Entrevista da Semana

‘Estamos vivendo o início da grande transformação pela inteligência artificial’

Coordenador do bacharelado de IA da Unimar, Caio Coneglian (Foto: Divulgação)

Desde janeiro, o professor doutor Caio Coneglian coordena um projeto pioneiro na área do ensino superior no Estado de São Paulo: o primeiro bacharelado em Inteligência Artificial – na Universidade de Marília (Unimar).

Em entrevista ao Marília Notícia, Caio fala sobre a reestruturação nos cursos da área de tecnologia, a instalação de um parque tecnológico que antecedeu o bacharelado em IA e a necessidade de a educação se preparar para as vagas de trabalho do futuro.

“Estamos vivendo o início da grande transformação pela inteligência artificial”, frisa o coordenador, que apontou a ausência de mão de obra qualificada para as vagas atuais no mercado de trabalho em IA.

O coordenador analisa ainda a importância dos aspectos éticos na formação de profissionais que atuam na criação de novas tecnologias e os mitos que ainda persistem nesse meio. “IA não é há apenas o ChatGPT ou IA Generativo”, diz.

Caio Saraiva Coneglian, de 32 anos, é formado em Ciência da Computação pelo Univem, com mestrado e doutorado pela Unesp. É casado, pai de um filho, são-paulino e jogador de videogame nas horas vagas.

* * *

MN – Como foi a concepção do espaço ocupado pelo bacharelado de IA, o TecUnimar?

Caio Coneglian – Eu entrei na Unimar em 2022 e tive o desafio imposto pelo reitor, doutor Márcio Mesquita Serva, e pela pró-reitora, a professora Fernanda Mesquita Serva, de reestruturar a área de tecnologia e inovação dentro da Unimar. Começamos um movimento que envolveu a criação de novos cursos. Reestruturamos o de Análise e Desenvolvimento de Sistemas e lançamos o de Ciência da Computação. Posteriormente, no ano passado, lançamos o primeiro curso de bacharelado de Inteligência Artificial do Estado de São Paulo. Tudo isso foi muito importante porque a gente posicionou Marília como uma cidade que cria tecnologias na área de inteligência artificial. Acho que esse foi o grande ponto. Este nosso curso é o segundo do país e, inclusive, está participando de um prêmio que o reconhece como um dos mais inovadores do Brasil. Concomitantemente a tudo isso, a gente fez o TecUnimar, que é o nosso parque tecnológico. É um espaço que consolida a inovação tecnológica de maneira transversal em todos os cursos da universidade.

MN – O que motivou a criação de um curso superior voltado exclusivamente à Inteligência Artificial?

Caio Coneglian – A motivação do curso de bacharelado de Inteligência Artificial é justamente o mercado de IA que está crescendo muito. A gente não tem mão de obra qualificada para atuação no mercado de IA. É um profissional que recebe excelentes salários e hoje basicamente não tem para atuar nas empresas. A gente entendeu que se trata de uma área muito complexa e havia a necessidade de ter um curso com esse foco exclusivo na IA. E o resultado que a gente vem colhendo mostra esse acerto que foi da universidade.

MN – Quais são os diferenciais da grade curricular do curso de IA da Unimar em relação a cursos mais tradicionais, como Ciência da Computação ou Engenharia da Computação?

Caio Coneglian – Quanto aos diferenciais do curso, a nossa matriz curricular tem uma característica que os nossos cursos de tecnologia têm, que é principalmente o enfoque em projetos. A metodologia é baseada em projetos, que leva o estudante a trabalhar com essa prática desde o início. A gente trabalhou esse primeiro semestre do curso de IA em parceria com uma empresa de São Paulo que tem um centro de inovação, pesquisa e desenvolvimento dentro da Unimar, a Aviva Tech. Foi superinteressante.

Caio Coneglian dá as boas-vindas aos alunos da primeira turma de IA da Unimar (Foto: Divulgação)

MN – Quais projetos já foram desenvolvidos neste primeiro semestre do curso?

Caio Coneglian – Os alunos desenvolveram projetos com foco em segurança, aplicando toda a parte de Machine Learning, de classificação, usando visão computacional. Um dos projetos envolveu a área da saúde, em parceria com uma estudante formada em Biomedicina que está fazendo a segunda graduação em IA. A gente propôs um desafio em parceria com a empresa Levy. Durante uma semana, os alunos ficaram imersos em resolver problemas dos mais diversos da área de inteligência artificial. O enfoque foi o B2B, o desenvolvimento de projetos de startups e o resultado foi muito interessante.

MN – Como foi a procura pela primeira turma?

Caio Coneglian – A procura da primeira turma foi boa. Iniciamos com cerca de 70 estudantes, mas temos a expectativa de ampliar ainda mais essa quantidade no próximo semestre porque o curso tem sido muito falado, muito destacado. Eu tenho recebido contatos de vários lugares, inclusive de outros estados interessados em fazer o nosso curso. Tem, inclusive, algumas instituições parceiras da Unimar que já procuraram, buscando replicar esse curso em outros lugares. Nós apoiamos porque a gente acredita que o Brasil precisa ampliar muito a formação na área de IA. Se o país não tiver uma posição mais efetiva nesse contexto, vai ficar para trás nessa onda tecnológica. Marília vem se posicionando de uma maneira interessante nesse contexto.

MN – Como a Unimar integra temas como ética, privacidade e impacto social nos conteúdos do curso?

Caio Coneglian – Temos uma disciplina durante todos os semestres que trabalha justamente as habilidades socioemocionais, que é o ensino de soft skills. Outra é justamente sobre os impactos da inteligência artificial na sociedade. Faz o aluno refletir sobre o desenvolvimento de novas tecnologias, de como isso impacta na vida da população. São questões essenciais para que os estudantes entendam que o papel do profissional de tecnologia extrapola só criar a tecnologia. Ele tem que refletir sobre o impacto disso a todo momento.

MN – Como o senhor avalia o papel da Inteligência Artificial nas transformações que estamos vendo no mundo do trabalho, da educação e da comunicação?

Caio Coneglian – Estamos vivendo o início ainda da grande transformação da sociedade pela inteligência artificial. A IA já tem um impacto muito grande na sociedade. São pouquíssimos setores que não serão afetados. Talvez aqueles que foquem a questão mais manual, artística, artesanal. A profissionalização da sociedade, da população, é essencial para a gente avançar enquanto país. Os setores mais afetados são os da saúde, indústria, o próprio setor de tecnologia. Não quer dizer que vai deixar de ter emprego, mas as oportunidades serão fortemente alteradas.

Caio Coneglian fala sobre tecnologia em evento no anfiteatro da reitoria da Unimar (Foto: Divulgação)

MN – Quais são os maiores equívocos ou mitos que as pessoas ainda têm sobre a IA?

Caio Coneglian – O primeiro é que IA é há apenas o ChatGPT ou IA Generativo. São tipos de inteligência artificial. Há toda uma classificação que permite uma análise melhor dos processos e das organizações. Outro mito é de que a IA seja apenas uma onda. Pelo contrário, é algo que já está transformando totalmente a nossa sociedade.

MN – Estamos prontos, como sociedade, para lidar com as consequências sociais e econômicas da automação em larga escala?

Caio Coneglian – Eu tenho a impressão que não. Eu acho que não temos ainda uma compreensão da própria tecnologia. Isso é percebido em vários setores. A gente fala de uma ‘literacia’ sobre a tecnologia. O próprio Brasil tem índices altos de analfabetismo digital. É, portanto, um processo antes. Muitas indústrias e comércios não têm digitalização. E aí você entra numa era de inteligência artificial sem ter esse preparo. É um processo de transformação, de automação sem uma preparação adequada da população. Isso pode gerar consequências complicadas como desemprego e outros cenários.

MN – Que conselho o senhor daria a um jovem interessado em seguir carreira na área de IA?

Caio Coneglian – O jovem que deseja entrar na carreira de IA pode atuar em duas frentes. Uma delas é ser um criador dessas tecnologias. Neste caso, é necessário procurar um curso como o nosso, de bacharelado de Inteligência Artificial. A outra é atuar em outras áreas, como as de saúde, engenharias. Eu acho que o mais importante é, de fato, se dedicar ao que pareça ser mais claro.

MN – Como o cidadão comum pode se preparar para conviver com um mundo cada vez mais automatizado e inteligente?

Caio Coneglian – O cidadão comum precisa entender os impactos da inteligência artificial e, a partir disso, se preparar para o mundo. Como? Estudando. Somente aprendendo sobre IA poderá encontrar muitas novas oportunidades de trabalho.

MN – Devemos esperar um futuro de cooperação entre humanos e máquinas ou existe o risco de substituição radical?

Caio Coneglian – Eu acredito que a sociedade é feita por pessoas, para pessoas, e as tecnologias são meios para as coisas. É claro que é muito difícil falar do momento que a gente terá uma IA consciente. É algo que pode acontecer em algum momento. Para isso a gente vai ter que evoluir a própria compreensão da inteligência artificial. Eu vejo esse futuro de cooperação que formará uma sociedade muito distinta. É muito difícil falar como vai ser a nossa vida daqui a 10, 20 anos. A gente vai ter que ter uma reflexão sobre isso, mais efetiva. Mas que a nossa vida vai se alterar de uma maneira acho que nunca antes vista, com certeza isso deve acontecer.

Rodrigo Viudes

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