Da década de 1990 para cá, ao menos dois ídolos da música brasileira nos deixaram e quase ninguém percebeu quando de suas respectivas partidas. Ambos foram e ainda são alicerces para a indústria fonográfica brasileira e para a cultura – e aqui, leia-se economia criativa e o bilionário setor da música sertaneja e suas variantes possíveis e imagináveis até o momento.
O primeiro destes dois monstros sagrados da moda de viola a partir, 30 anos atrás, foi um senhor que morou em Oriente décadas atrás, e por aqui utilizou o nome artístico de Palmeirinha. Seu nome de batismo era José Dias Nunes, mas ninguém – a não ser seus parentes – o conheciam assim. Para todos, José Dias Nunes era chamado de Tião Carreiro. Violeiro autodidata, formou com Pardinho (Antônio Henrique de Lima) uma das maiores duplas caipiras de todos os tempos, com hits cultuados até os dias de hoje.
Tião Carreiro e Pardinho atravessaram gerações de fãs e tenho a plena certeza que qualquer churrasco de final de semana feito pela nossa região ou em qualquer outro ponto deste Brasilzão, a trilha sonora inclui ‘Boi soberano’, ‘Pagode em Brasília’, ‘Amargurado’ e ‘Travessia do Araguaia’. Tião nos deixou em 15 de outubro de 1993, após complicações no rim. Tinha 58 anos e já era um mito. Anos antes, havia encerrado a parceria com Pardinho – inclusive quem assistiu a um show que a dupla fez em Assis nas últimas apresentações da formação, no final dos anos de 1980, notou o clima tenso entre os dois. Quem viu o show, realizado numa casa de espetáculo que trazia para a região grandes nomes – como Gaúcho da Fronteira – narra que Pardinho entrava por um lado do palco e Tião por outro, cantavam sem se olharem e saiam do palco da mesma forma.
Longe de discutir os motivos deste distanciamento, mas relatando que Tião e Pardinho formaram dupla por dois períodos: a primeira fase de 1954 a 1978 e a segunda fase de 1981 a 1988 (parece, não é certeza, que a volta teria sido proposta pelo governador de São Paulo, Franco Montoro), o Brasil ainda não retribuiu a ambos tudo que eles proporcionaram em termo de valorização da alma caipira e de preservação da identidade nacional.
Cinco anos após a partida de Tião, outro grande nome deixa a cena e, da mesma forma, a sociedade lhe impõe o ostracismo – o triste e obscuro esquecimento: João Pacífico. Pacífico, de uma ternura na voz e na lavra, escreveu poemas que foram musicados e até hoje encantam a nação: de ‘Cabocla Tereza’ a ‘Chico Mulato’, de ‘Pingo d’água’ a ‘Mourão da Porteira’. Morreu em 30 de dezembro de 1998, aos 89 anos. Era poeta na vida, na alma e na essência. Talvez possa estar equivocado, já que no começo da crônica citei que da década de 1990 para cá dois ídolos nos deixaram de forma despercebida pela sociedade. Infelizmente, tiveram outros. Mas é uma amargura reviver, por exemplo, a triste partida de Cascatinha, falecido em 1996 e cujo apelido de ‘Cascatinha’ ganhou no tempo em que morou no distrito Alto Cafezal – isso mesmo, antes daqui se tornar Marília – e ao invés de ir para escola, gostava de tocar na fanfarra do colégio e nadar nas cascatas e cachoeiras no entorno da cidade, que, como todos sabem, é totalmente rodeada pelos vales e itambés. Portanto, precisamos falar não somente sobre Tião, mas sobre o Pacífico, sobre o Cascatinha, sobre o Pardinho, sobre o Carreirinho, sobre José Fortuna, sobre o Dino Franco, sobre o Teddy Vieira, sobre o Lourival dos Santos…
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), [email protected].