assim como de outras startups pares do setor, como a canadense Carbon Engineering, é o mercado voluntário de carbono, ou seja, grandes empresas, com grandes carteiras, que querem atingir metas ambientais através da compra de créditos de carbono como forma de compensar as próprias emissões.
No portfólio da startup estão gigantes como Microsoft, BCG (Boston Consulting Group), JPMorgan Chase, UBS e Shopify, que injetaram milhões de dólares para a remoção de toneladas de CO2 da atmosfera e deram celeridade à construção da Mammoth.
O problema é que nem todas as empresas do setor têm o cofre cheio. O método DAC é o mais caro de todas as tecnologias de CCUS (captura, uso e armazenamento de carbono, na sigla em inglês), uma sopa de letrinhas cuja importância no combate ao aquecimento global vem sendo reforçada por órgãos internacionais de autoridade máxima em questões climáticas.
Para o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, por exemplo, remover carbono da atmosfera, e não “só” zerar as emissões, é uma tarefa crucial para impedir que as temperaturas do planeta fiquem 1,5 °C mais quentes do que nos tempos anteriores à Revolução Industrial.
“É a mesma lógica dos oceanos”, diz Freudenstein. “Nós queremos mantê-los limpos. E mais do que não jogar mais lixo, é preciso retirar o lixo que já está neles. O mesmo vale para a atmosfera.”
Mas é um produto caro: estima-se que uma tonelada de carbono removida do ar custe entre US$ 500 e US$ 1.000. Para se ter ideia, o planeta emite, ao ano, mais de 35 bilhões de toneladas de CO2.
Os custos envolvem transporte de gás carbônico e armazenamento, materiais químicos necessários para filtragem e, sobretudo, uma imensa quantidade de energia limpa motivo pelo qual as plantas foram instaladas nos arredores da usina geotérmica de Hellisheidi, sexta maior do mundo e a maior da Islândia.
Para capturar uma tonelada de carbono do ar, as máquinas da Climeworks consomem aproximadamente 2.650 kWh, quase o dobro do consumo de energia anual por pessoa no Brasil. Isso porque o carbono presente na atmosfera é relativamente diluído, a cerca de 400 partes por milhão (ppm), o que exige um fluxo intenso de “sucção” do ar e por longos períodos de tempo.
O alto custo leva empresas a buscarem créditos de carbono mais baratos, como incentivar a preservação de florestas, que, pela fotossíntese, também retiram CO2 da atmosfera. “São métodos que precisam andar juntos. O DAC faz o que fazem as florestas, mas é uma tecnologia que permite capturar uma quantidade muito grande de CO2 em um curto período de tempo”, explica Colombo Celso Gaeta Tassinari, diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo) e docente da divisão de tecnologia de petróleo, gás natural e bioenergia.
“Se fôssemos substituir o DAC por florestas, precisaríamos de áreas muito, muito grandes. Não é um ou outro. Precisamos das florestas e das tecnologias que aumentam a captura de CO2, porque temos muito carbono para remover e pouco tempo para fazer isso.”
Daí a necessidade de financiamento, argumentam os especialistas. Ainda que exista o mercado voluntário de carbono, não são todos os projetos que conseguem viabilidade econômica – e escalar a captura de CO2 tem virado cada vez mais urgente.
“Os governos precisam contribuir para que os projetos industriais atinjam larga escala. O setor de CCUS como um todo precisa remover bilhões de toneladas anualmente até 2050, então tem muito o que ser feito ainda”, diz Freudenstein.
“E, essencialmente, a captura de carbono também é, em parte, um bem público. Pode-se dizer que é uma forma de gerenciamento de resíduo. Esperamos que, nos próximos cinco, dez anos, haja muita discussão sobre regulação desse mercado mundialmente.”
É uma preocupação que toma corpo na União Europeia, que estabeleceu leis para certificar a remoção de carbono como forma de impulsionar a tecnologia, e nos Estados Unidos, que começou a subsidiar a construção de usinas DAC.
Em agosto do ano passado, o governo norte-americano anunciou o investimento de US$ 1,2 bilhão em dois projetos de captação de CO2, “o maior já feito” na tecnologia. Ambos miram remover um milhão de toneladas de gás carbônico do ar anualmente.
O primeiro, localizado no Texas, é capitaneado pela Occidental Petroleum, que pretende usar parte do dióxido de carbono que irá capturar para extrair mais petróleo – um uso controverso da tecnologia. O segundo, na Louisiana, é uma parceria da Climeworks com a norte-americana Heirloom Carbon, também do setor DAC, que quer selar o CO2 em concreto para sempre.
No Brasil, o PL do Combustível do Futuro, atualmente tramitando no Senado, prevê a regulamentação de todo o setor CCUS, mas não mira o DAC em específico. Outro projeto de lei sobre o CCUS, proposto pelo então senador Jean Paul Prates, hoje presidente da Petrobras, está parado na Câmara desde dezembro, aguardando parecer de comissões.
Para a IEA, ainda há outra solução possível, além do financiamento governamental: a criação de demanda para produtos derivados do gás carbônico capturado. “A inovação nas oportunidades de utilização de CO2, incluindo combustíveis sintéticos, poderia reduzir os custos e criar um mercado para o DAC”, afirma a Agência, em postagem institucional.
Combustíveis sintéticos para a aviação, feitos a base de CO2 e hidrogênio, já estão em desenvolvimento. Outro exemplo foi uma parceria da Climeworks com a Coca-Cola, que “reciclou” o gás carbônico da atmosfera em refrigerantes, além da instalação de um cano de transporte nos arredores da Orca que leva o CO2 a uma estufa vizinha, onde o carbono serve de fertilizante.
Até diamante já foi feito a partir do gás carbônico da atmosfera. A pedra preciosa – por definição, um pedaço muito condensado de carbono é comercializada pela joalheria Aether, dos Estados Unidos, que afirma que os diamantes de laboratório são idênticos aos extraídos de minas, e só uma análise química aprofundada conseguiria distingui-los uns dos outros.
São pequenos passos, mas o mundo dos negócios parece estar otimista. O BCG, um dos clientes da Climeworks, espera que mais empresas comecem a comprar créditos para remoção de CO2 e que mais governos incentivem a tecnologia. A expectativa do grupo financeiro é que, até 2040, todo o mercado CCUS cresça dos menos de US$ 10 bilhões atuais para US$ 135 bilhões.
POR TAMARA NASSIF