Prefeitura e Santa Casa investigam possíveis erros em dados da vacina
A Prefeitura de Marília e a Santa Casa de Misericórdia apuram uma suposta aplicação de doses vencidas da vacina contra a Covid-19 no município.
A investigação começou depois que informações oficiais do Ministério da Saúde revelaram que ao menos 26 pessoas podem ter recebido doses fora do prazo de validade. Diversas inconsistências nos dados públicos, porém, exigem cautela na análise.
Vale ressaltar que os dados sobre a aplicação de vacinas são preenchidos por cada município em um sistema do governo estadual, que por sua vez repassa essa base de informações ao Ministério da Saúde.
Questionada pelo Marília Notícia, a Secretaria da Saúde do município nega de forma veemente a possibilidade de utilização de vacina vencida e garante que provavelmente houve erro de digitação em todos os casos.
Em Bauru, por exemplo, a administração local alegou o mesmo problema. Ali só foram apontadas três aplicações supostamente fora do prazo.
A apuração da equipe de reportagem começou após o Portal Metrópoles divulgar que 1,2 mil doses de vacinas vencidas foram aplicadas em todo Brasil. De acordo com a análise daquele veículo de comunicação, existiriam 51 casos do tipo em Marília.
No banco de dados oficial do Governo Federal, entretanto, a reportagem do MN identificou apenas 26 situações dessas no município, cerca de metade das apontadas pelo Metrópoles. Todos os casos se referem a vacinas produzidas pela AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford.
A maioria delas – 25 aplicações – envolve o lote 4120Z001 e apenas um caso diz respeito ao lote 4120Z004.
No primeiro caso, a data de validade do lote, segundo documento oficial de importação das vacinas, era o dia 29 de março deste ano. No segundo, a data de validade era 13 de abril de 2021.
Com base na data de validade de cada lote já vencido, o MN filtrou todos os casos de imunização em que eles supostamente foram utilizados após o prazo máximo informado na documentação.
A pesquisa envolveu o banco de dados com detalhes sobre cada uma das mais de 50 mil doses aplicadas no município.
As informações pessoais de cada pessoa vacinada são anonimizadas e apenas o poder público tem a chave de acesso para torná-las legíveis.
Por outro lado, existem detalhes abertos sobre a idade, sexo, raça, data de vacinação, se é a primeira ou segunda dose, entre outras informações, inclusive o local em que as doses foram ministradas.
DETALHES
Entre as 26 pessoas que receberam as doses que serão analisadas, a maior parte foi imunizada na Unidade Básica de Saúde (UBS) Cascata.
Especificamente, são 16 pessoas nesta situação, todas entre 80 e 89 anos. Nenhuma delas é profissional da saúde e uma seria residente em São Paulo, enquanto os demais são do próprio município.
As doses teriam sido aplicadas entre 30 de março, um dia após o vencimento, até 14 de abril. Em 15 situações seria a aplicação da primeira dose e em uma delas da segunda.
Sob responsabilidade da Prefeitura existem ainda duas doses aplicadas pela própria Vigilância Epidemiológica do município.
Uma delas é uma mulher de 78 anos, com residência em São Paulo, que recebeu a vacina de Oxford no dia 15 de abril deste ano, referente à primeira dose, em Marília.
A outra, também com imunização vinculada à Vigilância Epidemiológica de Marília, é a única pessoa que teria recebido dose do lote 4120Z004 supostamente fora do prazo de validade. Seria um homem, de 83 anos, com primeira dose em 16 de abril.
Existem ainda aplicações de vacinas suspeitas em oito funcionários da Santa Casa de Marília, sendo duas moradoras de Vera Cruz, uma moradora de Garça e os demais moradores do próprio município-sede do hospital.
A idade deles varia entre 20 e 46 anos. Em dois casos envolvendo a Santa Casa foi aplicada a segunda dose e nos outros a primeira. Em todos os casos, a imunização teria ocorrido no dia 12 de abril.
PROBLEMAS
A Santa Casa de Marília está apurando o que ocorreu, mas apontou inicialmente que a imunização dos servidores foi iniciada ainda em fevereiro com a Coronavac, ou seja, uma vacina diferente da AstraZeneca/Oxford, o que mostra erro nas informações do Governo Federal.
O hospital filantrópico informou também que se trata de um erro de digitação na base de dados transmitida ao Estado e consequentemente ao Ministério da Saúde. Os responsáveis teriam digitado o número do lote errado no sistema. O problema foi percebido dias depois e a retificação feita imediatamente, alega a Santa Casa.
Ao analisar os dados que dizem respeito ao hospital, a reportagem encontrou ao menos um caso em que parece haver duplicação de informações na base do Governo Federal.
Constam duas mulheres nascidas no mesmo dia, moradoras de Vera Cruz, que teriam tomado a dose na mesma data. Tantas coincidências podem indicar a possível duplicação. Isso, por si só, no entanto, não invalida as demais informações apuradas.
Outros problemas encontrados na base de dados corroboram com a tese da administração municipal de que se tratam de erros de digitação.
Existem algumas ocorrências verificadas pela reportagem de outros erros do tipo, envolvendo, por exemplo, o número de alguns lotes claramente digitados de forma errada.
Também existem ao menos duas aplicações de doses cadastradas em datas anteriores à importação das vacinas – o que, por dedução lógica, seria impossível.
Apesar das alegações da Prefeitura, contudo, o que se espera é que seja feita uma apuração minuciosa a respeito de cada uma das aplicações que podem ter sido feitas após o prazo de validade.
Uma tese preliminar envolve a alegação de que os dados teriam sido inseridos de forma equivocada em datas posteriores ao dia em que realmente houve a imunização. Apenas uma investigação interna aprofundada poderá esclarecer a questão.