Congresso e Fazenda discutem mudanças que dão mais poder ao Banco Central
Medidas que dão mais poder ao Banco Central estão em discussão tanto pelo Legislativo quanto pelo Executivo. Enquanto o Senado Federal negocia a PEC (proposta de emenda à Constituição) que amplia a autonomia da autoridade monetária, o Ministério da Fazenda estuda um modelo de longo prazo que transforma o órgão em super-regulador.
As articulações no Senado para conceder autonomia financeira e orçamentária ao BC trouxeram à tona uma plano de longo prazo em estudo pelo Ministério da Fazenda para reconfigurar o modelo de regulação e supervisão do sistema financeiro. A proposta foi divulgada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pela Folha.
A ideia –inspirada no modelo “twin peaks”, que surgiu na Austrália, foi copiado pela Inglaterra e se espalhou por diversos países– consiste em regular o sistema financeiro por função e não por produto (seguro, depósito bancário, empréstimo, títulos, previdência), como é hoje no Brasil.
Isso significa redistribuir forças dos reguladores de forma que o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) tornem-se super-reguladores. Apesar da mudança, a autonomia operacional do BC, assegurada em lei desde 2021, seria preservada.
Na equipe econômica, há o entendimento de que é preciso dar um encaminhamento mais estrutural para as discussões envolvendo o papel do BC, mas que essa transição de funções precisa ser muito bem desenhada e alinhavada com os órgãos envolvidos, que ainda não estão preparados para essa transformação.
A implementação deve ser feita em etapas, começando pela absorção da Susep (Superintendência de Seguros Privados) –hoje mais fragilizada em comparação aos demais órgãos– pelo BC.
O segundo passo seria reforçar o quadro de funcionários e a estrutura da CVM, que depois de fortalecida assumiria competências de regulação hoje sob responsabilidade do BC, como proteção ao consumidor de produtos financeiros (seguro e bancário, por exemplo).
Nos bastidores, há dúvidas hoje sobre o próprio papel da autoridade monetária na proteção dos consumidores de produtos bancários e sua competência legal para atuar no setor, esbarrando em atribuições que são do Procon e de órgãos de defesa do consumidor.
Nesse reequilíbrio de funções, o BC assumiria a atribuição de regulamentação prudencial (proteção da solidez das instituições) de fundos de investimentos, hoje a cargo da CVM.
A última etapa seria também incorporar a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) aos dois “superórgãos”. O processo seria concluído em cerca de cinco anos.
Um membro do governo Lula considera que, se houver vontade política, a proposta pode avançar por meio de um PLP (projeto de lei complementar).
Na visão desse interlocutor, a reforma estrutural da atuação dos órgãos reguladores pode ser uma saída para a discussão da autonomia do Banco Central.
O tema já vinha sendo debatido internamente pela Fazenda desde o início da gestão de Fernando Haddad, mas a ideia era deixar que o governo Lula se adaptasse à autonomia operacional do BC antes de colocar o plano em prática.
Havia o temor de que a discussão técnica fosse contaminada pelo momento político, desperdiçando o que a equipe econômica avalia como um bom caminho de regulação.
Pela primeira vez, o presidente da República convive com um chefe do BC indicado pelo governo anterior e essa transição tem sido marcada por solavancos.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) que trata da autonomia financeira do BC foi encampada no Senado pela oposição e por Campos Neto, mas rechaçada pelo governo Lula e por cardeais como o líder do PSD, Otto Alencar (BA), e o senador Omar Aziz (PSD-AM).
Apesar da posição contrária à PEC, senadores da base têm afirmado a integrantes do governo que é preciso repensar a situação do BC para garantir que a autoridade monetária tenha capacidade de investimento.
Um dos líderes da base disse à reportagem que a discussão precisa de “um freio de arrumação”, mas não pode ser ignorada pelo governo.
Ele afirma que qualquer mudança em relação à autonomia financeira do BC deve levar em conta situações fiscais do país, mas chama de “irracional” o modelo atual.
A incerteza –dos dois lados– sobre o placar da votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) fez com que a discussão fosse adiada para a volta do recesso parlamentar.
Tanto o governo quanto o Banco Central levaram ao relator, senador Plínio Valério (MDB-AM), diretrizes gerais que poderiam criar um modelo inédito, em que o BC não seria nem autarquia (como é hoje) nem empresa pública (como foi proposto na PEC).
A aprovação da PEC representaria uma marca de gestão para Campos Neto, alvo preferencial das críticas de Lula. Insatisfeito com a condução da política de juros do país, o chefe do Executivo criticou reiteradas vezes o presidente do BC.
Além de ter chamado Campos Neto de “adversário político e ideológico”, o petista afirmou que “as coisas vão voltar à normalidade” quando Campos Neto for substituído. Nos bastidores, Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, é dado como praticamente certo no comando do BC a partir de 2025.
As declarações de Lula provocaram reações de membros do Legislativo. Em junho, após Lula ter se queixado Campos Neto em entrevista, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a autonomia da autarquia, dizendo que a medida “aumentou a credibilidade da política monetária”.
As falas do presidente deixaram alguns membros do Legislativo apreensivos com o risco de interferência do governo na atuação do BC após a saída de Campos Neto. Segundo um líder do centrão na Câmara, seria necessário a Casa elaborar alguma medida que blindasse a autonomia da autoridade monetária.
Uma medida, por exemplo, seria estabelecer algum tipo de responsabilização no caso de interferências artificiais na política de juros que ajudassem o governo.
Apesar disso, há uma avaliação que nenhum movimento deverá ocorrer na Casa se não houver uma “sintonia fina” com o Senado, para evitar que o tema seja aprovado na Câmara e deixado de lado pelos senadores. Outras duas lideranças, por sua vez, dizem não ver clima para nenhuma proposta legislativa nesse sentido andar na Câmara.
Líderes da Casa consideram que a autonomia do BC está preservada pela lei aprovada no Congresso, mas isso não impede os deputados de apresentarem projetos tratando da autoridade monetária.
O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), um dos vice-líderes do governo na Câmara, por exemplo, está colhendo assinaturas para apresentar uma PEC que inclua o presidente do BC no rol das autoridades que a Câmara e o Senado, além de suas comissões temáticas, possam convocar para prestar informações sobre assuntos determinados.
A proposta também prevê que as Mesas Diretoras das duas Casas poderão encaminhar pedidos escritos de informações ao presidente do BC, “importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas”.
Na justificativa, ele afirma que a “chamada independência do Banco Central é um fato”, mas “ser independente e ser transparente não são estados contraditórios”. Diz também que a posição do presidente da autarquia “fora de qualquer questionamento” é algo “insólito e insustentável”.
Já o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) protocolou em 2023 um projeto de lei complementar que regulamenta o Copom (Comitê de Política Monetária). A proposta, que segue travada, prevê alteração na composição do comitê, tornando o ministro da Fazenda o presidente do colegiado (função hoje que cabe ao presidente do BC).
A proposta está parada na comissão de Finanças e Tributação da Câmara, e aliados do deputado avaliam ser difícil que ela avance.
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POR NATHALIA GARCIA, THAÍSA OLIVEIRA E VICTORIA AZEVEDO