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Exclusivo: realismo mágico em Marília

Na tarde da última sexta-feira (11), Marília viveu momentos dignos de enredos surreais.

Forças naturais impressionaram os moradores e os observadores da cidade e da região, engolindo tudo em meio a nuvens escuras e rajadas de areia.

Por outro lado, forças humanas, políticas quase ofuscaram tamanho fenômeno. Imbróglio alcançou o sistema judiciário sobre se haveria ou não a suspensão de evento solene em homenagem ao “Dia do Advogado”. O motivo: em tese, “rixa política” entre o presidente da Câmara dos Vereadores e um dos homenageados, assessor do Executivo municipal, conforme informado na matéria do MN.

Ficamos menores quando instituições oficiais se consomem e deixam o cidadão de lado até se resolverem.

Assim é no universo do realismo fantástico: enredos mirabolantes pela falta de sentido e com fatos político-sociais, misturados a fenômenos naturais escatológicos, cujo palco são cidades provincianas imaginárias. Ficção tipicamente hispano-americana do século passado, em ambientes fortemente repressivos.

“Saramandaia”, telenovela escrita por Dias Gomes em 1976, é uma delas. Mistura elementos fantásticos e realistas na fictícia e pequena cidade pernambucana de Bole-Bole.

Personagens excêntricos passeiam por este mundo alternativo: o homem que soltava fogo pelo nariz quando estava com raiva; outro, que virava lobisomem nas noites de lua cheia; ou a mulher que, de tanto comer, explodiu; outra, que queimava tudo e todos que tocava. Isso sem esquecer de João Gibão, homem comum a esconder uma corcunda que depois revelou-se asas de pássaros: transformado pela habilidade de voar, tornou-se símbolo desafiante de temas amplos como os da liberdade, da autodescoberta, da resistência, da transformação pessoal e social.

O mesmo acontece com a própria cidade: embates político-institucionais somam-se a mudanças dramáticas entre os habitantes, diante de seus próprios medos e de seus próprios preconceitos.

Outra pérola criativa do mesmo autor foi “O Bem-Amado”, em 1973.

Nesta sátira política, mergulhamos nas águas profundas da corrupta cidade de Sucupira. Sob o comando de Odorico Paraguaçu, o prefeito fanático por obras e cemitérios, a sociedade enfrenta uma enxurrada de tramas bizarras e situações engraçadas, cômicas.

Há, ainda, o filme transformado em série: “Cine Holliúdy”. Narrada por um deficiente visual, em clara menção ao grego Homero, de Ilíada e de Odisséia, é ambientada também nos anos 1970, no fictício aglomerado urbano cearense de Pitombas. A história gira em torno do esforço de Francisgleydisson para manter o cinema funcionando, mesmo diante das dificuldades regionais, das restrições culturais impostas e da competitiva chegada da TV.

A prefeitura é central na trama, onde as dinâmicas políticas dependem exclusivamente de interesses pessoais, de negociações e de lutas pelo poder. Corrupção e conchavos frequentemente expõem ações pouco éticas, envolvendo principalmente o prefeito Olegário, sucedido pelo personagem Tiziu e, posteriormente por Dona Justina, mulher de Olegário.

Assim como “Saramandaia” e “O Bem-Amado”, Cine Holliúdy” possui elementos fantásticos e surreais usados simbolicamente para abordar questões sociais, políticas e morais, familiarmente satíricos a nós, munícipes do velho oeste paulista.

O bom-humor brasileiro ajuda-nos a tolerar o burlesco e o inexplicável, sublimando o real.

Marília, por sua vez, segue sua marcha silenciosa rumo às grandes: ferve latente em criatividade, inovação e cultura. Destaca-se como referência na produção de alimentos, verdadeira potência ressoante em todos os cantos do país e, agora, no mundo, com as 2 gigantes internacionais instaladas.

Aproveitemos, portanto, para alçar voos ainda mais altos: deixemos para trás Bole-Bole, Sucupira e Pitombas e miremos a qualidade de Paris, de Singapura ou de Talín, a tecnológica capital estoniana.

No caminho rumo aos 100 anos, precisamos planejar a “Marília Centenária: cidade de nível classe mundial”. É, sim, possível: temos farta diversidade, vitalidade e riqueza cultural.

Cidades deste gabarito são assim. E carecem de mais.

Precisam de economia robusta, com cena cultural efervescente e vibrante – para além de museus e cinemas, também teatros de qualidade, galerias de arte, restaurantes de renome internacional, festivais e eventos culturais – e uma infraestrutura de fazer inveja, incluindo mobilidade eficiente, redes de comunicação avançadas, instalações de saúde modernas e serviços públicos confiáveis.

Alianças com instituições de ensino de prestígio internacional, centros de liderança tecnológica inovadores e colaborativos, consorciados a empresas e a instituições acadêmicas.

Visualize Marília como um farol de sustentabilidade, ambientalmente responsável. Ultrapassando os padrões globais, com centros de comércio internacional, de finanças e de diplomacia, permitindo acesso mais fácil a redes globais de influência e oportunidades. Isso atrai organizações internacionais, como embaixadas, sedes de empresas multinacionais e organizações sociais, aumentando o status global de uma cidade.

Principalmente: cidades de classe mundial são humanizadas, são diversificadas e são inclusivas, acolhendo ainda mais pessoas de diferentes origens culturais, étnicas e religiosas. Diversidade contribui para um ambiente convergente, criativo e globalizado. Sinônimo de alta qualidade de vida, complementada com excelentes serviços públicos, com mobilidade focada no pedestre, com espaços verdes para lazer, com segurança e com oportunidades recreativas.

Para este próximo capítulo da saga, precisamos de condutores, líderes essencialmente humanos e autenticamente estadistas.

Inexiste espaço para Odoricos Paraguaçus, Olegários, Tizius e Justinas.

Respiremos o novo.

Sucesso. Sempre.

. . .

Marcos Boldrin é ex-secretário do Meio Ambiente, ex-secretário da Administração, urbanista, palestrante e coronel da reserva.

Marcos Boldrin

Marcos Boldrin é coronel da reserva, urbanista e arquiteto de formação, e ex-gestor público estadual e municipal

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