Escassez e metas do Marco Legal levam o Daem a grande desafio
O reconhecimento da escassez dos recursos hídricos e as metas de universalização, ou seja, acesso de todos à água potável e ao saneamento, criaram grandes desafios aos municípios. As novas regras e perspectivas fazem parte do Marco Regulatório do Saneamento Básico, vigente desde 2020. Em Marília, prevalece no Poder Executivo a ideia de que a concessão do abastecimento e tratamento virou caminho inevitável, para atender a nova Lei Federal.
Projeto de Lei que reestrutura todo o setor na cidade tramita na Câmara Municipal. Mas antes de chegar ao plenário, o texto deve ser apresentado e debatido em audiências públicas.
Além de autorizar a concessão do serviço público, o texto prevê a transformação do Departamento de Água e Esgoto de Marília (Daem) em agência reguladora, institui o Plano Municipal de Saneamento e, de quebra, define Plano de Carreira, Cargos e Salários da autarquia.
Diante dos investimentos que precisam ser feitos, a gestão municipal considera inviável encarar o novo regramento federal do setor com uma organização pública estruturalmente deficitária, sem recursos para incorporar tecnologias e, principalmente, sem a liberdade de gestão que as organizações privadas possuem.
O Marília Notícia se debruçou sobre o ponto mais polêmico da proposta municipal, que trata da concessão. A pesquisa mostra que Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico não isenta o município das novas metas, seja com autarquia ou empresa privada.
Uma das principais justificativas da administração para conceder o serviço, além da questão econômica, é evitar as amarras de um possível consórcio regional, após criação das Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (Uraes) pelo Estado.
A “busca de autonomia” sobre a gestão desse importante recurso, porém, vai na contramão da ideia de interdependência que os municípios possuem, para suprir a demanda de água, cada vez mais escassa. Por isso, a escolha do Executivo mariliense apresenta um “falso dilema” e traz até algumas desvantagens, na opinião de alguns.
NOVAS METAS
O Marco Legal do Saneamento Básico, vigente a partir de 2020, tem duas metas muito claras para o Brasil: cada município com 99% da população atendida com água potável e 90% dos moradores com coleta e tratamento de esgoto. O prazo é 31 de dezembro de 2033.
Parece um prazo longínquo, mas nem tanto para uma cidade que possui três estações de tratamento concluídas (Barbosa, Pombo e Palmital), mas ainda está longe de concluir as ligações para garantir que o esgoto coletado nos domicílios chegue às lagoas, para o processamento dos rejeitos.
Além disso, a Lei Federal exige que sejam cumpridas metas quantitativas de “não intermitência, perdas e tratamento”. Na prática, a falta d’água tem que acabar ou reduzir drasticamente em Marília; o sistema precisa lidar melhor com as perdas e a qualidade do tratamento terá critérios mais rigorosos.
Vale lembrar que, mesmo com constantes dias de falta d’água em regiões da cidade, Marília não sofre tanto com o problema se comparada com cidade do mesmo porte. A vizinha Bauru, por exemplo, enfrentou uma crise hídrica terrível no último ano.
REGIONALIZAÇÃO
O Marco Legal do Saneamento Básico estabeleceu que os Estados definissem os arranjos da regionalização até julho do ano passado. São Paulo fez o dever de casa e aprovou a Lei 17.383/21, que criou as Uraes. São quatro regiões instituídas. Marília faz parte da Região Centro, com outros 98 municípios.
Mas isso não obriga – automaticamente – que a cidade forme um consórcio para prestação de serviços de saneamento e abastecimento. O prazo de adesão estabelecido na legislação foi de 180 dias e já acabou. Grande parte dos municípios não assinou.
ACESSO A DINHEIRO
Conforme a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, a lei federal que passou a regular o tema “incentiva a adesão dos municípios à prestação regionalizada”. Umas das formas de estímulo é o condicionamento do acesso aos recursos federais. Na prática, quem não aderir às respectivas regionais, não terá dinheiro da União para saneamento. A regra é federal.
Além disso, o Marco Regulatório “direciona que os planos de saneamento sejam elaborados em âmbito regional”, sobrepondo os planos municipais, eventualmente vigente em cada localidade.
A lei não proíbe que haja apoio técnico dos prestadores de serviços (Marília e Garça, por exemplo, que são da mesma Urae), mas impede a existência de subsídios cruzados entre localidades ou municípios que não pertençam a uma mesma unidade regional, como é o caso de Marília e Oscar Bressane (veja o mapa abaixo).
O prefeito Daniel Alonso (PSDB), em entrevista recente ao MN, disse ver com estranhamento os mapas das unidades regionais, que colocam na mesma Urae cidades distantes.
“É lei do Estado de São Paulo. Todos os governadores também estão tendo que fazer [regionalização], para atender ao marco regulatório. As pessoas vão criticar o Daniel, mas por desconhecimento. A aprovação do ‘nosso marco regulatório’, da ‘lei da liberdade da água’ que teremos em Marília, irá nos livrar desse consórcio que não escolhemos”, defendeu.
REARANJOS DA ÁGUA
No final de 2021, os municípios de Santos e Peruíbe [atendidos pela Companhia de Abastecimento e Saneamento do Estado de São Paulo – Sabesp] assinaram adesão à Uraes Sudeste, da qual fazem parte.
A companhia pública anunciou que os contratos continuam vigentes em todos os municípios atendidos. A principal mudança, porém, foi a antecipação da universalização dos serviços até 2033, para regiões onde havia prazo superior ao determinado na nova lei.
Na prática, realizando ou não a concessão do Daem, o município de Marília terá que cumprir as novas metas. A administração aposta que, com uma organização privada capacitada e com acesso a recursos, poderá – por meio da transformação do departamento em agência reguladora – fiscalizar o cumprimento das diretrizes e atender integralmente ao Marco Regulatório do Saneamento.
Mas, ao mesmo tempo, o município pode dar adeus aos recursos federais, como os que permitiram a construção das estações de tratamento, caso não participe da sua respectiva regional de saneamento, que propõe modelo de governança compartilhado, ou seja, uma mesma gerência e visão sobre os recursos hídricos da região.