Robô aspirador já ‘enxerga’ cocô de cachorro
Nos laboratórios, os robôs são projetados para demonstrações incríveis de percepção e agilidade, como as máquinas da Boston Dynamics fazendo parkour e o robô “cestinha” que virou celebridade na Olimpíadas de Tóquio com arremessos perfeitos no basquete. Mas, nas casas das pessoas, essa tecnologia agora é usada para tarefas triviais como detectar cocô de cachorro – um recurso que pode custar a privacidade das pessoas.
O Roomba j7+, versão mais recente do popular aspirador de pó doméstico da iRobot, alega dar aos consumidores “ainda mais controle sobre a limpeza” de seus lares, com uma câmera no eletrodoméstico capaz de identificar e desviar de fezes de animais de estimação. Segundo a empresa, em vez de espalhar mais sujeira pelo chão, o dispositivo desvia graciosamente do cocô – ele inclusive tira uma foto e a envia por mensagem de texto para o seu telefone se você não estiver em casa.
O aspirador de US$ 850, lançado na semana passada nos Estados Unidos, conta com uma memória reforçada por inteligência artificial e um sistema de câmera para identificar objetos no chão em tempo real. Ele foi projetado para ser um “parceiro cuidadoso e colaborativo da limpeza”, indicado para pessoas que desejam ter um melhor uso da tecnologia, escreveu a iRobot em um comunicado para a imprensa. Para a companhia pioneira em robôs aspiradores, ele representa um aprimoramento importante.
“Os eletrodomésticos inteligentes muitas vezes não atendem às expectativas do consumidor quando não entendem o contexto doméstico, não conseguem aprender de forma independente e exigem uma programação complexa para uma funcionalidade básica”, disse o presidente executivo da iRobot, Colin Angle. “Achamos que podemos entregar um eletrodoméstico inteligente que realmente atende às suas necessidades.”
Para usufruir desse avanço, no entanto, há uma condição: é preciso que você compartilhe dados confidenciais da sua casa.
A empresa defende que o aparelho fica mais inteligente cada vez que é utilizado – segundo a empresa, a plataforma de inteligência artificial foi treinada com dezenas de milhares de fotos tiradas do interior das casas dos funcionários da iRobot. As imagens ajudam o aspirador a entender o que ele vê pela frente enquanto se move pelo chão e a inteligência artificial permite que ele personalize como e quando limpar o local.
Para fazer a manobra e não passar por cima das fezes do animal de estimação, o robô usa um conjunto de sensores para se movimentar em um cômodo e mapear a disposição dos móveis. Se houver um objeto no caminho que ele suspeite ser um cabo ou cocô de cachorro, ele tirará fotos do objeto e as enviará para um aplicativo de smartphone.
A iRobot construiu mais de 100 modelos físicos de fezes de animais de estimação e treinou os algoritmos com mais de cem mil imagens para fazer com que o dispositivo desvie do cocô, disse a empresa em um vídeo postado no Twitter.
Se o dispositivo encontrar cabos constantemente em uma parte específica do cômodo, ele pode delimitar essa área como uma possível “zona para manter distância”. Ele também pode aprender quando e onde limpar e perceber quais momentos são mais oportunos para se movimentar pelos cômodos com base na presença dos moradores na casa.
Vigilância
A iRobot não é a única a vender robôs aspiradores com visão mais poderosa e capacidade de tomada de decisão. Em janeiro, a Samsung lançou um “JetBot90 AI+” que reconhece objetos com ajuda de um software de inteligência artificial da Intel – o aspirador custa US$ 1,3 mil nos EUA e também funciona como uma câmera de segurança doméstica, permitindo que as pessoas vejam em tempo real as imagens dos cômodos de casa na altura do campo de visão do robô. O modelo também desvia de cocôs de cachorros e cabos, segundo a empresa.
Porém, especialistas em eletrodomésticos com inteligência artificial levantam preocupações em relação à privacidade, em parte devido ao caráter íntimo dos dados que eles coletam.
“As pessoas estão acostumadas a se questionar se a Alexa está escutando as conversas em suas casas ou quais imagens a campainha inteligente da Ring está capturando do lado de fora de seus lares, mas talvez não se deem conta de que a existência de uma câmera em seu aspirador poderia causar o mesmo tipo de preocupação”, afirma Tom Williams, professor de ciência da computação e diretor de um laboratório de pesquisa na Escola de Minas do Colorado.
Embora as assistentes de voz sejam comuns, “uma vez que você leva a captura de vídeo para dentro de casa, isso resulta em um monte de coisas novas sendo coletadas que o áudio sozinho não seria capaz de fazer”, alertou.
Desde 2018, o aspirador Roomba têm usado sensores e uma câmera de baixa resolução, apontada para o teto, para mapear as casas e permitir que o aspirador se movimente com rapidez. Mas, com uma câmera frontal, o modelo mais recente pode ver qualquer coisa deixada no chão e se desviar de obstáculos com mais facilidade.
Sobre a privacidade dos clientes, a a iRobot diz que o aspirador reconhece apenas três objetos específicos: cabos, cocô de animais de estimação e a base onde é recarregado. Angle diz que o software desliga automaticamente a câmera se detectar um humano ou a foto de um humano no campo de visão, e, em seguida, encontra um ângulo que não inclua figuras humanas para capturar as imagens. Ele também afirma que a empresa nunca venderá os dados do usuário: as imagens registradas pelo Roomba são armazenadas no dispositivo e não na nuvem, a não ser que você concorde em enviá-las para o aplicativo do smartphone ou para a iRobot.
Segundo Michelle Gattuso, vice-presidente de gestão de produtos de portfólio e experiências de software da iRobot, se você optar por compartilhá-las com a empresa, essas imagens serão criptografadas e enviadas à iRobot, onde funcionários quebram a criptografia e as comparam com outras imagens no banco de dados da empresa – o material é usado para treinamento futuro com os aspiradores robôs.
No entanto, o que aconteceria se um Roomba em algum momento decidisse compartilhar esses dados ou fosse hackeado?
“Em teoria, eles poderiam vender informações fragmentadas para uma empresa do mercado imobiliário, como a Redfin ou a Zillow, que está tentando entender o interior de uma casa que ainda não está à venda”, disse Ryan Calo, professor de direito da Universidade de Washington, que pesquisa política e tecnologia emergentes.
A iRobot diz que todas as imagens são apagadas após 30 dias. Como as imagens capturadas dos objetos são criptografadas, se alguém hackeasse o robô, não conseguiria coletar muita coisa, afirma a empresa.
“Mesmo se fôssemos hackeados e alguém tivesse acesso ao mapa da sua casa, eles saberiam que você tem uma cozinha e que existe algo naquela cozinha chamado de mesa. Mas não seriam capazes de ver como sua cozinha é “, diz Angle. “O que armazenamos é muito abstrato. É um desenho sem muitos detalhes.”
Especialistas de fora da empresa dizem que as pessoas devem se lembrar que, onde quer que existam dados, existe a chance de alguém vê-los e interpretar o que eles significam.
“Dados são observáveis”, disse Karl Rauscher, fundador da Association of Cloud Robot Operators, empresa de consultoria em robótica. “Se é apenas visto pela pessoa que tem a chave de criptografia, então qualquer uma dessas coisas pode estar ameaçada por meio de combinações ou pelo simples acesso à chave.”