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Um trem preguiçoso no meio da estrada

Com as irmãs Galvão em Paraguaçu Paulista (Foto: Arquivo Pessoal)

Para falar de duas imensas cantoras do nosso Brasil, aliás, do Brasil de dentro, e surgidas aqui, na nossa região, as irmãs Galvão (Meire e Marilene), começo citando uma terceira cantora: Mercedes Sosa (1965-2009).

Nascida na Argentina, Mercedes Sosa deu sequência à lírica sul-americana com o engajamento necessário para despertar a consciência, iniciado pela poeta e cantora chilena Violeta Parra (1917-1967).

Assim como vem ocorrendo com muitas histórias nesta pandemia, a vida de Violeta Parra foi ceifada muito antes do tempo. Porém, entendo que os órfãos de Violeta se aninharam na voz e na interpretação de La Negra, como Mercedes Sosa fora chamada por sua legião mundial de fãs.

Quando o cantor Pena Branca esteve em Marília, num fim de semana logo no início da década de 2000, dias antes José Ramiro Sobrinho (1939-2010), o Pena Branca que por anos fez dupla com o irmão, Xavantinho, esteve antes com Mercedes Sosa numa gravação. Ambos titulares de um Grammy, um dos mais importantes prêmios mundiais da indústria fonográfica.

Tem uma música sul-americana, composta por Antônio Tarragó Ros, que na voz absoluta de Mercedes Sosa diz muito sobre Meire e Marilene, as Galvão: ‘Maria vá’. Conta a história de uma mulher que, de forma destemida e com fôlego, segue seu destino, mesmo pisando descalça na areia quente da estrada. E, em determinado momento, é citado numa metáfora a figura de um trem preguiçoso.

Este trem preguiçoso, na minha interpretação, está bem próximo aqui de Marília, aliás na terra onde Meire e Marilene começaram a sua carreira de cantoras caipiras: Paraguaçu Paulista. Na extinta rádio clube Marconi, estação AM, onde cheguei a trabalhar logo no começo da minha carreira na imprensa, as Galvão se apresentaram na metade da década de 1940.

Depois, correram este mundo, sempre abordo de um trem preguiçoso que seguia seu destino parando nas estações de sucesso. A Paraguaçu Paulista, que marcou o início da história de uma das maiores duplas sertanejas do Brasil, retribuiu a elas com uma estação-memória do trem turístico Moita Bonita. A maria-fumaça, que sai da estação de Paraguaçu e vai até a estação de Sapezal, reserva aos passageiros um momento para enaltecer a carreira das Galvão. Há na estação Sapezal, o distrito rural que abrigou a infância das duas cantoras, um museu.

Aliás, neste museu também está retratada parte da história de outro artista caipira de renome nacional que tinha Paraguaçu como berço: o cantor e compositor Nhô Pai, autor de “Beijinho Doce” – grande sucesso gravado por Meire e Marilene.

Estive com as Galvão no último show que elas fizeram na estância turística. Fui acompanhado da minha mãe e conversamos bastante, principalmente sobre os poetas caipiras. Eu perguntei sobre José Fortuna, que era nascido em Itápolis, e escreveu lindas canções, como “Terra tombada” e “Riozinho”. “O Zé Fortuna ligava para a gente de madrugada, às vezes, só para conversar. E a gente atendia, pois ele era muito nosso amigo”, contaram as Galvão.

Após quase 75 anos de trajetória, as meninas de Sapezal anunciaram o fim da dupla por motivo de saúde. As artistas deixam um legado de cultura, união e um exemplo de persistência. Assim como o trem que segue seu rumo, parando nas estações de sucesso, fica a expectativa de que as futuras gerações continuem cultuando o talento das irmãs Galvão.

Meire, está com 81 anos, e Marilene, 79. “Não tenho culpa de perder os meus sonhos, no meio da estrada”, diz trecho da música composta sobre o mal de Alzheimer e interpretada pelas Soberanas sobre o avanço da doença em Marilene.

Ramon Franco

Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor de diversos livros, entre eles ‘A próxima Colombina’

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