Entrevista da Semana

‘Essa pode ser a última refeição do dia’, conta assistente social do Instituto Lóttus

Milena Manfrin dos Santos atua na coordenação do trabalho de Assistência Social do Instituto Lóttus (Foto: Alcyr Netto/Marília Notícia)

O Instituto Lóttus, que atende crianças, adolescentes, jovens e idosos na zona norte de Marília, conta com o trabalho essencial de profissionais que se tornam figuras centrais no acolhimento e desenvolvimento de ações que impactam centenas de vidas. A assistente social Milena Manfrin dos Santos é uma dessas pessoas. Sua atuação vai além da coordenação: ela se dedica à escuta qualificada e ao apoio constante a famílias em situação de vulnerabilidade na comunidade da Vila Barros.

Milena começou como estagiária e, em três anos, tornou-se coordenadora da assistência social, representando a missão do Instituto Lóttus de promover o desenvolvimento integral e fortalecer os laços familiares e comunitários.

Para ela, o Instituto é mais do que um serviço socioassistencial. Em entrevista exclusiva ao Marília Notícia, Milena define o espaço como um verdadeiro “refúgio”, onde crianças, adolescentes e idosos encontram acolhimento, afeto e oportunidade.

Sua dedicação reflete o alcance do Instituto Lóttus, que, com 30 anos de atuação, atende cerca de 700 pessoas por semana. Seja orientando jovens aprendizes, seja acompanhando adolescentes em medidas socioeducativas, Milena é um dos pilares na transformação de vidas.

***

MN – Milena, o Instituto Lóttus é um dos serviços socioassistenciais do Suas, correto? Qual é o foco do trabalho de vocês?

Milena Manfrin dos Santos – Exatamente! De acordo com a tipificação nacional de serviços socioassistenciais, somos um dos serviços oferecidos em nível de proteção básica do Suas. Nosso olhar aqui é todo voltado para o desenvolvimento integral de nossas crianças, adolescentes e pessoas idosas, sempre fortalecendo o convívio familiar e comunitário. Nosso objetivo é que todos se cuidem e se sintam acolhidos.

Bryan Ribeiro da Cruz e Milena Manfrin dos Santos no Instituto Lóttus (Foto: Alcyr Netto/Marília Notícia)

MN – Há quanto tempo o Instituto Lóttus desenvolve esse trabalho?

Milena Manfrin dos Santos – O Instituto Lóttus tem uma trajetória de 30 anos aqui na nossa comunidade da Vila Barros. É uma comunidade que enfrenta riscos sociais, e nós procuramos ser um atrativo para as crianças, garantindo que, quanto mais tempo elas passem aqui, melhor para nós, pois estão fora desse risco social.

MN – E como funciona o dia a dia dessas crianças no projeto? Elas vêm todos os dias?

Milena Manfrin dos Santos – As crianças são a maioria aqui, e nosso espaço serve como contraturno escolar. Elas saem da escola e vêm para o projeto. A partir das 14h30, elas já estão aqui e ficam até as 19h. Nossas atividades acontecem de segunda a sexta-feira. Acreditamos ser uma das instituições com mais oficinas para eles. Temos música, dança, tênis de mesa (em parceria com a Academia Nelson Machado), maculelê, capoeira, futebol — sempre buscando ser atrativos. As oficinas não são obrigatórias, mas sim escolha da criança e do responsável. Trabalhamos o socioeducativo como principal, focando no desenvolvimento integral. Como elas já vêm da escola em período integral e estão cansadas, trabalhamos de forma lúdica, com rodas de conversa, jogos e atividades atrativas.

Milena conversa com idosas no Instituto Lóttus, em Marília (Foto: Alcyr Netto/Marília Notícia)

MN – E a alimentação é um ponto de atenção para vocês?

Milena Manfrin dos Santos – Sim, é uma grande preocupação. Após as atividades, eles saem daqui já com o jantar. Para muitas das nossas crianças, essa pode ser a última refeição do dia, já que talvez não tenham em casa. Também temos o programa Viva Leite, onde eles levam leite para casa. Vemos a importância disso, pois na quinta-feira, quando levam o leite (assim como na terça), sabemos que se não levarem daqui, talvez não terão. Se a criança não consegue vir, alguém da família vem buscar o leite, o que nos tranquiliza, pois sabemos que, ao acordar, terão o leite para tomar antes de ir para a escola.

MN – Quantas pessoas o Instituto Lóttus atende atualmente?

Milena Manfrin dos Santos – Atualmente, atendemos em média 130 crianças e entre 100 e 120 pessoas idosas. A demanda é tanto espontânea quanto da rede, vindo através do Cras e Caps. No total, passam por aqui cerca de 700 pessoas por semana, considerando as crianças, idosos, 350 aprendizes e as 70 a 100 pessoas do programa de medidas socioeducativas. A gente brinca que atendemos da criança de seis anos até a criança de 100, porque a faixa etária atende a criança, o adolescente, o jovem e o idoso.

MN – Além das crianças, vocês mencionaram os idosos. Como começou o trabalho com eles?

Milena Manfrin dos Santos – Começou em 2019, um ano antes da pandemia. Percebemos que muitos idosos, que tinham netos aqui, estavam em situação de isolamento, abusos e depressão. Começou como um grupo de 20 idosos e hoje atende mais de 100. Temos a Denise, nossa professora de educação física especializada em idosos, que conduz as atividades com muito cuidado. Ela respeita o limite de cada um e promove até aulas de dança. O foco também é o socioemocional, fortalecendo o vínculo deles com a família e a comunidade. Na pandemia, vimos o quanto o contato é importante; eles fizeram questão de retornar para criar amizades. Promovemos confraternizações, passeios a chácaras, pizzarias e sorveterias para fortalecer esses laços.

Aprendizes do Instituto Lóttus, durante aula em Marília (Foto: Alcyr Netto/Marília Notícia)

MN – E o programa de aprendizes? Como ele se encaixa nessa atuação?

Milena Manfrin dos Santos – É outro pilar do nosso trabalho, iniciado em 1999. Começamos com o Banco do Brasil e hoje temos 350 aprendizes ativos, com cerca de 750 passando por ano. São jovens de 14 a 23 anos, que fazem a parte teórica conosco e a prática na empresa. Já tivemos mais de cinco mil jovens empregados. Priorizamos a comunidade, mas atendemos toda a cidade, especialmente jovens em vulnerabilidade social. Muitos são arrimo de família. Nós acompanhamos esses jovens e, se houver dificuldades técnicas, damos suporte com aulas específicas. Nosso índice de efetivação é alto: 81% em 2023 e 72% em 2024.

MN – E vocês também atendem menores infratores?

Milena Manfrin dos Santos – O programa de medidas socioeducativas é para jovens de 12 a 18 anos que cometeram infrações leves, que não justificam internação. São encaminhados por ordem judicial, seja para liberdade assistida ou prestação de serviços. Temos uma advogada, uma psicóloga e uma socióloga que acompanham o jovem e sua família. O objetivo é que repensem suas ações, compreendam as regras da vida em sociedade e sejam reinseridos. Atendemos entre 70 e 100 jovens nesse programa. Somos a única instituição em Marília que realiza esse trabalho, em parceria com os governos estadual e federal.

Milena Manfrin dos Santos no Instituto Lóttus, em Marília (Foto: Alcyr Netto/Marília Notícia)

MN – Qual a sensação de trabalhar no Instituto Lóttus?

Milena Manfrin dos Santos – É gratificante. Estou aqui há três anos; comecei como estagiária, fui educadora social e hoje sou coordenadora. O Instituto oferece oportunidades de crescimento. O mais importante é o vínculo, a escuta qualificada e o acolhimento. Para muitos, este lugar é um refúgio, um momento em que podem ser crianças de verdade, com apoio e carinho. Sabemos que estão seguros aqui. É maravilhoso ver o impacto do nosso trabalho. Muitas famílias confiam e abraçam o projeto como um local seguro para seus filhos.

MN – Qual a importância deste atendimento com as crianças e como estimulam a vinda delas para cá?

Milena Manfrin dos Santos – Buscamos atividades que eles gostem, sempre perguntando quais oficinas querem fazer. Oficinas como capoeira, tênis de mesa e futebol são ferramentas para o desenvolvimento social. Temos crianças no tênis de mesa que disputam campeonatos nacionais. Mesmo que não sigam carreira, isso lhes dá novas experiências. O serviço de convivência trabalha diversos eixos para gerar senso de pertencimento e cidadania.

Milena atua no Instituto Lóttus, que há 30 anos atende crianças, adolescentes, jovens e idosos em Marília (Foto: Alcyr Netto/Marília Notícia)

MN – Vocês têm histórias de sucesso de jovens que passaram pelo Instituto?

Milena Manfrin dos Santos – Muitas. A Júlia, por exemplo, foi nossa criança, entrou no programa de aprendizagem e hoje é colaboradora aqui. Muitos usam o salário para pagar a faculdade e voltam querendo retribuir. Temos também o Lucas, que foi aluno, aprendiz, treinou com o pai (nosso professor de capoeira) e hoje é campeão mundial. Ele veio aqui com o cinturão para inspirar as crianças. Essas histórias mostram que é possível vencer e realizar sonhos.

MN – Quais os maiores desafios para manter o trabalho do Instituto Lóttus?

Milena Manfrin dos Santos – Precisamos de apoio contínuo. Temos parcerias com a Prefeitura, mas o que mais precisamos é apoio financeiro para manter as atividades. A alimentação, por exemplo, é mantida por doações ou pela receita do programa de aprendizes. Explicamos às empresas que, ao contratar um aprendiz conosco, ajudam o jovem e a entidade. Além de recursos, precisamos de voluntários e doações pontuais. Um gesto de cuidado pode mudar a vida de quem atendemos. Estamos sempre abertos a quem quiser abraçar essa causa conosco.

Alcyr Netto

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